O Brasil sai da COP30 com planos ambiciosos para liderar a transição energética. Aprovamos propostas de mercado de carbono, combustível do futuro e outras ideias ousadas, demonstrando nossa capacidade de ditar rumos e iniciativas. No entanto, como liderar as mudanças em um setor no qual não somos soberanos? Essa é a provocação que nos desafia a repensar nossa estratégia e buscar alternativas para alcançar a verdadeira soberania energética.
Os leitores certamente se lembram da descoberta do pré-sal, que nos tornou autossuficientes na produção de petróleo. No entanto, precisamos importar o equivalente a 650 mil barris de petróleo diariamente. Esses bens são adquiridos a preços mais altos, pois incluem impostos e frete, resultando em custos finais mais elevados para todos os brasileiros.
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A sanção integral da MP 1304, principalmente no trecho que estabelece que o preço de referência do petróleo (PRP) vendido no Brasil seguirá prioritariamente as cotações internacionais, pode sanar significativamente esse desequilíbrio.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) define mensalmente o PRP, que deve apurar o valor de mercado do petróleo brasileiro. Sobre esse valor incidem os royalties e as participações especiais. No entanto, estudos independentes apresentados pela Refina Brasil revelam que o PRP é sistematicamente fixado abaixo do valor de mercado do petróleo. Essa diferença significa perdas superiores a R$ 100 bilhões para União, estados e municípios ao longo da última década.
Na prática, isso significa que a fórmula adotada pela ANP está errada e que a União e os entes federados têm menos recursos para investir em saúde, educação e segurança pública.
O artigo 15 da MP 1304 densificou o significado de “preço de mercado”. A partir de então, ele seria determinado pela média das cotações divulgadas por agências internacionais reconhecidas, como Argus e S&P Platts, que publicam o valor de mercado para os petróleos brasileiros. Caso essas publicações não existam para um determinado tipo de petróleo ou campo, o governo aplicaria os critérios da OCDE já previstos na legislação tributária. Em última instância, uma fórmula definida por decreto presidencial seria utilizada.
Apesar de uma correção recente, essa medida foi insuficiente para eliminar a diferença de 5% entre o preço de mercado e o de referência, o que também afeta o cálculo do preço de transferência. A fórmula de cálculo adotada pela ANP, portanto, continua incorreta.
Além de gerar perda de arrecadação para o Brasil, a medida também cria um incentivo perverso à exportação de petróleo. Ele é exportado a PRP e revendido no exterior a valor de mercado, mantendo os lucros em outras jurisdições. Em outras palavras, exportar petróleo se torna mais vantajoso do que vendê-lo internamente. Como consequência, as refinarias brasileiras precisam importar petróleo — em um país autossuficiente — para refinar combustíveis.
A correção do cálculo do preço de referência tem implicações significativas. Para as petroleiras, isso significa um aumento de 4% em seus pagamentos de royalties e participações especiais, com impacto inferior a 1% em suas margens de lucro. Para o Brasil, isso se traduz na arrecadação adicional de R$ 11 bilhões por ano e na autossuficiência do refino de combustíveis.
A implementação da nova metodologia do PRP traria uma transformação estrutural significativa para o setor de refino, pois resultaria em maior oferta de petróleo, menor dependência de importações, expansão da capacidade de refino e geração de emprego e renda. Para o Brasil, também significa maior resiliência a cenários geopolíticos cada vez mais desafiadores.
A Ompetro, entidade que representa os municípios produtores de petróleo, estima que apenas em 2024, a distorção resultou em uma perda de R$ 1,6 bilhão para as cidades da região da Bacia de Campos. Em carta enviada ao Planalto, a entidade classificou a sanção como uma “medida de responsabilidade fiscal e soberania energética”, argumentando que o Brasil não pode continuar transferindo riqueza nacional para acionistas estrangeiros enquanto os municípios produtores enfrentam queda de arrecadação e aumento de custos sociais.
Em dez anos, teremos remetido cerca de R$ 50 bilhões em dividendos para os acionistas estrangeiros, em detrimento da população brasileira.
A sanção sem vetos também foi apoiada em uma carta assinada pelo presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. A Refina Brasil, associação que reúne as refinarias independentes, declarou, em nota pública, que a correção do PRP é essencial para encerrar “uma lógica extrativista primária” que impede a expansão da capacidade de refino no país.
Em parecer jurídico enviado a diversos ministérios, o escritório Barral, Parente e Pinheiro Advogados argumenta que a situação atual não é apenas economicamente problemática, mas também juridicamente insustentável.
A Lei do Petróleo, em vigor desde 1997, estabelece que os royalties devem ser calculados com base em “preços de mercado”. Como o PRP não adere a esse critério, os atos podem ser considerados “eivados de vício” e suscetíveis a questionamentos judiciais, inclusive com a possibilidade de ações retroativas por perdas federativas.
O Brasil tem todas as condições para alcançar a soberania em qualquer setor, especialmente no energético. No entanto, essa estratégia exige mais do que apenas discursos inspiradores. Corrigir equívocos históricos é fundamental para essa transformação.