O PPA (Plano Plurianual), a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e a PLOA (Proposta de Lei Orçamentária Anual) são os três instrumentos que organizam o planejamento e a execução do orçamento público brasileiro.
Eles asseguram a integração e consistência entre as metas de planejamento de médio prazo e a aplicação anual dos recursos.
O PPA define as metas e prioridades do governo para um período de quatro anos, como um plano estratégico de longo prazo. A LDO traduz essas metas para o curto prazo, indicando o que será prioridade no ano seguinte e como o orçamento deve ser elaborado. Já a PLOA é o orçamento em si, que detalha quanto o governo pretende arrecadar e como e onde pretende gastar, seja por ministério, programa, função ou ação.
Na PLOA, uma rubrica fundamental de análise refere-se à alocação das despesas primárias da União. Essas despesas abrangem todos os gastos do governo federal, exceto o pagamento de juros da dívida. Incluem tanto as despesas obrigatórias (previdência, pessoal, benefícios assistenciais) quanto as despesas discricionárias, aquelas responsáveis pelo financiamento de políticas públicas, programas e investimentos, elementos essenciais para o crescimento econômico de um país.
De acordo com a Nota Técnica Conjunta 5/2025, elaborada pelas Consultorias de Orçamento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a PLOA de 2026 mantém o forte padrão de compressão das despesas discricionárias. Para o próximo ano, tais despesas corresponderão a apenas 7,6% das despesas primárias da União, frente a 92,4% de despesas obrigatórias. O cenário evidencia a elevada redução do espaço fiscal efetivamente manejável pelo governo e a crescente rigidez orçamentária.
A compressão é particularmente visível nos investimentos públicos diretos da União, que caem para R$ 55,3 bilhões, como bem ilustrado na proposta. Uma redução de 26,4%em relação à 2025 segundo os dados da própria Nota Técnica.
Outro sinal de alerta da PLOA 2026 é a elevação das emendas parlamentares, que totalizam R$ 40,8 bilhões (individuais R$ 26,6 bilhões e de bancada R$ 14,2 bilhões), valor superior ao registrado em 2025 (R$ 39 bilhões). No caso das emendas individuais, cada deputado e senador deve dispor de algo em torno de R$ 40,2 milhões e R$ 74,0 milhões, respectivamente.
Considerando também as emendas de comissão, o total de emendas parlamentares alcança R$ 52,9 bilhões, praticamente igualando-se ao total alocado para os investimentos públicos federais diretos.
O quadro evidencia a expansão progressiva e fragmentada das emendas parlamentares, frequentemente voltadas a demandas locais ou setoriais, sem critérios claros de priorização ou mecanismos de avaliação de resultados. Essa pulverização de recursos, sobretudo diante da compressão dos investimentos públicos sob execução direta do governo federal, compromete a coerência do orçamento e enfraquece o seu papel como instrumento estratégico, em desacordo com as melhores práticas de governança orçamentária.
Nos países da OCDE, o orçamento público é tratado como instrumento central de estratégia governamental, funcionando como elo entre as metas de médio prazo e as políticas anuais de arrecadação e gasto.
A Recomendação da OCDE sobre Governança Orçamentária (OECD/LEGAL/0410), à qual o Brasil aderiu em 2020, consolida as boas práticas internacionais para tornar os processos orçamentários mais previsíveis, transparentes e orientados a resultados. O documento reconhece que reformas orçamentárias são fundamentais para fortalecer as instituições e assegurar que os recursos públicos sejam aplicados de forma eficiente, transparente e orientada à geração de valor público.
A Recomendação estabelece dez princípios de boa governança orçamentária, que abrangem todo o ciclo do orçamentário de planejamento, execução e auditoria. Esses princípios incluem: i) gestão dentro de limites fiscais claros e previsíveis; ii) alinhamento do orçamento às prioridades/planejamento de médio prazo; iii) priorização do investimento público de forma coerente com as estratégias de desenvolvimento; iv) transparência e acessibilidade dos documentos e dados orçamentários; v) debate participativo e realista sobre as escolhas fiscais; vi) prestação de contas das finanças públicas; vii) planejamento e monitoramento ativo da execução orçamentária; viii) incorporação da avaliação de desempenho e do valor público ao processo orçamentário; ix) gestão prudente dos riscos fiscais e da sustentabilidade de longo prazo; e x) auditoria e controle independentes, assegurando a integridade e a qualidade das previsões, planos e execuções orçamentárias
A OCDE reforça essa agenda em seu Budget Transparency Toolkit: Practical Steps for Supporting Openness, Integrity and Accountability in Public Financial Management, ao afirmar que a transparência efetiva exige clareza, integridade e responsabilização (accountability). O guia sistematiza as principais diretrizes internacionais de transparência orçamentária, estruturadas em cinco esferas institucionais: Executivo, Parlamento, órgãos de controle, participação cidadã e setor privado. Ele propõe que governos e instituições adotem processos orçamentários abertos, íntegros e verificáveis, com mecanismos de engajamento e acesso à informação em todas as etapas do ciclo orçamentário.
No documento, a OCDE enfatiza que a transparência deve se apoiar em mecanismos concretos como: i) disponibilização de orçamentos claros e compreensíveis aos cidadãos (“citizen’s budgets”), com linguagem acessível e informações sobre objetivos e resultados das políticas; ii) divulgação de dados em formato aberto e interoperável, integrando os princípios do Open Government Data; e iii) auditoria e controle independentes, pautados por integridade, valor público e equidade social, com engajamento dos órgãos de controle e da sociedade civil.
Nesse contexto, destaca-se a decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que o Congresso Nacional e o Poder Executivo apresentem dados detalhados sobre a destinação e execução das emendas parlamentares, incluindo autores, beneficiários, valores e resultados alcançados. A medida, alinhada ao Plano de Transparência firmado em 2024, amplia o controle social e institucional sobre o gasto público e já valerá para o Orçamento de 2026, condicionando a execução dos recursos à verificação prévia, pelos tribunais de contas, do cumprimento dos requisitos de rastreabilidade.
A determinação alcança também estados e municípios, que deverão adotar medidas concretas para garantir maior transparência e rastreabilidade na execução de emendas indicadas por deputados estaduais e vereadores, com modelos de fiscalização onde a execução dos valores é condicionado após a adaptação dos sistemas.
De forma complementar, o TCU via Acordão 70/2025 autorizou a realização de auditoria operacional para avaliar a transparência, a rastreabilidade e a governança na aplicação dos recursos federais provenientes de emendas parlamentares.
As medidas acima, ao exigir prestação de contas clara sobre autoria, destinação e resultados, avançam na transparência, rastreabilidade e efetividade das emendas parlamentares. Vincular esses recursos à programas estruturantes, com metas e indicadores de desempenho, como recomendado pelas melhores práticas internacionais, é passo essencial para que o orçamento cumpra seu papel de política pública e para o fortalecimento da governança orçamentária no Brasil.
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