O Brasil vive um processo acelerado de expansão de cursos de medicina. Entre 2023 e 2025, o Ministério da Educação (MEC) autorizou 5.461 novas vagas em medicina, somando mais de 50 mil em todo o país, distribuídas em 494 cursos — o segundo maior volume de formações médicas do mundo, atrás apenas da Índia, país com população sete vezes superior à brasileira.
A pasta ainda analisa pedidos de 37 novos cursos e de aumento de vagas em outros 91 já existentes. De acordo com o MEC, as autorizações concedidas nesses dois anos ocorreram por força de decisões judiciais.
A entidade que presido, a AHOSP (Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado de São Paulo), é contrária à criação de cursos sem critérios sociais e de qualidade.
A abertura de novas graduações deve seguir rigorosamente as Diretrizes Curriculares Nacionais, contar com corpo docente qualificado, rede de saúde estruturada e contratualizada — seja no SUS ou na rede conveniada —, campos de prática suficientes com preceptoria formal e análise das necessidades regionais.
Sem esses requisitos, não há como assegurar qualidade nem responsabilidade na formação. O resultado é o risco de colocar em campo profissionais sem a experiência prática necessária para lidar com a complexidade dos serviços de saúde.
Com o aumento expressivo de cursos, torna-se essencial repensar os mecanismos de avaliação. A AHOSP é favorável à adoção de avaliações nacionais de egressos, mas é preciso distinguir entre “avaliação do egresso” e “avaliação de curso”. Elas têm finalidades distintas. Não faz sentido aplicar uma prova que apenas atribua nota à instituição sem consequências para o aluno.
Para o egresso, a avaliação deve gerar devolutiva individual, orientar a formação continuada e ter efeitos concretos no acesso à profissão. Já para o curso, os resultados precisam alimentar os processos regulatórios do MEC e do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), com transparência pública e aplicação de medidas corretivas quando necessário.
A segurança do paciente também deve estar no centro dessa discussão. Trata-se de um tema sistêmico, que não pode ser reduzido ao desempenho do médico recém-formado. Serviços de saúde sem infraestrutura adequada, sem processos padronizados e sem governança clínica consistente representam riscos reais, independentemente do tempo de formado dos profissionais.
Por isso, é fundamental adotar protocolos baseados em evidências, rotinas clínicas auditáveis, atuação efetiva dos Núcleos de Segurança do Paciente, cultura de reporte, educação permanente, supervisão nas práticas e monitoramento de indicadores assistenciais.
O MEC deve liderar o desenho e a execução de uma avaliação nacional justa, representativa e consequente, em diálogo com o INEP, o Conselho Nacional de Educação, o Ministério da Saúde, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Conselho Federal de Medicina, a Associação Brasileira de Educação Médica e demais entidades civis. Somente um processo transparente e colaborativo poderá proteger a sociedade e induzir melhorias reais na formação médica e nos serviços de saúde.
Formar bons médicos exige mais do que multiplicar vagas. Exige qualidade na formação, campos de prática robustos, avaliação com efeitos reais e serviços com governança clínica sólida. Esses são os pilares de uma medicina segura e comprometida com o paciente, que conciliam o direito à educação com a obrigação maior de proteger vidas.