Nos últimos dias, parte do mundo político e do mercado financeiro prendeu a respiração mais uma vez com a perspectiva de uma iminente unção do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos) para a Presidência da República em 2026.
Já não cabem nos dedos de uma das mãos as vezes em que isso aconteceu ao longo deste ano. A cada evento político ou econômico que abale a popularidade do presidente Lula, surge um clima de “agora vai” entre os que acreditam que o governador de São Paulo é a única alternativa viável para retirar o petista do Palácio do Planalto a partir de 2027.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
O “agora vai” da vez foi gerado pela fala infeliz do presidente (“Traficantes também são vítimas dos usuários”), seguida da operação policial no Rio de Janeiro e da nomeação de Guilherme Derrite (PP-SP), secretário licenciado de Segurança Pública de Tarcísio, para relatar o projeto antifacções enviado pelo Planalto ao Congresso. Some-se a isso o pedido feito por Bolsonaro a Alexandre de Moraes para que Tarcísio o visite “o mais breve possível” em sua prisão domiciliar, em Brasília.
Mais uma vez, no entanto, as expectativas foram frustradas. O governador tinha, de fato, prevista uma viagem a Brasília para esta semana, em tese para conversar com Derrite sobre o PL da segurança pública, mas acabou cancelando sua vinda à capital federal. Moraes autorizou a visita de Tarcísio a Bolsonaro no dia 10 de dezembro, de 9h às 18h. Segundo interlocutores do próprio governador, da família do ex-presidente, além de caciques do centrão, dificilmente haverá um anúncio nesse próximo encontro.
Dono dos votos
O silêncio de Bolsonaro é ensurdecedor porque de sua definição dependem os rumos da oposição a Lula no processo eleitoral. Partidos políticos, eleitores, Faria Lima e empresários ainda não sabem quais cartas estarão à mesa no ano que vem.
Essa dúvida, a menos de um ano do pleito, desfavorece a oposição. Com fortalezas e fragilidades, o time de Lula já está em campo, treinando para o confronto em 2026. Já tem candidato, plataforma e discurso definidos. Espera apenas a definição do adversário que, sem uma bússola, vê dentro de seu grupo uma disputa por vezes pouco sadia sobre quem será o capitão da equipe na eleição.
A operação no Rio, ao jogar o espinhoso tema da segurança pública para o centro do debate político, deu novo ânimo a Tarcísio, que foi convencido por aliados de que o petista também tem pontos fracos e sua reeleição não está assegurada.
Embora muitos o deem como acabado por conta da alta rejeição à sua figura e da iminente ida para a Papuda, o ex-presidente ainda é o dono da maior fatia do eleitorado de direita. A pesquisa Quaest desta semana, que o coloca como o candidato mais competitivo da oposição, comprova isso. E Tarcísio, com a reeleição quase certa em São Paulo, não se aventurará a disputar uma eleição contra Lula sem a bênção do padrinho.
Só que o ex-presidente está confinado em casa, impossibilitado de fazer articulação política na intensidade que sua liderança exige. Além disso, está com a saúde fragilizada e apresenta oscilações de humor. São constantes os relatos de comportamento depressivo, associado aos soluços incessantes e vômitos ocasionais.
Diferentes aliados têm uma visão distinta sobre o que deveria ser a decisão de Bolsonaro. O ex-presidente ouve a todos e, por vezes, sinaliza exatamente o que cada um de seus interlocutores quer ouvir. Mas a verdade é que ainda não tomou uma decisão.
Cenários possíveis
Aliados de Bolsonaro veem três cenários possíveis para a tomada de decisão do ex-presidente. O primeiro seria escolher um candidato já na virada do ano, quando ele provavelmente estará cumprindo pena em definitivo pela tentativa de golpe de Estado que ele liderou em 2023, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma segunda possibilidade é postergar a decisão até abril, quando mandatários como Tarcísio precisam se desincompatibilizar de seus cargos para concorrer à Presidência.
Nesses dois casos, o governador de São Paulo ainda estaria no jogo, embora não se possa descartar a opção por alguém da família, como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ou a ex-primeira-dama Michelle. No primeiro, Tarcísio teria mais tempo para preparar sua campanha. No segundo, poderia avaliar melhor quais seriam suas chances de vitória, a depender da popularidade de Lula a seis meses da eleição.
A terceira hipótese, que não pode ser desprezada, seria Bolsonaro insistir em sua candidatura até o limite do prazo dado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o registro das candidaturas, entre o final de agosto e o início de setembro. Essa foi a opção feita por Lula em 2018, quando estava preso no âmbito da Lava Jato. Só indicou Fernando Haddad para substituí-lo quando teve o registro de sua candidatura negado pela corte. Ciro Gomes (então no PDT), candidato da esquerda com mais chances de derrotar Bolsonaro, acabou preterido. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Uma chapa e um sobrenome
Outro fator que Bolsonaro deverá pesar em sua decisão é a conveniência de endossar uma chapa encabeçada por alguém que não tenha seu sobrenome. Na eventualidade de Tarcísio ganhar a eleição de Lula, o atual governador terá um projeto político para comandar o Planalto, e o campo da direita, por pelo menos oito anos. Seu principal antagonista seria o PT de Lula, restando pouco espaço para o bolsonarismo na arena política.
Por outro lado, a eleição de um aliado talvez seja a única chance de o ex-presidente conseguir um indulto pelos crimes que cometeu. Eis a difícil escolha que Bolsonaro tem pela frente: continuar liderando a direita ou abrir mão de seu legado político em nome da liberdade.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Todos esses cenários exigem reflexão, racionalidade e pensamento lógico para que se tome uma decisão e no momento certo. O problema é que reflexão, racionalidade e lógica não são exatamente os principais predicados de Bolsonaro.
Trata-se de um político carismático, que age por instinto e que, por causa disso, muitas vezes se autossabota – a condução da pandemia, o não reconhecimento da derrota para Lula e a tentativa de golpe em pleno 2023 são exemplos disso. Por vezes, prever o que Bolsonaro fará, e quando, é quase um exercício de adivinhação. Cravar qual será seu candidato, data e hora do anúncio é coisa para vidente.