Bloqueio de passaporte: até onde vai o poder da execução trabalhista?

Um empresário estrangeiro, residente em Londres, foi impedido de embarcar de volta ao Reino Unido após uma decisão da Justiça do Trabalho que determinou o bloqueio de seu passaporte e a proibição de saída do Brasil. O motivo: uma execução trabalhista de R$ 2,2 milhões, movida contra a empresa da qual teria sido sócio anos atrás.

JOTA PRO Trabalhista – Conheça a solução corporativa que antecipa as principais movimentações trabalhistas no Judiciário, Legislativo e Executivo

A medida, mantida pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 16 de outubro de 2025, no julgamento de Habeas Corpus[1], reacende um debate sensível: até onde pode ir a coerção judicial na tentativa de garantir a execução de uma dívida trabalhista?

A decisão teve origem em processo movido em 2012, em Caicó (RN), e ganhou repercussão nacional por envolver um cidadão estrangeiro e a adoção de medidas que, até pouco tempo, seriam impensáveis em matéria trabalhista.

O TRT da 21ª Região, no julgamento do primeiro HC[i], havia mantido a restrição com base no art. 139, IV, do CPC/2015, dispositivo que autoriza medidas coercitivas “atípicas” para garantir o cumprimento das ordens judiciais. O fundamento utilizado foi o de que o empresário integrava uma “complexa e nebulosa estrutura societária” e que já estariam esgotadas todas as tentativas tradicionais de cobrança.

O TST, por sua vez, confirmou a decisão. No voto condutor, a ministra Liana Chaib reconheceu que havia “fortes indícios de evasão patrimonial” e defendeu que a medida seria proporcional diante da “resistência deliberada do devedor em adimplir suas obrigações”. Para a maioria dos ministros, não se trataria de prisão civil por dívida, mas de instrumento legítimo de efetividade judicial.

A justificativa, porém, ignora elementos essenciais do caso. O empresário não havia sido citado pessoalmente, tampouco teve oportunidade de defesa no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (matéria que vem sendo agora discutida na ação principal). Não há nos autos prova concreta de fraude, dilapidação patrimonial ou ocultação de bens — apenas a suposição de que sua participação em empresas dissolvidas irregularmente seria suficiente para presumir má-fé.

Mais grave: ao impedir um cidadão estrangeiro de regressar ao seu país de origem, a Justiça do Trabalho acabou por violar frontalmente a liberdade de locomoção garantida pela Constituição Federal e por tratados internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica, que veda a prisão civil por dívida.

Mesmo o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5.941/DF, validou o uso de medidas atípicas apenas quando observados os princípios da proporcionalidade, necessidade e razoabilidade — o que claramente não se aplica a quem não reside no Brasil e não possui condenação criminal.

Transformar a execução patrimonial em restrição de liberdade pessoal é um retrocesso jurídico e institucional. É, também, um precedente que fere a segurança jurídica internacional e projeta uma imagem de instabilidade a investidores e administradores estrangeiros que mantêm negócios no país.

Nenhuma efetividade judicial pode justificar a violação de direitos humanos. A execução trabalhista é um instrumento de justiça social, não de retaliação. Quando a coerção ultrapassa a fronteira do razoável, ela perde sua legitimidade.

Receba gratuitamente no seu email as principais notícias sobre o Direito do Trabalho

Permitir que passaportes sejam retidos como forma de cobrança civil, especialmente de pessoas não domiciliadas no país, é admitir uma forma indireta de prisão por dívida travestida de medida processual. E isso, além de inconstitucional, abre caminho para o uso distorcido de um poder que deveria estar a serviço da justiça, e não do constrangimento.

[1] HC nº 1000186-10.2025.5.00.0000 – TST / Rel. Min. Liana Chaib

[i] HC nº 0000346-67.2025.5.21.0000 – TRT da 21ª Região / Rel. Des. Maria Auxiliadora Rodrigues

 

 

 

Generated by Feedzy