Regulamentar o lobby é democratizar o poder

A regulamentação do lobby representa um dos maiores desafios contemporâneos para a consolidação de democracias mais transparentes, participativas e responsáveis. Embora a defesa de interesses junto ao poder público seja uma prática legítima e inerente à política moderna, ainda pesa sobre ela um estigma persistente.

No imaginário brasileiro, a palavra “lobby” continua associada a tráfico de influência, corrupção e práticas ilícitas , uma percepção que reflete mais a ausência de regras claras do que a natureza da atividade em si.

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Esse paradoxo expõe o núcleo do debate: o lobby, quando exercido de forma ética, técnica e transparente, não ameaça a democracia; ao contrário, é um de seus pilares. A defesa organizada de interesses é uma das expressões mais concretas da representatividade plural e remonta aos tempos bíblicos, quando líderes e comunidades já buscavam influenciar decisões em nome de suas causas. Não há formulação de políticas públicas legítimas sem a escuta de quem será diretamente impactado por elas.

Essa interlocução, contudo, precisa deixar de ser um gesto informal e passar a integrar o espaço público institucionalizado, sustentado por critérios, publicidade e responsabilização. Isso reforça um ponto-chave que a democracia contemporânea não pode ignorar: a influência é inevitável, o que diferencia a boa da má influência é a luz sob a qual ela ocorre.

O Brasil já deu passos tímidos nessa direção. A profissão de Relações Institucionais e Governamentais (RIG) foi incluída na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), um reconhecimento formal de que a atividade existe, tem valor técnico e exige profissionalismo. Ainda assim, a ausência de regulamentação legal específica mantém o setor em uma zona cinzenta, marcada por insegurança jurídica e interpretações equivocadas. Sem parâmetros, o diálogo entre Estado e sociedade corre o risco de se confundir com tráfico de influência ou de permanecer restrito a quem tem poder econômico suficiente para sustentar estruturas de lobby informal.

Nesse contexto, entidades como a Abrig (Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais) e o Irelgov (Instituto de Relações Governamentais) têm desempenhado um papel fundamental na desmistificação da atividade. Ambas atuam na capacitação de profissionais, na produção de conhecimento técnico e na promoção de boas práticas de integridade e transparência. Seus esforços buscam justamente afastar a ideia de que o lobby é sinônimo de favorecimento ilícito, reafirmando seu caráter legítimo como ferramenta de diálogo entre o setor público e a sociedade civil organizada.

O desafio, portanto, é romper o ciclo de desinformação e construir um marco legal que dê legitimidade e previsibilidade à atividade, sem transformá-la em um labirinto burocrático. Regulamentar o lobby é, antes de tudo, um ato de maturidade institucional.

Em vez de ser visto como privilégio de elites ou instrumento de manipulação, o lobby precisa ser entendido como parte da engrenagem democrática: um canal de mediação entre os múltiplos interesses que coexistem em uma sociedade complexa.

A experiência internacional é clara ao demonstrar que transparência e simplicidade podem caminhar juntas. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomenda que a regulamentação das interações entre agentes públicos e representantes de interesse se baseie em princípios de clareza normativa e simplicidade procedimental.

Países como Canadá, Irlanda e Chile adotaram modelos que combinam registro público de lobistas, divulgação de agendas e relatórios de atividades, garantindo acesso à informação sem criar barreiras desproporcionais à participação. O que essas experiências ensinam é que o controle público sobre o lobby não deve restringir o debate, mas permitir que ele ocorra sob a luz da transparência.

No Brasil, a ausência de regras claras perpetua práticas informais, dificulta a fiscalização e impede que o lobby seja reconhecido como instrumento legítimo da representação política. A consequência é dupla: de um lado, a falta de transparência alimenta a desconfiança social; de outro, a informalidade protege os privilegiados que operam nos bastidores.

Regulamentar o lobby, portanto, não significa criar um aparato de controle sufocante, mas estabelecer condições para que a influência política ocorra de forma aberta, previsível e acessível. A simplicidade deve ser a bússola dessa regulação. Quanto mais claras e compreensíveis forem as regras, maior será a adesão e o cumprimento voluntário. Um modelo excessivamente burocratizado produziria o efeito inverso: concentraria a representação nas mãos das grandes corporações, afastando pequenas entidades, associações civis e grupos de cidadãos.

As ferramentas digitais podem desempenhar papel central nesse processo. O sistema e-Agendas, que divulga os compromissos públicos de agentes do Poder Executivo federal, é um passo importante para aumentar a transparência. Além disso, o uso de plataformas eletrônicas para o registro de interações e a publicação de relatórios simplificados amplia a rastreabilidade das ações e reduz custos de compliance. Essas soluções democratizam o acesso à informação e permitem que a sociedade acompanhe, em tempo real, quem participa da formulação de políticas e quais interesses estão sendo representados.

A construção de uma cultura de integridade deve caminhar junto à regulação. Ética e compliance precisam ser incorporados tanto à atuação dos lobistas quanto ao comportamento dos agentes públicos. O objetivo não é apenas normatizar condutas, mas consolidar uma nova mentalidade: a de que dialogar com o poder é um direito, e prestar contas sobre esse diálogo é um dever.

Como lembra o cientista político Joseph Nye, o poder nas democracias contemporâneas não se limita à coerção (hard power); manifesta-se também na capacidade de influenciar e persuadir (soft power). O lobby, quando exercido dentro de parâmetros éticos e transparentes, é uma forma legítima desse poder de influência. Ele não substitui a política, ele a aprimora.

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Ao reconhecer a inevitabilidade da influência, o Brasil precisa abandonar o estigma e abraçar a transparência como valor republicano. Regulamentar o lobby é institucionalizar o diálogo, não criminalizá-lo. É reconhecer que a representação de interesses é parte essencial da vida democrática e que o controle social sobre ela é o que diferencia uma república madura de um Estado capturado.

Portanto, o país não precisa de mais barreiras, precisa de mais luz. Trazer o lobby para o centro do debate é um passo essencial para reconstruir a confiança pública, ampliar a participação e consolidar a democracia como espaço de diálogo, e não de suspeita. Afinal, influenciar políticas públicas não é um privilégio: é um direito democrático, e a transparência é o melhor antídoto contra o abuso.

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