Nos últimos anos, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem reiterado que, mesmo em contratações integradas, a Administração deve possuir um orçamento estimativo detalhado.
Ainda na vigência das Leis Federais 8.666/1993 e 12.462/2011, o TCU consolidou o entendimento de que o orçamento detalhado não é obrigatório para lançar o edital de contratação integrada – porque o edital pode se basear em orçamento sintético/paramétrico –, mas deve ser exigido quando o contratado entrega o projeto básico/executivo, porque ele é a base para aditivos, para reequilíbrio e para fiscalização (Súmula TCU 258/2010, além dos Acórdãos do Plenário: 2.433/2016, 2.136/2017, 2.312/2017, 544/2021).
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As alterações trazidas pela Lei 14.133/2021 não afetaram o entendimento do tribunal: desde a edição do Manual de Licitações e Contratos, atualizado em 29/8/2024, registra-se expressamente que “ainda que o orçamento detalhado não seja obrigatório para a licitação no regime de contratação integrada, a jurisprudência do TCU entende que ele deve ser elaborado posteriormente pelo contratado e submetido à Administração”, fundamentando-se no art. 56, §5º e no art. 46, §3º da nova Lei de Licitações e em acórdãos anteriores a ela.
Esse entendimento cumpre um papel importante: o controle público precisa saber quanto custará o empreendimento e ter parâmetros técnicos para fiscalizar.
Mas será que essa exigência – como se a Administração tivesse o direito de conhecer, linha a linha, as composições de custos internas da empresa – não ignora o próprio regime jurídico da contratação integrada?
A essência da contratação integrada é simples: a Administração define o resultado desejado (por meio do anteprojeto), e o particular assume a obrigação de conceber a solução, elaborar os projetos e executá-los por preço global. O risco de subestimar o custo, superestimar quantidades ou escolher soluções técnicas mais caras é integralmente do particular – é esse o sentido da alocação de risco prevista na lei.
Por isso, quando o gestor ou o órgão de controle exige que o contratado apresente um orçamento detalhado durante a execução, com composições unitárias, encargos, insumos e BDI, o que se está fazendo, na prática, é retirar do contratado o domínio sobre o próprio risco que lhe foi atribuído.
Se o orçamento passa a ser compartilhado, discutido e ajustado ao longo da execução, a lógica da responsabilidade integral pelo preço se desfaz. A Administração volta a discutir cada item de custo – e a integração entre projeto e execução, que justificava o regime, perde sentido.
É possível compreender a preocupação do controle: sem conhecer as bases de custo, como aferir sobrepreço, reajuste ou reequilíbrio? Mas o remédio talvez esteja errado. O orçamento detalhado que o TCU exige é da Administração, não do contratado. Ele serve para o controle interno e externo, para a verificação de economicidade e para subsidiar decisões de alteração contratual – não para intervir na formação de custos privados.
Nos próprios precedentes recentes, como o Acórdão 1873/2024-Plenário, o Tribunal reforça que o risco de variação quantitativa ou tecnológica, desde que compatível com o anteprojeto, é do contratado.
Se o risco é dele, o orçamento, também.
Exigir que o particular “abra a planilha” detalhadamente durante a execução pode ser útil como instrumento de transparência, mas é juridicamente incoerente: ou há transferência integral de risco, ou há cogestão do custo; as duas coisas, ao mesmo tempo, desvirtuam o regime.
A melhor prática parece ser distinguir finalidades:
a Administração deve manter e atualizar seu orçamento de referência detalhado, como parâmetro de controle;
o contratado pode ser instado a demonstrar composições pontuais, mas apenas quando necessário a pleitos de reequilíbrio, alterações qualitativas ou discussões sobre fatos supervenientes, como expressamente consignado no art. 56, §5º da Lei de Licitações;
fora dessas hipóteses, a exigência de um “orçamento detalhado executivo” é incompatível com o regime e cria, paradoxalmente, o mesmo excesso de formalismo que a contratação integrada nasceu para evitar.
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Talvez o ponto de virada seja este: se a Administração transfere o risco de custo, mas continua querendo conhecer e aprovar o custo detalhado, então não está delegando o risco — está apenas terceirizando a execução.
E se é assim, talvez o problema não esteja no modelo da Lei 14.133, mas na nossa dificuldade de confiar nele.