Quem é de esquerda, quem é de direita? Depende de quem responde

Entender quem é de esquerda e quem é de direita não é apenas uma curiosidade acadêmica. Essas classificações organizam a disputa política, orientam os eleitores e ajudam a decifrar o comportamento de deputados e senadores. Em sistemas fragmentados como o brasileiro, funcionam como atalhos cognitivos: indicam “quem é quem” na arena partidária e por que isso importa.

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Mas será que todos enxergam os partidos da mesma forma? Afinal, um militante de base percebe seu partido da mesma maneira que um especialista em ciência política ou um deputado federal? Responder a essa pergunta ajuda a compreender por que a identidade ideológica dos partidos brasileiros é muitas vezes percebida como ambígua ou até contraditória.

Os partidos políticos por três pontos de vista distintos

Nossa análise reúne três bases de dados originais. A primeira é o survey do Centro de Estudos de Partidos Políticos (CEPP), da UFSCar, em que filiados posicionaram seus partidos numa escala de 1 (esquerda) a 10 (direita).

A segunda é o levantamento com especialistas (Bolognesi, Ribeiro & Codato, 2023), que atribuem notas às legendas a partir de critérios acadêmicos e técnicos.

Por fim, utilizamos o Brazilian Legislative Survey (BLS), conduzido por Zucco e Power (2011), que estima a posição ideológica dos partidos com base no autoposicionamento de deputados federais e em suas respostas a questões substantivas.

Ao colocar essas três perspectivas lado a lado — filiados, especialistas e parlamentares —, é possível avaliar o grau de congruência, ambiguidade e dissonância na forma como a ideologia partidária é percebida

O que os dados mostram: congruência, ambiguidade e dissonância

O gráfico abaixo mostra o posicionamento ideológico médio atribuído aos partidos brasileiros pelos três grupos. A linha preta diagonal representa o alinhamento perfeito entre as percepções dos filiados e as demais.

Gráfico 1: Congruência ideológica entre filiados, parlamentares e especialistas

Nota: A posição ideológica atribuída pelos filiados é a referência (eixo X), em comparação com as medidas dos parlamentares e dos experts (eixo Y). A linha sólida representa a linha de congruência perfeita (x = y).

Em partidos como PSOL e PDT, há relativa congruência entre as avaliações. Já em siglas como PSDB, PTB, PSB, DEM, MDB e PSD, observamos maior divergência: filiados, especialistas e parlamentares posicionam os partidos em pontos distintos, indicando ambiguidade ideológica. Dois casos chamam atenção: no PT, os próprios filiados enxergam o partido mais à esquerda do que especialistas e parlamentares. No PL, ocorre o inverso: os filiados tendem a classificar sua legenda mais ao centro.

Essas variações reforçam que a classificação ideológica é relacional e depende de quem observa. Filiados julgam a partir da vivência partidária, parlamentares se guiam por práticas legislativas e alianças, enquanto especialistas recorrem a critérios analíticos.

Por que isso importa na prática

As divergências de percepção ajudam a explicar por que, muitas vezes, os partidos brasileiros são vistos como ideologicamente ambíguos. Para o eleitor comum, isso se traduz em dificuldade de identificar com clareza quem defende o quê.

Do ponto de vista político, as discrepâncias podem afetar tanto a estratégia eleitoral quanto a governabilidade. Partidos que parecem mais de centro para os filiados, mas são vistos como de direita por especialistas e parlamentares, podem enfrentar dilemas de identidade e problemas de coerência em alianças.

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Além disso, a dissonância entre percepções internas e externas revela como a política brasileira opera em diferentes níveis: o da militância, o da elite legislativa e o da análise acadêmica. Reconhecer esses olhares distintos é fundamental para entender a dinâmica das legendas e a relação delas com a sociedade.

Classificar partidos continua sendo essencial para organizar a competição política e orientar os eleitores. Os dados mostram que, embora haja divergências entre filiados, especialistas e parlamentares, também existe uma coerência mínima que permite reconhecer padrões. É nesse equilíbrio entre convergências, divergências e ambiguidades que se constrói a identidade ideológica dos partidos no Brasil.

Bolognesi, B., Ribeiro, E. A., & Codato, A. (2023). Tipologia funcional dos partidos políticos brasileiros: entre partidos de programa, de cargo e eleitorais. Revista Brasileira de Ciência Política.

Zucco, C. 2023. “Brazilian Legislative Surveys (Waves 1-9, 1990-2021).” Harvard Dataverse. https://doi.org/doi:10.7910/DVN/WM9IZ8

FAETI, Filipe Vicentini. Filiados e participação de alta intensidade nos partidos brasileiros: abrindo a caixa preta. 2025. Tese (Doutorado em Ciência Política). Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/20.500.14289/22401.

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