Bolsonarismo ‘vende’ Bukele para voltar ao poder e implantar reformas à moda Milei

A ofensiva da direita brasileira — em particular de sua versão mais extrema — no campo da segurança pública sugere uma mudança tática para tentar derrotar Lula em 2026. Como no campo da economia o governo petista tem entregado resultados modestos, porém significativos, para a grande massa de eleitores que ocupam a base da pirâmide social brasileira — não obstante o horizonte de deterioração fiscal apontado pelo mercado —, coube aos governadores alinhados ao bolsonarismo enfatizar o tema da segurança para o debate sucessório de 2026.

Necessário reconhecer que a insegurança que brasileiros de todas as classes enfrentam, em especial moradores de favelas dominadas pelo crime organizado, foi negligenciada por sucessivos governos federais — de direita ou de esquerda — desde a redemocratização.

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A situação chegou a tal ponto que viramos reféns do populismo de direita que busca combater o crime com derramamento de sangue sob o apoio ostensivo da opinião pública, sem que, porém, se atinja aquele que deveria ser o objetivo-mor da guerra contra facções: retomar para o controle do Estado democrático de Direito os territórios hoje sob o domínio de foras-da-lei dos mais diversos matizes, desde traficantes até milicianos.

A direita que finge combater o crime vende ao eleitorado um discurso linha dura claramente inspirado em Nayib Bukele – político de extrema direita que desde 2019 é presidente de El Salvador e investiu em autoritarismo e encarceramento em massa para combater narcotraficantes – e vai entregar na economia reformas à moda de Javier Milei, o presidente argentino que lidera os hermanos com cortes robustos em gastos públicos.

Se é consenso que a Argentina precisava passar por algum choque econômico para debelar a inflação sem controle, Milei parece ter nenhum pudor em infligir aos mais pobres as dores do ajuste, no melhor estilo neoliberalismo dos anos 1980 e 1990.

Ainda que as condições macroeconômicas brasileiras sejam muito mais favoráveis que as argentinas, a Faria Lima entraria em êxtase se tivéssemos um governo disposto a apertar ainda mais a vida do trabalhador, como Milei propõe na Argentina, com a defesa de jornadas de até 12 horas por dia, na contramão da busca por um melhor equilíbrio entre trabalho e o direito ao lazer e cuidar da família, o que demanda mais e não menos direitos trabalhistas.

Na promoção “compre Bukele, ganhe Milei” da direita brasileira, pouco importa se o secretário de Segurança de São Paulo e deputado federal Guilherme Derrite (PP) cometeu uma série de equívocos ao relatar o projeto de lei antifacção proposto pelo governo Lula.

Ele conta com o apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Mota (Republicanos-PB), que lhe entregou de mão beijada a relatoria do projeto de modo a fomentar a candidatura ao Planalto do governador Tarcísio de Freitas, que integra o mesmo partido e recentemente disse que o Brasil precisa trocar de CEO, como se administrar uma das 10 maiores economias do mundo e uma sociedade complexa fosse uma questão técnica, aprendida em manuais que formam gerentões.

As (supostas) trapalhadas de Derrite que vêm sendo apontadas por especialistas em segurança pública e membros do Ministério Público e da Polícia Federal não devem reduzir os efeitos eleitorais benéficos à direita dessa agenda a la Bukele. Isso porque pesquisas de opinião pública mostram que até 2/3 da população aprovaram a operação policial empreendida pelo governador fluminense Cláudio Castro (PL) contra o Comando Vermelho que se tornou a mais letal da história do país.

Não se defendem aqui bandidos, senão o preceito constitucional de que todos devem ser devidamente julgados dentro dos parâmetros legais que não preveem pena de morte em tempos de paz. Dito isso, também é necessário ponderar que não há como medir o sucesso de uma operação policial pelo número de mortes que ela causa, mas, conforme sugeri acima, pela retomada de territórios dominados pelas facções odiosas que oprimem a população civil e já penetram o tecido socioeconômico do país. Não consta que o Comando Vermelho tenha perdido domínio sobre nenhuma área do Rio de Janeiro.

A direita parece ter ímpetos revolucionários contra o sistema, como já foi relatado por outros colegas neste espaço. No entanto, também como já discutido aqui, escamoteia-se no campo dito conservador a manutenção da lógica neoliberal de exploração dos mais pobres.

Se a solução da direita para acabar com a criminalidade é fazer um banho de sangue, é honestamente preferível deixar as coisas como estão, pois ao menos há, por parte das forças de segurança, a obrigação de respeito à ordem constitucional.

Porém, se no fim das contas o que prevalece é a opinião pública, percebemos no último mês no Brasil a oferta de uma carta branca para quaisquer governos empreenderem uma política de matança para dar uma aparência de pacificação. Enquanto se varre para debaixo do tapete a questão da segurança pública no país, nada mais adequado para uma era em que, acima de tudo, o que importa não é o fato, mas a versão — ou, para usar a palavra preferida de setores da direita, o que prevalece é a narrativa.

Neste caso, a narrativa que prevalece é que Castro e outros governadores de direita são duros contra o crime, mas, no fundo, são covardes, pois não resolvem estruturalmente o problema. Criticam tanto a esquerda por supostamente querer manter a pobreza e, assim, fazer das políticas sociais um cabresto no voto, mas empregam a mesma tática na segurança pública.

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Certa vez escrevi neste espaço que o projeto da extrema direita brasileira é voltar à República Velha. Seu último presidente, Washington Luís, teria dito que a questão social no Brasil é caso de polícia. Mais uma vez vemos esse discurso emergir porque, quando se discute a eliminação de bandidos, ignora-se as condições estruturais que levam a que fazem com que inúmeros jovens sejam recrutados pelo crime.

Pensemos não apenas na oferta, mas também na demanda: em português claro, cabe perguntar quando é que a classe média vai controlar o seu nariz e parar de cheirar cocaína, para não citar outras substâncias ilícitas? Não adianta essa parcela da população arrotar conservadorismo enquanto nas alcovas, longe da luz do debate público, vícios privados estruturam tragédias públicas.

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