O Brasil vive um ciclo virtuoso de investimentos em infraestrutura. Recentemente, a Antaq foi homenageada na B3 por uma parceria de dez anos, período em que foram realizados 70 leilões de arrendamento portuário. Um salto gigantesco se comparado aos 21 leilões estruturados na década anterior à Lei 12.815/2013. O resultado e a competição de quatro licitantes, três deles estrangeiros, por um projeto totalmente inovador como a concessão do canal de acesso de Paranaguá – o primeiro do país – demonstram o acerto do modelo regulatório.
No setor de rodovias, o interesse de diversos novos players é notório, incluindo fundos de investimento e empresas estrangeiras. Projeções da Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (ABDIB) indicam crescimento substancial nos investimentos privados para o próximo ano. Regulação adequada e projetos bem estruturados são os principais fatores que impulsionam o aumento dos investimentos.
Essa vitalidade confirma que o país se consolidou como um ambiente de negócios sadio e favorável a investimentos, com instituições confiáveis e bons projetos. A confiança não é fruto do acaso, mas produto direto de decisões institucionais e escolhas administrativas que garantiram o restabelecimento da capacidade estatal de planejamento, coordenação e regulação.
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A verdade é que o ciclo da infraestrutura é extenso, de modo que os resultados de hoje são colheitas de sementes plantadas há alguns anos e regadas com esmero, num longo percurso de evolução e reforço da nossa maturidade institucional.
A evolução do perfil da atuação do Estado no setor de infraestrutura
Olhando em perspectiva as três últimas décadas, segmentamos em três etapas o caminho e as transformações no perfil da atuação do Estado no setor de infraestrutura.
O primeiro período foi marcado pela escolha ideológica da abstenção estatal. O Estado recuou na intervenção na economia, opção que levou a um verdadeiro vácuo nas funções de planejamento de longo prazo e coordenação. O resultado dessa “incapacidade voluntária” de atuar foi a perda de norte, culminando simbolicamente na Crise do Apagão de 2001. A lição foi clara: a ausência do Estado no planejamento leva à crise de oferta.
Em contraposição, tivemos a antítese desse modelo com a volta do Estado como principal motor de investimento e o paulatino restabelecimento das funções de coordenação e planejamento. Volta-se a valorizar a recomposição de uma burocracia técnica devidamente preparada. A atuação centralizada da Casa Civil no acompanhamento das ações do PAC também pode ser considerada um avanço relevante.
No entanto, aquele modelo pecava por certa desconfiança em relação ao mercado – postura ideológica que acabou cedendo ante a realidade. As dificuldades administrativas para a conclusão das obras, a crise fiscal que se avizinhava e a necessidade de entregas urgentes (em especial, pela aproximação de grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014) conduziram ao reconhecimento de que o capital privado era uma peça insubstituível.
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Num desenho hegeliano, constata-se um reposicionamento do Estado a partir da síntese resultante da contradição entre os dois primeiros modelos. O governo reconhece maior eficiência e expertise no setor privado para a execução e passa a redirecionar a capacidade estatal para exercer o planejamento e a coordenação. Articula as diversas peças da dinâmica institucional e cria as condições de estímulo ao investimento privado. Esse novo perfil estatal mais orquestra e coordena do que executa: de motor (investidor principal) o Estado passa à função de maestro.
Esse movimento é fruto da compreensão de que o desenvolvimento é resultado de uma parceria público-privada madura, em que o setor público concentra seus esforços em funções indelegáveis: conduzir o planejamento de longo prazo, coordenar os esforços e construir ambientes de interação público-privada.
Nessa terceira etapa, o Estado está fortalecido em sua capacidade técnica e administrativa, o que é fruto de marcos institucionais importantes, como a realização de concursos para Analistas de Infraestrutura e Engenheiros e o fortalecimento das agências reguladoras. Compreende-se o desenvolvimento como resultado de escolhas estatais, de esforços conscientes e do diálogo público-privado.
