Pleno do TST admite dissídio coletivo sem comum acordo, se houver recusa em negociar

O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, por maioria, que é possível instaurar dissídio coletivo de natureza econômica, mesmo sem comum acordo entre os sindicatos patronal e dos trabalhadores, nos casos em que a entidade patronal se recusa arbitrariamente a participar da negociação coletiva.

Os dissídios de natureza econômica são processos judiciais nos quais a Justiça do Trabalho decide sobre questões como reajuste salarial e benefícios quando as partes envolvidas não conseguem checar a um consenso extrajudicialmente.

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A possibilidade de instaurar este tipo de processo sem comum acordo foi firmada, pelos ministros, por meio de um distiguishing (distinção) ao Tema 841 do Supremo Tribunal Federal (STF), que diz que “é constitucional a exigência de comum acordo entre as partes para ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica”, conforme a redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004.

A controvérsia debatida reside no fato de a Subseção de Dissídios Coletivos (SDC) do TST ter julgado número considerável de casos nos quais se constatou que a entidade representativa da classe empresarial se omitiu na hora de buscar uma solução pacífica para disputas trabalhistas. Nesses casos, o dissídio coletivo surge como uma possibilidade de resolução para os sindicatos de trabalhadores.

Contudo, o parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição Federal (CF), incluído pela emenda 45/2004, determina que, “recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica”. A exigência constitucional de comum acordo para instauração do dissídio foi validada pelo STF, o que passou a gerar grande debate na SDC.

Por isso, dois casos representativos do tema (T-ROT-20896-67.2019.5.04.0000 e TST-ROT-20893-15.2019.5.04.000) foram encaminhados ao Pleno, a fim de que se decidisse, em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, se a exigência de comum acordo poderia ser suprimida nos casos em que há recusa arbitrária da entidade empresarial a buscar uma solução.

A maioria seguiu o entendimento do relator, Maurício Godinho, que acolheu sugestões do ministro Evandro Valadão para a redação da tese. A ministra Katia Magalhães Arruda também trouxe considerações no mesmo sentido enquanto revisora do processo.

Segundo Godinho, há situações em que a parte coletiva “não atua em favor da negociação coletiva trabalhista, ao contrário, desmerece a negociação coletiva trabalhista pela sua conduta omissiva ou não atua em busca da solução pacifica do conflito”. Quando isso acontece, muitas vezes, a entidade empresarial “sequer responde às intimações para comparecer à negociação coletiva trabalhista para conversar com o sindicato de trabalhadores”, afirmou Godinho.

Ele disse que, embora as situações do tipo não ultrapassem 20% dos processos em que o tema emerge, o fato de a ausência de boa fé nas negociações ser excepcional não pode ser um argumento que invalida o direito de quem é minoria. “O distinguishing é exatamente isso, situações que se diferenciam da tese geral”, falou.

Ainda nesse sentido, o presidente do TST, ministro Vieira de Mello Filho, que acompanhou Godinho, disse que, atualmente, várias categorias estão sem convenção coletiva por conta da recusa em negociar. “Estamos falando do mundo real, o direito tem que atender à realidade”, afirmou.

O ministro Ives Gandra divergiu. Para ele, o objetivo da Emenda Constitucional 45 foi “privilegiar a autocomposição e diminuir o poder normativo da justiça do trabalho”, de modo que a intervenção da Justiça do Trabalho sem comum acordo seria indevida. “Como pode o judiciário intervir se as partes não querem negociar?”, questionou. Ele argumentou que, por 20 anos, a jurisprudência do TST foi pacifica no sentido de que, não havendo comum acordo, não há exercício do poder normativo. Gandra criticou a ideia de se firmar uma tese segundo a qual a recusa em negociar geraria um acordo comum tácito para abertura de dissídio coletivo.

Gandra foi acompanhado por Maria Cristina Peduzzi, Caputo Bastos, Douglas Alencar Rodrigues, Breno Medeiros, Alexandre Ramos, Amaury Rodrigues Pinto Junior, Morgana de Almeida Richa e Sérgio Pinto Martins. Contudo, essa corrente foi vencida, uma vez que os demais corroboraram com o entendimento do relator.

A tese vencedora, exposta pelo relator e com sugestão de redação pelo ministro Valadão, foi a seguinte: “A recusa arbitrária da entidade sindical patronal ou de qualquer integrante da categoria econômica em participar de processo de negociação coletiva, evidenciada pela ausência reiterada às reuniões convocadas e ou pelo abandono imotivado das tratativas, viola a boa fé objetiva e as convenções Nº 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tendo a mesma consequência do comum acordo para instauração do dissídio coletivo de natureza econômica. (Distinguishing ao Tema 841 do STF)”.

De acordo com o advogado que assessora trabalhadores, José Eymard Loguercio, do LBS Advogados, a parte mais importante da tese é exigir, em especial quando não se tem ultratividade (na qual não consegue sequer manter cláusulas pre-existentes), que a categoria econômica negocie de boa fé. “Até esse IRDR a única abertura para dissídio coletivo, sem comum acordo, era a greve”, diz. Para ele, “não é razoável se exigir que a categoria profissional faça greve quando a categoria econômica ou a empresa não estão de boa fé na negociação”. Agora, acrescenta, abre-se para a comprovação da “ausência reiterada às reuniões convocadas ou o abandono imotivado das tratativas” pela categoria econômica.

Segundo o  advogado Jurandir Zangari, do Zangari Advogados, a interpretação do Pleno do TST é razoável “pois, após  a alteração e posterior declaração de inconstitucionalidade da Súmula 277 do TST  [que tratava da ultratividade], alguns sindicatos patronais simplesmente deixavam de negociar, sabendo que eventual dissídio coletivo ajuizado pelo sindicato profissional seria extinto sem resolução do mérito, por falta de comum acordo”.

Isso deixava e, ainda deixa, de acordo com o advogado, algumas categorias sem direitos previstos em norma coletiva, por exemplo, reajuste salarial. “De todo modo, o entendimento reaviva a discussão sobre o poder normativo da Justiça do Trabalho e, em tese, pode ser questionado diante do Tema 841, do STF, que reconheceu a constitucionalidade da exigência do comum acordo para o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica”, afirma.

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