O desafio jurídico e ambiental de explorar petróleo na foz do Amazonas

Desde 2020, a Petrobras busca obter licenciamento para explorar a Bacia da Foz do Rio Amazonas, especificamente a licença para perfuração exploratória de petróleo no Bloco FZA-M-59, cujo procedimento se encontra na etapa final de tramitação.

Desde então, o Ibama tem negado sucessivamente o pedido, sob a justificativa de inconsistências técnicas, sobretudo quanto à ausência de garantias suficientes de segurança ambiental em caso de eventuais acidentes de derramamento ou vazamento de petróleo.

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A Bacia da Foz do Rio Amazonas está situada em uma região considerada extremamente sensível do ponto de vista socioambiental, por abrigar diversas Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TIs) e manguezais. A área é reconhecida por sua vasta biodiversidade marinha, que inclui espécies ameaçadas de extinção, como o boto-cinza, o boto-vermelho, o cachalote, a baleia-fin, o peixe-boi-marinho, o peixe-boi-amazônico e o tracajá.

Apesar das negativas anteriores, o Ibama recentemente aprovou a atividade exploratória da Petrobras na região, condicionando a autorização à realização de ajustes nos planos de emergência, principalmente no que se refere ao resgate de animais. Após essas complementações, a estatal deverá realizar nova simulação, que, se aprovada, poderá culminar na emissão do licenciamento ambiental.

Em manifestação recente, o Ministério Público Federal recomendou que o Ibama negue a licença para exploração de petróleo na Foz do Amazonas, alegando a existência de diversas inconsistências no processo, inclusive medidas emergenciais consideradas insuficientes. Segundo o órgão, o procedimento ignora possíveis impactos diretos sobre o meio ambiente, comunidades pesqueiras, ribeirinhas e tradicionais da região.

O MPF sustenta que “a falha central está no critério do licenciamento, que condicionou a exigência do Plano de Compensação da Atividade Pesqueira (PCAP) apenas à sobreposição direta da área do poço com as áreas de pesca. O critério é inadequado, pois os conflitos ocorrem também ao longo das rotas das embarcações de apoio, que se sobrepõem aos maretórios”.

Como fundamento de sua posição, o MPF cita um incidente ocorrido em 26 de agosto deste ano, durante uma simulação pré-operacional, quando uma embarcação de apoio danificou redes de pesca da Colônia de Pescadores Z-03 de Oiapoque. Diante disso, os procuradores recomendaram a suspensão do processo de licenciamento até que os estudos sejam integralmente revisados e adequados, sob pena de violação de normas nacionais e acordos internacionais.

O MPF destacou quatro pontos de atenção que devem ser observados pelo Ibama: (i) a elaboração imediata de um PCAP abrangente, que contemple todo o território pesqueiro impactado; (ii) a garantia de que as medidas compensatórias sejam proporcionais aos danos causados; (iii) a readequação do Plano de Comunicação Social (PCS), assegurando um diálogo efetivo com as comunidades envolvidas; e (iv) a correção do critério considerado inadequado que resultou na ausência inicial do PCAP.

Segundo o órgão, “a efetivação de uma licença ambiental para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, sem a realização dos estudos adequados e sem a participação efetiva das comunidades tradicionais, seria contrária a esse compromisso, minando os esforços por um desenvolvimento sustentável”.

Mas afinal, a posição do MPF considera efetivamente o interesse público, a legalidade e a sustentabilidade? Desde que o tema surgiu nas manchetes, ele tem fomentado intensos debates que envolvem aspectos jurídicos, ambientais, econômicos, políticos e de soberania nacional. Trata-se de um assunto complexo, que exige reflexão profunda para que se alcance a melhor solução possível.

No aspecto jurídico, é inquestionável a competência atribuída ao Ministério Público Federal pelo artigo 129 da Constituição Federal para proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos. Além disso, os argumentos apresentados pelo órgão encontram respaldo técnico e jurídico para fundamentar a recomendação emitida.

Sob o critério ambiental, destaca-se que a Foz do Rio Amazonas é uma região de altíssima sensibilidade ecológica, com imensa biodiversidade marinha e fluvial, além de ser um sistema ambiental ainda pouco estudado. Nesses casos, e diante da incerteza científica sobre os impactos da exploração de petróleo, aplica-se o princípio da precaução, previsto no artigo 225, §1º, inciso IV, da Constituição Federal, que exige estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental.

Do ponto de vista técnico-científico, a decisão deve se basear em dados técnicos, modelagens ambientais, avaliações de impacto e pareceres de especialistas — o que, segundo o MPF, ainda apresenta lacunas, especialmente quanto à elaboração do PCAP e às medidas compensatórias.

Considerando os critérios analisados, a manifestação do MPF parece bem fundamentada, ao condicionar a Petrobras ao cumprimento de padrões rigorosos de extração em um território novo, distinto das bacias com as quais a estatal tem experiência. Tal contexto exige precauções adicionais, ao mesmo tempo em que impõe dilemas relacionados à sustentabilidade, à soberania energética e à economia nacional.

O Brasil tem buscado, há décadas, consolidar-se como referência em práticas sustentáveis, voltadas à descarbonização e ao uso de recursos menos nocivos ao meio ambiente. De fato, o país é destaque internacional em termos de matriz limpa, com 88,2% de fontes renováveis na matriz elétrica e 50% na energética, mas parte do debate criou uma falsa oposição entre responsabilidade ambiental e exploração responsável de novos poços de petróleo.

Embora o processo de descarbonização seja uma realidade global, e o petróleo seja um combustível não renovável, ainda hoje ele representa a principal fonte de energia no mundo, inclusive em países desenvolvidos. Assim, renunciar de forma abrupta à exploração de uma reserva com potencial energético tão significativo pode ser considerado um erro estratégico.

A dependência global do petróleo ainda é elevada, e diversos setores industriais mantêm forte vínculo com essa fonte, a ponto de a soberania de um país estar intrinsecamente relacionada à sua capacidade de suprir suas próprias demandas energéticas.

Portanto, o debate central não deveria se restringir à questão de se deve haver exploração de petróleo na Foz do Amazonas, mas como essa exploração pode ocorrer, de modo a minimizar os impactos sobre o meio ambiente, a fauna, a flora e as comunidades locais. Nesse sentido, o Ibama e o MPF demonstram ser aliados valiosos na busca por um modelo equilibrado e responsável.

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Os esforços de descarbonização e ampliação do uso de fontes renováveis devem prosseguir. A propósito, os royalties provenientes da eventual exploração na Foz do Amazonas poderiam ser revertidos para fomentar pesquisas e projetos voltados à energia limpa e à sustentabilidade ambiental.

Todo cuidado é pouco quando se trata do bioma amazônico, uma verdadeira joia natural e essencial à manutenção da vida no planeta. Contudo, também não se pode descartar uma oportunidade estratégica como a exploração responsável de petróleo em sua foz, que, se conduzida com rigor técnico e ambiental, pode trazer ao Brasil avanços sociais, econômicos, de soberania e, paradoxalmente, também ambientais.

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