Há mais de três décadas, o mundo se reuniu no Rio de Janeiro para a Eco-92, um marco na construção de uma agenda global orientada por um princípio essencial: entender e respeitar os limites do planeta frente à ameaça crescente das atividades humanas degradantes.
Dali nasceram as grandes convenções ambientais das Nações Unidas — entre elas, a do Clima (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) e a da Biodiversidade (Convenção sobre Diversidade Biológica).
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Desde então, avançamos em conhecimento e em compromissos multilaterais, mas ainda seguimos enfrentando a dura realidade de um planeta em colapso. Ainda temos enorme dificuldade de promover transformações profundas em nossos paradigmas de produção, consumo e convivência — em nosso jeito de viver e produzir.
Agora, ao iniciarmos a COP30 em Belém, temos a oportunidade de reencontrar o espírito da Eco-92. A mobilização que tem se formado — unindo ciência, saberes tradicionais e ancestralidade dos povos originários —, aquela energia original, ressurge com o sentimento de urgência e ancorada no coração da Amazônia, região emblemática que evidencia e reforça o conceito de que não há estabilidade climática sem florestas íntegras, sem rios livres, sem biodiversidade viva e sem a diversidade de povos e conhecimentos associados.
A base da vida e do clima
Florestas, oceanos, solos e rios, com sua biodiversidade associada, são os maiores reguladores do clima do planeta — absorvem mais da metade das emissões de gases de efeito estufa e sustentam o equilíbrio dos ciclos da água e da vida e ainda provêm importantes fontes de serviços ecossistêmicos.
Proteger paisagens naturais e sua biodiversidade é base importante no rol de ações voltadas a reverter o quadro de emergência climática em que nos encontramos. E é importante lembrar: nós, humanos, somos parte desse tecido vivo e a desconexão que criamos com a natureza através de nosso modo de viver e produzir atuais está no cerne da crise planetária que enfrentamos.
Por sua vez, os modos de vida e manejo dos povos originários e comunidades tradicionais oferecem caminhos inspiradores para reconstruir essa conexão perdida — algo que há mais de 500 anos povos indígenas tentam nos mostrar.
Segundo o Global Assessment do IPBES (Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos), o planeta abriga cerca de 8 milhões de espécies, das quais até 1 milhão podem estar sob risco de extinção. A perda de espécies não é apenas uma tragédia ecológica: é a erosão das funções vitais que mantêm o planeta habitável. Cada espécie, visível ou microscópica, contribui para processos como a polinização, a ciclagem de nutrientes, o controle de pragas e a regulação dos fluxos de água e carbono.
A riqueza biológica é essencial para a saúde e a capacidade de autorregulação dos ecossistemas. Ecossistemas saudáveis e íntegros são mais eficientes no provimento de alimentos e outros benefícios como a regulação do clima, do ciclo da água, no controle de pragas e doenças, entre outros — funcionando de forma análoga a um sistema que se auto regula e gera equilíbrio e estabilidade para que a vida se mantenha, protegendo e criando resiliência para o organismo global — o planeta — frente a ameaças.
Lições da COP16 da Biodiversidade: de Cali a Belém
Na COP16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, realizada em 2024 em Cali, na Colômbia, o tema da integração entre clima e natureza ganhou impulso. Diversos países, incluindo o Brasil, defenderam a necessidade de alinhar as convenções ambientais e construir políticas integradas para enfrentar a crise de forma sistêmica.
Cientistas e representantes da sociedade civil (povos indígenas, comunidades tradicionais, ambientalistas e afins) reforçaram a urgência de um programa de trabalho conjunto entre as convenções, evitando contradições, como projetos climáticos que causem perda de biodiversidade, ou políticas de conservação que ignorem o papel dos ecossistemas na mitigação das emissões.
A mensagem vinda de Cali foi clara: as soluções baseadas na natureza não são alternativas complementares, mas condições essenciais para alcançarmos as metas tanto da Convenção do Clima, quanto da Biodiversidade.
A construção de uma agenda global que una clima e biodiversidade passa, necessariamente, pelo reconhecimento das áreas protegidas e dos territórios tradicionais como pilares da estabilidade ecológica, social e cultural. No Brasil, esses territórios são a principal estratégia para evitar extinções, reduzindo a perda de habitats e mitigando efeitos das mudanças climáticas.
Mas o desafio ainda é enorme. Apesar de muitos avanços nas últimas décadas, cerca de 50 milhões de hectares de florestas públicas na Amazônia permanecem sem destinação definida, áreas vulneráveis ao desmatamento, à grilagem e à perda de biodiversidade e áreas onde se concentram atualmente boa parte das atividades degradantes e criminosas que ameaçam a biodiversidade regional e as populações que vivem nestas áreas.
Além de espaços de vida, esses territórios são também espaços com grande potencial de desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis onde a sociobiodiversidade se converte em oportunidades reais de futuro através do desenvolvimento e fortalecimento de cadeias produtivas e de serviços desenvolvidos com a manutenção de paisagens íntegras e floresta em pé. Fortalecer as economias locais e reconhecer juridicamente esses territórios é complementar às ações de mitigação, adaptação e restauração, frentes urgentes e inseparáveis no enfrentamento da crise climática.
Investir na governança desses espaços, com segurança territorial, gestão participativa, restauração produtiva e bioeconomia, é alinhar proteção da biodiversidade, mitigação climática e justiça social.
Entre os temas que já movimentam expectativas na COP30 em Belém, destaca-se o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), iniciativa liderada pelo Brasil para criar um novo modelo global e duradouro de financiamento voltado à conservação das florestas tropicais. O mecanismo busca ampliar os recursos disponíveis para ações de proteção, manejo e restauração das paisagens naturais, garantindo benefícios diretos a povos indígenas e comunidades tradicionais.
O TFFF pode ser vital para garantir a proteção e manejo das áreas protegidas, que devem ser ampliadas e devidamente manejadas e protegidas e para tanto, recursos para fortalecer os órgãos de gestão bem como as comunidades locais destes territórios ajudarão a fortalecer suas capacidades.
O Brasil ocupa uma posição estratégica e simbólica neste novo ciclo global que a COP30, em Belém, representa. Sediar o evento no coração da Amazônia é mais do que um gesto político, é o reconhecimento de que as soluções climáticas e de biodiversidade passam, necessariamente, pelos trópicos e pelos territórios e maretórios que ainda mantêm ricas paisagens naturais e diversidade sociocultural.
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Ao assumir o protagonismo em múltiplas frentes, desde a transição energética e a restauração florestal até a valorização da sociobiodiversidade e o fortalecimento dos direitos territoriais, o país tem a oportunidade de reafirmar uma visão de governança integrada da Natureza e do Clima. Essa governança precisa articular ciência, políticas públicas, saberes tradicionais e ações de base comunitária, transformando compromissos internacionais em políticas concretas de conservação, inclusão e justiça socioambiental.
Em tempos de necessidade por ações práticas e urgentes, Belém pode ser o ponto de inflexão onde o Brasil demonstra ao mundo que é possível conciliar desenvolvimento e integridade ecológica, construindo um modelo de futuro baseado na diversidade biológica, cultural e de modos de vida.