Contratação modular de Verificador Independente

Uma gestão contratual qualificada é condição necessária para que concessões e PPPs entreguem o que prometem. Contratos longos, matrizes de risco dinâmicas, indicadores de desempenho, eventos extraordinários e revisões periódicas exigem rotina analítica, governança de dados, ritos decisórios claros e documentação consistente.

Sem esse encadeamento, a execução perde previsibilidade, a assimetria de informação cresce, a litigiosidade se intensifica e as decisões perdem lastro técnico.

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Diante desse desafio, o Verificador Independente vem deixando de ser acessório e se consolidando como peça central da arquitetura de governança dos projetos de concessão. Ao converter informação operacional em evidência auditável, reduz assimetrias, confere transparência às rotinas e qualifica as decisões do poder concedente e do regulador.

Embora ainda não exista padronização nacional sobre suas funções, a experiência acumulada formou um núcleo mínimo de atribuições que dá previsibilidade ao papel do VI. Esse núcleo inclui a mensuração e validação de desempenho, a elaboração de relatórios que suportam pagamentos variáveis e o apoio metodológico a processos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.

Nas modelagens mais recentes, entretanto, o Verificador Independente deixou de atuar apenas como aferidor e passou a atuar como agente facilitador do diálogo entre as partes, tendo seu escopo ampliado para frentes que hoje são centrais em contratos complexos.

Isso inclui o monitoramento de bens reversíveis, com a formação de um cadastro confiável e rastreável de intervenções, a produção de análises objetivas que fundamentam atos regulatórios, a organização técnica de pleitos e controvérsias, a verificação de consistência contábil e financeira com trilhas de auditoria e, quando previsto, a avaliação de impactos ambientais e sociais.

Esse avanço, entretanto, exige coerência contratual. Na prática, muitos editais têm buscado antecipar, já na origem, um conjunto amplo de necessidades a serem atendidas pelo VI ao longo de cinco, dez ou vinte anos. Os instrumentos passam a listar – desde o início – um repertório extenso de entregas, perfis profissionais e soluções de tecnologia da informação, muitas vezes atrelados a cenários que talvez não se materializem ou que podem se modificar no decorrer da relação contratual. Ao mesmo tempo, alocam ao VI responsabilidades por atividades cuja complexidade e necessidade de especialização ainda não podem ser estimadas com precisão.

Tome como exemplo dois pleitos distintos de reequilíbrio que podem afetar uma mesma concessão. No primeiro caso, há um pleito de reequilíbrio decorrente de variação relevante de insumos com série pública e metodologia consolidada, como CAP ou diesel. O VI consolida as séries, avalia o modelo regulatório aplicável, valida os critérios previstos no contrato, verifica a aderência da metodologia e estima o impacto no fluxo de caixa com documentação padronizada e cálculo transparente.

No segundo caso, a concessionária alega a existência de patologias estruturais em pavimento rígido com hipótese de vício de projeto e execução. A instrução passa a depender de inspeções em campo, ensaios laboratoriais, retroanálises mecanísticas, modelagem de durabilidade, avaliação da alocação dos riscos contratuais e demais aspectos jurídicos, além de possíveis perícias (contábeis, inclusive) para mensurar impactos. Diversos seriam os especialistas que deveriam ser envolvidos pelo VI para apoiar a solução do procedimento.

As situações narradas são distintas e têm graus de complexidade díspares. Ainda assim, quando o contrato atribui de forma genérica ao VI o apoio ao poder concedente e ao regulador em pleitos de reequilíbrio em sentido amplo, acaba exigindo que este disponha, desde o início da concessão, de uma estrutura capaz de atender a ambos os cenários. Essa estratégia tem alguns efeitos colaterais.

Em primeiro lugar, a antecipação exaustiva de entregas e perfis eleva custos porque o proponente precisa precificar incertezas ao longo de todo o horizonte contratual. Para atender a um cardápio amplo desde o início, a empresa mobiliza equipes raras, mantém certificações e ferramentas especializadas em prontidão e internaliza riscos de demanda que talvez nunca se concretizem.

Esse custo de ociosidade, somado ao prêmio de risco pelo desconhecido, é incorporado ao preço e se espalha pelo contrato em tarifas maiores, contraprestações mais altas ou menor margem para ajustes que realmente importam.

Em segundo lugar, o desenho desestimula a competição ao criar barreiras de entrada que afastam players qualificados e que podem apoiar significativamente a gestão da PPP, com equipe dedicada a aprimorar o diálogo entre as partes contratantes. Exigências extensas de equipes permanentes e de soluções tecnológicas proprietárias favorecem poucos grupos capazes de prometer tudo a priori.

O resultado é um leilão menos disputado, com menor diversidade técnica e menor potencial de inovação, pois a seleção passa a privilegiar estrutura instalada em vez da capacidade de organizar respostas proporcionais ao problema que de fato surgir.

Em terceiro lugar, a execução perde flexibilidade quando o contrato fixa, desde a origem, perfis, rotinas e sistemas sem esperar o comportamento real do projeto. Se o VI não dispõe, no núcleo permanente, do profissional ou da capacidade técnica necessária para uma entrega pontual, essa lacuna pode ser interpretada como inadimplemento, pois o edital presumiu prontidão para todas as hipóteses.

Por outro lado, se o VI mobiliza especialistas externos, os custos adicionais não serão incorridos pela parte que o contrata. Forma-se um duplo desalinhamento de incentivos. De um lado, pune-se quem evita carregar estrutura ociosa e cara. De outro, desestimula-se a busca rápida pela melhor competência disponível. O resultado é uma gestão que cumpre formalidades, mas se afasta da solução eficiente do problema concreto.

Para evitar excesso de escopo e falta de aderência, o contrato poderia abandonar o pacote fechado e adotar um desenho modular. A coerência nasce de reconhecer o que é estrutural e o que é contingente. De um lado, reconhece-se um escopo nuclear e indelegável, que garante o essencial e permanece sob responsabilidade direta do VI.

De outro, prevê-se a possibilidade de módulos complementares que podem ser acionados apenas quando o caso concreto exigir expertise rara ou análises complexas, com responsabilidade integral do VI e critérios objetivos de acionamento, custo e entrega.

O núcleo é a espinha dorsal do serviço. Ele permanece ativo do início ao fim, com equipe mínima multidisciplinar aderente ao objeto da concessão e capacidades que sustentam a gestão cotidiana e a independência técnica. A empresa ou o consórcio deve comprovar aptidão e experiência compatível com a sua realização.

Essa base não se terceiriza, pois concentra independência, continuidade e memória institucional. As demais demandas, porém, entram por módulos especializados conforme a necessidade, preservando eficiência e alinhamento ao problema real.

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Os módulos conferem elasticidade sem renunciar ao rigor. Diante de demandas específicas, o VI pode agregar especialistas e reforços técnicos, mediante anuência das partes, preservando a responsabilidade técnica e legal pelos resultados, pelos prazos e pela integração das entregas.

A previsão de um cardápio de módulos não gera despesa automática e ainda reduz o prêmio de risco embutido na proposta no momento da licitação. O verificador deixa de carregar estruturas ociosas desde o dia inicial e os preços passam a refletir o que de fato será demandado. Quando surgir a necessidade concreta, o acionamento ocorre por ordem de serviço ou termo aditivo, com escopo, prazo, critérios de aceite e preço definidos com precisão.

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