Trazer o órgão máximo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), a Conferência das Partes (COP), para o meio da Amazônia não foi a única novidade de Belém. No ano em que essa estrutura engessada, carregada de jargões e siglas incompreensíveis poderia cair em descrédito com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e com a crescente polarização, que mina o entendimento das nações sobre questões globais, a edição brasileira estava atrás de novas ideias. Foram essas mesmas ideias que vieram atrás dos negociadores com críticas e cobranças.
Os cientistas do inédito Pavilhão de Ciências Planetárias instalado em lugar de destaque do Blue Zone, onde tudo acontece, cobraram conexão com a realidade e urgência da crise climática. Uma espécie de “centro de comando” da ciência planetária oferecem dados em tempo real e conteúdos que integram ciência contemporânea e saberes tradicionais. Foi ideia da presidência da COP30 para orientar decisões estratégicas nas duas semanas da maior conferência do clima do mundo, num momento em que o negacionismo climático ganha nova dimensão. Mas o grupo não está satisfeito com o andamento das negociações.
Em sua 24ª conferência das partes, a presidente do Conselho Científico da COP30, Thelma Krug, afirma que, nesta edição, a ciência vem de cima para baixo na estrutura. De baixo para cima, diz, não estava dando certo. Do pavilhão, saíram painéis de alto nível, encontros entre negociadores e cientistas, além de lançamentos de relatórios, como o “Global Carbon Budget 2025” e o “Dez Novas Perspectivas na Ciência Climática”. Enquanto negociadores seguiam travados nos mesmos pontos e filigranas técnicas de sempre, sem aparente saída para o mapa do caminho para a redução da dependência dos fósseis, defendido por Lula cinco vezes no evento, os cientistas afirmaram que a COP30 tem uma escolha a fazer entre proteger as pessoas e a vida, ou a indústria do petróleo.
A declaração foi assinada, entre outros, por Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre Impacto Climático, e Carlos Nobre, renomado cientista brasileiro; Planetary Guardian e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, que coordenam o pavilhão, e Krung. Ainda não se sabe como será nas próximas edições, como admite Krug.
Outra novidade, o Círculo dos Povos, criado para dar protagonismo e voz a povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas e agricultores familiares na crise climática, levou dezenas de manifestantes para dentro e centenas para os arredores da conferência. Indígenas queriam entender e ser ouvidos sobre o que estava sendo discutido nas mesas de negociação. E queriam também ação sobre itens da pauta nacional. Não por acaso, dois dias depois, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, assinou o reconhecimento de quatro Terras Indígenas (T.I.) e a delimitação de 10 novos territórios. A decisão saiu no Diário Oficial da União (DOU) e foi anunciada em Belém, a capital simbólica do Brasil até hoje. Cerca de 3.500 indígenas participaram de alguma maneira nesta COP.
O círculo se manifestou através de um espaço físico, o Pavilhão do Círculo dos Povos, na Zona Verde da conferência, aberta ao público, e em um ambiente virtual (Maloca). Ali, indígenas conversaram com brasileiros de todas as regiões e estrangeiros, venderam artesanato e pintaram a pele dos curiosos com jenipapo ao custo de R$ 30. Do Curupira, mascote da COP30, ao Zé Gotinha, outro personagem nacional, até uma releitura de São Francisco e o Homem-Aranha, todos circulavam ali entre a pauta climática e a noção do Brasil diverso. Isso se estendeu pelos shows da Free Zone e pela COP das Baixadas, na chamada Zona Amarela, ambos fora da Hangar da COP30.
O exercício das negociações parece passar distante do cidadão comum. Esse é notadamente um dos grandes desafios das COPs, reconhecido desde a primeira carta emitida pelo presidente da COP30, André Corrêa do Lago. É a tal desconexão com o mundo real. Se as pessoas não entendem o que se passa ali dentro das salas onde negociadores permanecem por horas a fio madrugada adentro, como vão apoiar ou confiar no que está sendo feito?
De alguma maneira, a abertura ao público não teve a ver apenas com o fato de o Brasil ser um país democrático, depois das edições de Dubai e de Baku, mas com um clima mais descontraído e menos neurótico com regras de segurança (talvez um erro estratégico).
Em suas últimas palavras em Belém, Lula afirmou que as COPs não podem ser “perpetuamente litúrgicos”, com “lugares cercados de polícia e arame farpado para tudo quanto é lado”. “Se os líderes estão tão protegidos, é porque sabem que não estão fazendo a coisa certa”, afirmou, talvez para justificar as queixas da ONU sobre o que considerou graves falhas na segurança do evento depois que a marcha dos povos saiu do controle dos agentes. Não foi só da segurança que o UNFCCC reclamou.
Lula falou em participação do povo “extraordinariamente bem organizada e ordeira”. Mas em dura carta entregue à Casa Civil e à presidência da COP30, a entidade cobrou soluções imediatas para a falta de estrutura dos banheiros e problemas graves na refrigeração, que levou algumas pessoas a procurar o serviço de saúde por conta do calor. Teve até incidente diplomático, após o chanceler alemão Friedrich Merz detonar Belém. A declaração causou forte comoção entre Belenenses e o resto do Brasil, com grande repercussão internacional. Os próprios alemães reagiram contra o primeiro-ministro, que desculpou-se publicamente.
Os barulhos que vieram de fora nesses últimos dias serviram de alerta para quem estava lá dentro, protegido por suas credenciais em áreas restritas. De alguma maneira trouxeram os negociadores uma brisa de vida real, em meio a longos debates cheios e filigranas técnicas, sem qualquer impacto sobre o cotidiano das pessoas que já sofrem com a mudança do clima. Belém é a prova inconteste de como as cidades em desenvolvimento sofrem com ela.
Os cientistas ainda criticaram o palavreado que vinha sendo testado pelos negociadores para tratar do afastamento dos combustíveis fósseis, tema quente do momento, em um dos documentos finais da COP30. Disseram que o caminho não é um workshop, nem uma reunião de ministros, como se viu em um dos parágrafos. “É um plano de trabalho real, que mostra o caminho de onde estamos aonde precisamos chegar”, reiteraram.
Como tudo requer consenso, todos têm de ser agradados, o que, diante de tema tão controverso e cheio de resistências, acaba por apagar das linhas dos textos a ousadia das propostas. Durante a conferência, os cientistas ainda apresentaram um diagnóstico que mostra que sete das nove fronteiras planetárias já foram ultrapassadas e transforma esse panorama em recomendações práticas para orientar decisões políticas na COP30.
Outra jabuticaba brasileira, a AgriZone montada pela Embrapa, era uma atividade paralela nova para um COP. Ali, a entidade apressava soluções de baixo carbono para o agro e suas plantações de larga escala, ou os sisteminhas, voltados para garantir a segurança alimentar, com planos para a subsistência de famílias de até cinco pessoas em terrenos de 400 metros quadros. A produção de peixes irriga a lavoura que alimenta dos donos da casa e as galinhas que põem ovos e oferecem a proteína à família e o insumo para a compostagem, que também nutre a produção de grãos e legumes. A Turquia, que deve sediar a próxima COP, quer copiar a ideia do AgriZone no ano que vem.