Aproximadamente entre 500 a.c. e 450 a.c. viveu Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático que constatou que “não se pode descer duas vezes ao mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado, mas por causa da impetuosidade e da velocidade da mudança, dispersa-se e recolhe-se, vem e vai”[1].
O fluxo incessante da realidade, capturado nesta constatação pré-socrática, deveria ser uma obviedade para a administração contemporânea. No entanto, a realidade observada em corporações e instituições reflete, paradoxalmente, uma resistência inexorável à mudança.
Do ponto de vista psíquico, o apego à realidade construída traz conforto emocional e a organização preestabelecida, como símbolo de eternidade, protege da angústia que a inexorável finitude proporciona (tabu da morte)[2]. Já sob a ótica sociológica, a resistência ao novo torna o risco social incalculável a despertar crises pessoais e sociais[3].
Contudo, o mundo se move incessantemente, dissolve-se e se recompõe. Em uma sociedade de consumo em que o gosto e as demandas se formam e se transformam em uma velocidade “líquida” – termo que evoca a efemeridade das relações e estruturas sociais contemporâneas –, não é mais dado a corporações e instituições construir uma “Muralha da China” para bloquear os influxos da adequação. A sobrevivência e a relevância exigem que se olhe pela janela e se adapte à realidade que passa velozmente.
O desafio de liderar a adaptação à contemporaneidade é, inegavelmente, complexo, pois exige navegar entre a necessidade de estabilidade humana e o imperativo do movimento mercadológico. Contudo, a adoção de algumas premissas pode amenizar as “dores” que o novo inevitavelmente representa.
Superação da autocracia e busca por acordos
O primeiro passo para amenizar a angústia reside na superação da tendência, por vezes inerentes às posições hierarquizadas de direção institucional, de adotar práticas centralizadoras e autorreferenciais, em detrimento de uma gestão participativa e dialógica.
Não se trata de uma tarefa simples dividir as atribuições próprias a uma posição de liderança, sobretudo quando tal exercício demanda a tomada de decisões e a orientação de condutas sem que isso se converta na pretensão de deter a verdade ou o monopólio das razões.
O gestor, neste contexto, deve se afastar da sedutora autocracia, um estilo de gestão que paradoxalmente gera mais incertezas e angústia naqueles que irão experimentar as mudanças.
É crucial buscar uma aproximação a um modelo de liderança transacional otimizado, em que se estabelecem novos rumos não pela imposição vertical, mas sim por meio de acordos e trocas claras. Este estilo de gestão oferece a transparência e a estrutura necessárias ao processo de transição. Ao definir de maneira transparente as expectativas e as recompensas contingentes ao desempenho e à adaptação, a equipe de direção mitiga o medo do desconhecido e oferece um mapa seguro para todos.
Planejamento estratégico como ferramenta de inclusão
Uma boa prática consiste na elaboração de um planejamento estratégico construído de forma participativa, envolvendo as diferentes áreas e níveis da instituição. Esse processo permite que a alta gestão apresente suas diretrizes e expectativas quanto ao futuro institucional (o “porquê” da mudança), ao mesmo tempo em que promove o diálogo e busca o consenso de ideias entre os diversos setores. Esta abordagem favorece a definição coletiva dos caminhos a serem seguidos.
Com as “cartas dos rumos” postas por todos na mesa, o receio de surpresas é minimizado, já que todos, direta ou indiretamente, participam da concepção do planejamento transformador.
A eficácia transacional está na clareza dos objetivos de curto, médio e longo prazos e na definição do que será recompensado. É vital que, durante este caminhar, que sejam utilizadas recompensas para celebrar as vitórias (ainda que rápidas, quick wins), validando o esforço e a disposição para aprender, e não apenas o resultado final.
Suporte, comunicação e segurança psicológica
O comprometimento do corpo de trabalhadores constitui um elemento dinâmico que deve ser periodicamente reafirmado e monitorado, sobretudo pela aderência às diretrizes previamente delineadas no planejamento estratégico. Eventuais revisões de percurso exigem processos comunicativos transparentes e contínuos, capazes de assegurar a legitimidade das decisões e a coesão institucional. A comunicação deve ser proativa.
Ademais, a promoção contínua de práticas que estimulem a criatividade e o senso de pertencimento revela-se fundamental para a sustentação do engajamento organizacional. Ferramentas inovadoras devem ser utilizadas para a manutenção desta prática: pesquisas de satisfação que deem voz a preocupações, concursos de ideias para a consecução das metas, incentivo à divulgação de elogios e reconhecimentos àqueles que se destacam no engajamento institucional e outras iniciativas auxiliam no sentimento de integração e na implementação das mudanças.
A transformação deve ser inerentemente inclusiva. Reconhece-se que o ritmo e a habilidade de adaptação variam entre as pessoas, e deve ser rejeitada a exclusão daqueles que demonstram opinião crítica, maior resistência ou insegurança inicial.
A riqueza da diversidade de perspectivas deve ser prestigiada, pois é nela que também se encontra a crítica construtiva que provoca a inovação e impede a cegueira organizacional. Portanto, o investimento em capacitação individualizada e no suporte contínuo psicossocial não são apenas necessários, mas configuram a verdadeira “moeda de troca”.
Ciente da natureza humana falha e da própria falibilidade do autor, o que torna mais complexo o tema quando se lida com questões interpessoais, o escopo desta opinião reside na provocação de debate e reflexão para a modernização organizacional (corporativa e institucional). A manutenção de estruturas inflexíveis, alicerçadas pela cegueira da paisagem obsoleta invisível e no princípio da imutabilidade (“sempre foi assim”), acaba por obstruir a consecução da atividade-fim, induzida por uma desconexão estrutural com o ambiente externo e suas demandas. Se navegar foi preciso, inovar é manter a direção do caminho.
[1]REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Volume I. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 64.
[2] GARRIDO, Giovanna; SALTORATO, Patrícia; MOREIRA, Carlos Augusto Amaral. Reflexões psicanalíticas sobre a Resistência à Mudança organizacional. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, Brasília, v. 15, n. 2, p. 212-223, abr./jun. 2015. DOI: 10.17652/rpot/2016.2.496. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v15n2/v15n2a10.pdf. Acesso em: 19.09.2025..
[3] SCHILLING, Flávia. A sociologia na modernidade radical: quem tem medo da incerteza? REVISTA USP, São Paulo, n. 54, p. 187-192, jun./ago. 2002.