A indústria química no Brasil ocupa uma posição estratégica: serve como a base para praticamente todos os demais segmentos industriais, da agricultura à saúde, da construção aos bens de consumo. No entanto, enfrenta um conjunto de desafios estruturais e conjunturais que ameaçam sua competitividade, sua capacidade de inovação e — por consequência — sua função de motor de reindustrialização.
Este artigo busca examinar com maior profundidade três eixos (“gargalos”) centrais — (i) custos de insumos e infraestrutura; (ii) inovação, digitalização e bioeconomia; (iii) os problemas de comércio, a competitividade global e a crescente dependência de importações — e refletir sobre as possibilidades de superação.
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Custo de insumos, infraestrutura e o freio à produção
Um dos gargalos mais visíveis da indústria química brasileira é o alto custo relativo dos insumos básicos — gás natural, nafta, energia elétrica — que compromete a competitividade frente aos produtores globais. Conforme reportagem da ICIS, o setor opera com cerca de 60% da capacidade instalada — nível crítico que reflete a combinação de custos elevados e queda de demanda.
No biênio 2023/2024, enquanto a China aumentou sua produção física em quase 20% o Brasil apresentou uma queda de 6,2% e a Europa de 6,67%, também enfrentando sérios problemas de competitividade.
Mais especificamente: o Brasil depende em grande medida de nafta para produzir polímeros e outros intermediários, enquanto países como os Estados Unidos aproveitam o gás de xisto, etano barato e cadeias de produção altamente integradas — o que gera diferença de custo irreversível para muitos complexos químicos brasileiros.
Além disso, fatores de infraestrutura — logística, transporte, armazenamento, reinjeção de gás — elevam o custo operacional e ampliam a ociosidade. O relatório da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim)-Fipe apontou que o déficit comercial de químicos chega cerca de US$ 50 bilhões anuais[1].
Em outras palavras: a indústria nacional paga mais caro para produzir o insumo básico, opera plantas que elevam custo unitário por tonelada e, ao mesmo tempo, enfrenta importados mais baratos que entram no país. O resultado é duplo: plantas paralisadas e deslocamento da produção nacional para importações.
Esse quadro exige políticas estruturais: renegociação ou regulação de tarifas de gás; incentivos à modernização de infraestrutura logística; adequação da matriz energética para suportar processos químicos intensivos. Sem tais medidas, o setor corre o risco de permanecer em desaquecimento secular.
Inovação, digitalização e bioeconomia — a ponte para relançar o setor
Além dos custos básicos, a indústria química brasileira também sofre com uma fraca intensidade de inovação, baixa digitalização e pouco aproveitamento da riqueza natural (biomassa, biodiversidade) para gerar valor agregado. Um estudo recente sobre o tema “bioeconomia e indústria química no Brasil” identificou que, apesar do país ter tecnologia e escala para atuar fortemente nessa frente, três obstáculos estruturais persistem: sistema tributário desfavorável, logística deficiente e altos custos energéticos.
Paralelamente, a transição para modelos de economia circular e química renovável ganha força globalmente, e no Brasil. A conjuntura mundial mostra que há comportamentos circulares em alguns segmentos básicos, mas que os desafios vão além das emissões, envolvendo também gestão de resíduos, energia, cadeia de suprimentos e infraestrutura de coleta/reciclagem.
A digitalização (“Indústria 4.0”), automação de processos, Internet das Coisas aplicados à refinarias químicas e plantas petroquímicas também se mostram como vetor imprescindível de ganho de produtividade — mas requerem investimentos, cultura organizacional, qualificação de pessoal.
Um estudo aponta que grande parte das empresas químicas ainda não adotou plenamente essas tecnologias por limitações de capital e retorno percebido.[2]
Portanto, a inovação não é só um modismo passageiro. Neste caso é condição para que o setor reduza custos unitários, aumente valor agregado, penetre nichos mais sofisticados (químicas finas, bioplásticos, nanotecnologia) e saia do “commodities trap” (estagnação e baixa tecnologia agregada). O Brasil, com sua vasta biomassa, pode transformar esse potencial em vantagem competitiva — se remover os entraves de escala e atrair investimento orientado à inovação.
Comércio internacional, competitividade e dependência de importações
Outro desafio crítico é o elevado déficit da balança de produtos químicos e a contínua substituição de produção nacional por importações. Segundo as entidades do setor, as importações de químicos no Brasil cresceram mais de 1.200% nos últimos 30 anos. O fato se explica: com produção local mais cara, logística mais lenta, custos regulatórios mais elevados e ausência de estímulos consistentes, o setor perde mercado interno a cada ano.
A proximidade ao grande mercado americano, paradoxalmente, aprofunda a fragilidade — o Brasil importa produtos químicos ligados à cadeia de valor dos EUA, que produzem com insumos baratos e escala global. Essa dependência implica não apenas déficit comercial, mas vulnerabilidade econômica e estratégica: quando o país importa intermediários, o país abre mão de empregos, de capilaridade industrial, e de autonomia tecnológica. E essa fragilidade se agrava em momentos de entrave logístico, câmbio desfavorável ou crise global.
Além disso, o ambiente regulatório brasileiro (tributos, exigências ambientais, logística) muitas vezes não favorece a instalação de grandes complexos químicos comparáveis aos de concorrentes internacionais. E sem escala, as unidades ficam mais vulneráveis a custos fixos elevados.
Para reverter esse quadro, torna-se necessário conjugar políticas de proteção (mas com cuidado para não gerar efeito de encarecimento em outras cadeias industriais ou retaliação internacional), estímulos à exportação de químicos de maior valor agregado, e alinhamento com acordos comerciais que facilitem acesso a tecnologias e matérias-primas. A modernização da cadeia e a integração à bioeconomia global são passos fundamentais para romper a dependência.
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O projeto que cria o Programa Especial de Sustentabilidade da Indústria Química (Presiq), o PL 892/2025[3], aprovado em 29 de outubro, vai na direção certa ao criar créditos fiscais condicionados ao cumprimento de metas de descarbonização, sustentabilidade e investimento em pesquisa. Estimativas da associação setorial indicam uma diminuição drástica da capacidade ociosa em cinco anos, a redução de 30% das emissões de CO2 por tonelada e a busca de neutralidade de carbono até 2050.
Conclusão
Os desafios da indústria química brasileira são complexos e interrelacionados: elevado custo de insumos e infraestrutura, baixa intensidade de inovação e digitalização, dependência de importações e perda de competitividade global.
Porém, também existem oportunidades — a vasta biomassa nacional, a crescente demanda global por químicos sustentáveis, a transição para economia circular e o potencial de relançar a produção com tecnologia de ponta.
Para que o Brasil transforme esses desafios em alavancas de crescimento, é necessário um conjunto articulado de políticas públicas e privadas: investimento em infraestrutura (gás, energia, logística), estímulo à inovação e digitalização, apoio à bioeconomia, incentivos para produção local de químicos de maior valor agregado, e ambiente regulatório previsível.
Somente assim a indústria química poderá deixar de ser “uma indústria de custos elevados e baixa escala” e tornar-se um polo de competitividade internacional, gerador de empregos de qualidade, inovação tecnológica e reindustrialização sustentável.
[2] https://arxiv.org/abs/2503.04749?utm_source=chatgpt.com
[3] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2486461