O som estridente da conexão discada fazia parte do dia a dia dos brasileiros que usavam a internet em 2002 – eram menos de 10% da população do país, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). O acesso era lento e limitado, via linha telefônica, num computador de mesa que ocupava quase todo o espaço de uma escrivaninha. Navegar na web costumava ser uma atividade noturna, período em que as tarifas eram mais baixas.
Os smartphones só se popularizariam quase uma década depois e os aparelhos celulares, que começavam a ter câmeras neste ano, vivam a era do 2G. A tecnologia, mais lenta que a telefonia móvel de quinta geração que predomina hoje, exigia um tempo longo para a conexão. Atividades agora corriqueiras como assinar contratos digitalmente, resolver burocracias de banco ou fazer compras online eram impensáveis.
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Neste contexto, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu último ano de mandato, sancionou a versão mais atual da norma que organiza as regras básicas da vida privada brasileira: a Lei 10.406/2002, conhecida como Novo Código Civil.
De lá para cá, muito mudou. Vinte anos depois, é possível se conectar em tempo real com todo o mundo num aparelho que se tornou indispensável. As mudanças não vieram sem avanços legais. Em 2014, foi sancionado o Marco Civil da Internet. Quatro anos depois, foi sancionada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) para complementá-lo. Mas, desde 2023, um movimento de especialistas em Direito Civil defende no Congresso que é preciso inserir as questões do campo tecnológico na principal lei que regula as relações privadas do país. Instalada no Senado para revisar o Código Civil, uma comissão de juristas propôs uma série de mudanças na normativa, entre elas a inclusão de um livro de Direto Digital. O anteprojeto foi entregue ao senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) que, em janeiro, propôs a atualização massiva do código por meio do PL 4/2025.
“A inovação tecnológica e os avanços do mundo cada vez mais digital reconduzem as relações privadas, a liberdade, a livre iniciativa e tantos outros conceitos do campo do direito privado para o centro dos debates jurídicos”, afirmou o ministro Marco Aurélio Bellizze, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em audiência pública no Senado no último mês. Ele participou de discussão na comissão temporária que analisa o PL que revisa o Código Civil. Bellizze considera que incluir o direito digital na normativa é uma “forma importante” de garantir a integração e a coesão sistemática do direito privado. O ministro fez parte do grupo de juristas responsável pelo texto base do anteprojeto entregue a Pacheco. O colegiado foi presidido pelo ministro Luís Felipe Salomão, do STJ.
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O PL traz a alteração mais abrangente no código até o momento. A proposta muda cerca de 900 dispositivos e inclui outros 300 na lei. Entre as novidades, o livro sobre Direito Civil Digital tem cerca de 90 artigos divididos entre dez capítulos. O trecho traz regras que envolvem desde a presença de crianças e adolescentes no ambiente digital a situações jurídicas nesse contexto, com normas também sobre o patrimônio digital, a celebração de contratos por meios digitais e inteligência artificial.
A proposta determina, por exemplo, que os neurodireitos e o uso ou acesso a dados cerebrais são uma extensão do direito da personalidade e têm o mesmo tipo de proteção, por isso, não podem ser transmitidos, renunciados ou limitados. Em outro ponto, estabelece que senhas e bens digitais podem ser herdados, e que a, não ser que o testamento diga o contrário, os herdeiros não podem acessar as mensagens privadas que constem no patrimônio digital. Também obriga plataformas digitais a proteger crianças e adolescentes, exigindo verificação de idade, ferramentas de controle parental, proteção de dados pessoais e o respeito ao interesse superior do menor em todas as etapas do serviço. Baixe a íntegra do texto neste link.