Simultaneamente com a implementação da não cumulatividade do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), instituída pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, nasceu uma das maiores controvérsias tributárias dos anos 2000: a definição do conceito de insumo.
O inciso II do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 prevê a possibilidade de apuração de crédito sobre gastos incorridos com insumo sem, contudo, definir o que representa ou qual o alcance do termo “insumo”. Nesse sentido, diante do volume de processos que envolviam o tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou o Recurso Especial 1.221.170/PR à sistemática de recursos repetitivos e definiu as seguintes teses:
(a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003;
(b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
Acontece que, o que era para ser um ponto final nas discussões sobre o alcance do inciso II do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, passou a ser a porta inaugural de novas problemáticas em torno do conceito de insumo.
O que o STJ quis dizer com “atividade econômica desempenhada pelo contribuinte?”, “a tese definida é decorrente de uma evolução na interpretação legal de acordo com a nova realidade econômica?”, “o STJ rechaçou a limitação do aproveitamento de crédito de insumo apenas por empresas industriais e prestadoras de serviço?”, “é factível que a Administração Pública tente limitar a apuração de crédito para as despesas incorridas apenas na etapa produtiva?”
Estes são alguns questionamentos que surgiram quando a tese definida pelo STJ no REsp 1.221.170/PR encontrou os casos concretos e uma realidade econômica totalmente diferente daquela que existia quando da edição das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
A resposta para esses questionamentos comumente vai no sentido de que o inciso II do artigo 3º das referidas leis expressamente indica a necessidade do insumo ser empregado na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, o que justificaria a interpretação restritiva do conceito de insumo.
Acontece que esta perspectiva, quase que introdutória do tema, não é suficiente para dirimir os litígios que passaram a chegar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
É importante lembrar que a interpretação da legislação deve acompanhar a evolução do contexto fático, já que é impossível que a produção legislativa acompanhe a dinâmica econômica real – especialmente nos tempos atuais em que o cenário tecnológico e, consequentemente, econômico, passa por atualizações quase que em tempo integral.
Seria absolutamente incoerente esperar que as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, pensadas no início dos anos 2000 (ou seja, há mais de 20 anos) previssem expressamente características da economia e dos modelos de negócios atuais ou entender que essas legislações estão presas e imobilizadas no contexto econômico existente na sua promulgação, ficando à margem de qualquer evolução do mercado.
Diante da rápida evolução pela qual os modelos econômicos estão passando, parece razoável – e até esperado – que o STJ tenha proposto uma definição de conceito de insumo moderna, interpretando a legislação conforme a evolução do contexto fático de aplicação da norma.
Em outras palavras, ao determinar o duplo critério de essencialidade ou relevância para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte, é possível concluir que o STJ afastou o racional de que a apropriação de créditos só deveria ser reconhecida por empresas industriais ou prestadoras de serviço.
Inclusive, o voto da ministra Regina Helena proferido no leading case destacou as decisões proferidas anteriormente nas Apelações Cíveis em Mandado de Segurança 0012352-52.2010.4.03.6100/SP e 0005469- 26.2009.4.03.6100/SP, que julgaram a apropriação de crédito de PIS e Cofins insumo por empresas comerciais, tendo sido analisadas as despesas de acordo com a essencialidade e relevância da respectiva atividade econômica daqueles contribuintes (atividade comercial).
Embora o Carf tenha proferido acórdãos que, de fato, prestigiam a evolução dos modelos econômicos, é possível verificar uma resistência do Conselho em admitir-se a apuração de crédito de PIS e Cofins não cumulativo com base no inciso II do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 para empresas que exercem operações complexas, envolvendo diversas atividades econômicas interligadas.
Uma das tímidas decisões do Carf que exemplifica a compreensão das atividades econômicas modernas, é o caso Subway (acórdão 3402-005.101), em que se afastou a conclusão da Autoridade Fiscal no sentido de que a atividade da empresa seria de mera comercialização de sanduiches e se concluiu que as especificidades da sua atuação, como franqueadora, deveriam ser consideradas na análise do enquadramento das despesas como insumos.
Outro importante e recente julgado, é o caso da Netshoes (acórdão 3201-012.196), em que restou decidido que o fato de a empresa ter operação exclusivamente em ambiente online/virtual era fator determinante na análise das despesas que foram enquadradas como insumo pela companhia.
A despeito disso, antes mesmo que a discussão sobre a evolução e a modernização das atividades econômicas empresariais fosse amadurecida em relação à interpretação das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 e do decidido pelo STJ no REsp 1.221.170/PR, foi aprovada a Súmula Carf 234:
Na atividade de comércio não é possível a apuração de créditos da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins com base no inciso II do art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Embora os defensores da aprovação da súmula interpretem que o enunciado apenas reiterou as disposições legais (o que, inclusive, dispensaria a edição da súmula), há um receio legítimo por parte dos contribuintes no sentido de que a redação utilizada (“atividade de comércio”) seja interpretada de modo a consolidar a equivocada premissa de que a economia se divide exclusivamente entre industrializadores/prestadores de serviços e revendedores/comerciais — uma visão que ignora a complexidade dos modelos de negócios atuais, vez que uma única empresa pode reunir diversas atividades econômicas interligadas.
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Uma empresa varejista (que, a princípio, possui uma aparência puramente), pode exercer atividade de publicidade para empresas parceiras, prestar serviços vinculados ao marketplace, serviços de gestão de frete e logística, entre outras diversas atividades, o que não pode ser ignorado pela Autoridade Fiscal e pelo Carf na análise dos casos concretos.
Considerando-se todo o exposto, há uma expectativa – ou quase que uma esperança – de que o Carf não utilize a Súmula Carf 234 para se afastar da análise dos casos concretos de empresas que possuem uma operação complexa, envolvendo diversas frentes de atuação além da atividade comercial: é imprescindível que a evolução constante dos modelos de negócio seja lembrada e seja utilizada na interpretação das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.