Ações afirmativas e o futuro da Administração Pública brasileira

A Lei de Cotas nos concursos públicos federais tem promovido uma transformação profunda e duradoura na composição dos quadros funcionais da Administração Pública brasileira. Até 2014, apenas algumas dezenas de entes subnacionais haviam implementado ações afirmativas raciais em seus concursos.

Foi a partir do fomento dado pela promulgação da lei federal que diversos estados e municípios passaram a aprovar legislações semelhantes, instituindo a reserva de vagas, ampliando o acesso de pessoas negras aos cargos efetivos do serviço público. Melhores oportunidades no mercado de trabalho é uma demanda histórica da luta antirracista no Brasil, que encontrou nessa legislação parte das respostas que buscava.

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No plano federal, os primeiros dez anos de vigência da lei resultaram em avanços concretos, mesmo diante de limitações relevantes. O número reduzido de concursos entre 2014 e 2023, somado às dificuldades na aplicação da política — especialmente quanto ao fracionamento de vagas na carreira do magistério superior — restringiu parte do seu alcance.

Ainda assim, os efeitos foram expressivos. A carreira diplomática, por exemplo, passou a contar, de forma consistente, com a aprovação de pessoas negras a partir da articulação entre a Lei de Cotas e o Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, um avanço importante para uma das carreiras mais elitizadas do país.

A renovação da lei, ocorrida em 2025, marca um novo e promissor capítulo. O texto atualizado ampliou os grupos beneficiários, incluindo indígenas e quilombolas; coletivos que historicamente compartilham a luta por direitos. Também elevou o percentual de reserva de vagas para 30% e incorporou dispositivos para prevenir o fracionamento, fortalecendo a segurança jurídica da política.

Outro aspecto central do novo momento é sua articulação com os Concursos Públicos Nacionais Unificados. Em 2024, mais de 6.000 vagas foram ofertadas com reserva de 20%, representando o maior ingresso de pessoas negras em um único certame na história da Administração Pública federal. Em 2025, com a renovação da lei, são 30% de vagas reservadas de um total que ultrapassa 3.000 oportunidades, distribuídas entre distintas carreiras e localidades do país.

A edição de 2025 ainda traz outra inovação relevante: a adoção de uma ação afirmativa voltada ao equilíbrio de gênero, que busca equiparar a presença de mulheres nas etapas subsequentes do concurso, especialmente em carreiras historicamente masculinas. Essa medida amplia as chances de aprovação de mulheres e reconhece que a equidade de gênero também deve ser um princípio estruturante no acesso ao serviço público.

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A combinação entre cotas raciais, inclusão de novos grupos étnicos e a preocupação com a igualdade de gênero tem o potencial de promover mudanças institucionais estruturais em uma escala inédita. A presença de diferentes sujeitos nos espaços de decisão é condição fundamental para que o Estado seja verdadeiramente representativo, capaz de escutar a sociedade em sua pluralidade e formular respostas efetivas às suas demandas.

As ações afirmativas no serviço público, portanto, para além de uma medida de justiça, são um imperativo democrático. Garantir que o Estado atue de forma mais justa, eficiente e inovadora na formulação e implementação de políticas públicas passa, necessariamente, por assegurar a presença e a voz dos grupos historicamente excluídos nos processos de tomada decisão.

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