O papel do registro de escavadeiras e o enfrentamento da mineração ilegal

Com a realização da COP30 no Brasil, seguimos bombardeados por notícias que expõem a face mais devastadora da mineração ilegal: a destruição acelerada da floresta, a contaminação de rios e populações inteiras e o avanço de redes criminosas que se fortalecem à sombra da impunidade.

Esses fenômenos já não podem ser vistos como episódios isolados, mas como parte de um sistema que corrói a governança pública e compromete o futuro da região.

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Reportagens recentes, como a do Financial Times sobre o avanço do garimpo no Tapajós, mostram que a mineração ilegal não é apenas um problema ambiental: ela impõe violência, exploração e ruptura do tecido social em comunidades indígenas.

O relatório Mercúrio na Amazônia (ABIN, FBSP e MMA, 2025) reforça esse diagnóstico ao demonstrar que a atividade está ligada a circuitos ilícitos organizados, que fragilizam a atuação do Estado, ampliam a circulação de mercúrio e violam direitos fundamentais.

À medida que temas como clima, biodiversidade e justiça socioambiental ganham centralidade em agendas internacionais, incluindo debates de alto nível em espaços como a COP30, em Belém, o controle efetivo dessa atividade torna-se um imperativo. Se quisermos preservar a floresta, proteger os que nela vivem e frear o crime organizado, é preciso ir além. Mas como fazê-lo de forma realmente efetiva?

Nos últimos  anos, medidas do governo federal e do Supremo Tribunal Federal como o fim da chamada “boa-fé” na comercialização do ouro e a implementação da nota fiscal eletrônica reduziram o volume de metal ilegal no mercado formal. Ainda assim, o avanço da destruição mostra que essas iniciativas, embora importantes, não são suficientes.

Com o preço do ouro atingindo recordes históricos em 2025, acima de US$ 4.000 por onça, o lucro crescente tem alimentado novas rotas de extração, lavagem e exportação. O controle sobre o comércio melhorou, mas o garimpo ilegal segue ativo, impulsionado por redes criminosas que se adaptam com rapidez superior à capacidade de reação do Estado.

Um ponto crítico e até agora negligenciado é o uso de grandes máquinas e equipamentos — como escavadeiras hidráulicas — em operações ilegais, especialmente em Terras Indígenas. Esses maquinários são peças-chave da engrenagem da destruição, mas circulam e operam praticamente sem qualquer tipo de rastreamento ou regulação.

Para suprir essa lacuna, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) discute a criação de um cadastro nacional específico para escavadeiras hidráulicas, semelhante ao Renavam dos veículos automotores. A medida permitiria rastrear cada máquina, vinculando-a a proprietários e empresas responsáveis. Trata-se de uma proposta simples, viável e capaz de fortalecer a fiscalização e a responsabilização ambiental.

O Renavam é um modelo consolidado de controle público. Ele centraliza informações sobre veículos automotores, permitindo acompanhar sua trajetória, combater furtos e apoiar investigações patrimoniais e financeiras. Estender esse nível de transparência às máquinas de linha amarela preencheria uma importante lacuna da política ambiental brasileira — sobretudo na Amazônia Legal, onde milhares de escavadeiras são empregadas em garimpos e desmatamentos ilegais, inclusive dentro de áreas protegidas.

A mineração artesanal e de pequena escala, antes marcada pelo trabalho manual, tornou-se uma atividade altamente mecanizada e capitalizada. Nos últimos dez anos, mais de 1.600 máquinas pesadas foram destinadas à Amazônia por meio de emendas parlamentares, somando R$ 900 milhões — recursos públicos que, em muitos casos, terminaram reforçando a destruição ambiental.

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Outros países amazônicos já avançaram nesse tipo de controle. O Peru adotou um registro nacional de máquinas pesadas em 2012; a Colômbia, em 2014; e Equador e Bolívia desenvolveram sistemas próprios. Essas experiências demonstram que rastrear o maquinário é uma ferramenta capaz de reduzir o uso ilegal e reforçar a governança ambiental.

No contexto da COP30, a urgência de enfrentar a mineração ilegal torna-se parte central da agenda climática. Frear essa atividade é essencial para proteger a Amazônia e garantir a credibilidade das metas ambientais do país. A criação de um cadastro nacional de escavadeiras hidráulicas seria um passo concreto nessa direção — uma medida prática e necessária para responsabilização daqueles que destroem a floresta.

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