Criação de arranjos institucionais que promovam a coordenação e interação
A formulação teórica da década de 90 carregava a crença de que a segurança jurídica para a realização de investimentos decorria da ausência do Estado e do completo insulamento das agências em relação a outros órgãos. Mas a realidade demonstrou a insuficiência desse modelo.
Ficou evidente que estruturas de coordenação são fundamentais para dar coerência à atuação estatal, especialmente se considerarmos a profusão de órgãos cujas funções se sobrepõem e, muitas vezes, concorrem entre si (ministérios, agências reguladoras, BNDES, Infra S.A. e outras empresas estatais, além de TCU, CGU, CADE etc.). Na infraestrutura, tivemos exemplos bem-sucedidos, como o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) na articulação e na priorização dos esforços para a entrega de projetos.
Adicionalmente, os projetos de infraestrutura apresentam complexidades de outras duas ordens: técnico-econômica e jurídica. As escolhas não são simples e a melhor solução não está pronta, nem na engenharia econômica, nem no ordenamento jurídico. Tudo isso aumenta riscos e dificulta a tomada de decisões públicas e privadas.
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Esse ambiente exige arranjos institucionais que garantam segurança decisória para os gestores e segurança jurídica para as empresas. Nesse caso, o melhor exemplo são as instâncias de decisão consensual, tais como a SecexConsenso do TCU e as Câmaras de Composição e Conciliação no âmbito das agências. Tais arranjos cumprem uma função econômica vital: reduzem custos de transação e garantem a segurança jurídica e decisória.
Também foram reforçados outros instrumentos de participação, transparência e previsibilidade, como as tomadas de subsídios e audiências públicas, que aperfeiçoam a decisão administrativa ao colocá-la sob o escrutínio do setor privado e da sociedade.
Embora paradoxal à ideia de “separação técnica”, essa lógica de interação entre órgãos públicos, agências reguladoras, empresas e sociedade é o que tem produzido bons frutos no enfrentamento dos problemas de infraestrutura.
O novo desenvolvimento: segurança decisória e inovação
O trabalho dos economistas Daron Acemoglu e James A. Robinson, premiados com o Nobel de Economia em 2024, demonstrou que o crescimento de uma nação está associado à qualidade de suas instituições, à previsibilidade e à existência das garantias associadas ao rule of law.
Já o Prêmio Nobel de Economia de 2025, concedido a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt, indica que o crescimento econômico é impulsionado pela inovação, ou seja, pela abertura a novas ideias, pelo surgimento de novas tecnologias e pela entrada de novas empresas.
Ou seja, o Estado continua tendo papel fundamental na criação das condições para o desenvolvimento, o progresso tecnológico e a inovação. Em temas contemporâneos como transição energética e promoção de políticas de diversidade, é insuficiente esperar por transformação unilateral da iniciativa privada. Cabe ao Estado induzir verdadeiras transformações por meio de mudanças na estrutura de incentivos. Melhor que a imposição de novas regras que desequilibrem o setor é adotar regulação baseada em estímulos positivos, alinhando o interesse privado (eficiência e lucro) às necessidades da coletividade.
O sucesso da infraestrutura brasileira depende, fundamentalmente, que o Estado forneça as condições ideais para que o mercado desempenhe seu papel: por meio do planejamento de longo prazo e da criação de arranjos institucionais que promovam coordenação e interação. Depende ainda de Agências Reguladoras técnicas, independentes e devidamente estruturadas, as quais podem representar importante contraponto aos ciclos de curto prazo da política, colocando na mesa perspectivas de longo prazo. São elementos fundamentais para garantir a estabilidade dos contratos e a confiança nas decisões públicas.
Esta é a verdadeira virada: como maestro, o Estado dá o tom e assegura harmonia, segurança e continuidade, sempre em benefício do desenvolvimento nacional.