Stock options e segurança jurídica: quando até o óbvio precisa de carimbo

Quem diria que para reconhecer que uma opção de compra de ações é uma opção de compra de ações, foi preciso um giro completo no contencioso brasileiro. Anos de ansiedade corporativa, pareceres em modo “apaga-incêndio” e autuações em série para, ao fim, o Judiciário dizer o que o próprio desenho do instrumento grita desde o berço: há voluntariedade, há onerosidade, há risco (só há ganho se o mercado quiser), portanto, não é salário. É investimento.

O enredo ganhou densidade quando a 1ª Seção do STJ, em 11 de setembro de 2024, cravou no Tema Repetitivo 1.226 que, para fins de IRPF, planos de stock option têm natureza mercantil, não remuneratória. Tradução sem juridiquês: no exercício da opção, não há “mágica” patrimonial para tributar; o fato tributável só aparece (se aparecer) na venda das ações com lucro. O beneficiário participa do jogo de mercado, não recebe “verba” do empregador. Parece simples. Só parece. Porque, no Brasil, o óbvio disputa lugar com a sanha de transformar todo e qualquer incentivo em “parcela salarial”.

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A novela subiu mais um degrau com o STF, chamado pela União a dar a “palavra final” no Tema 1.440 (ARE 1.540.517). O voto do relator, ministro Edson Fachin, foi no sentido de que não há matéria constitucional na discussão, ou seja, o debate é infraconstitucional e fático. Em bom português: isso é com o STJ. Se o plenário confirmar essa trilha, não teremos espetáculo no Supremo; teremos, isto sim, a consolidação do que já foi decidido. E, convenhamos, segurança jurídica às vezes nasce justamente do que o tribunal não julga.

Enquanto isso, a pauta previdenciária entra em cena com o STJ afetando o Tema 1.379 para dizer o que a coerência manda: se o instituto é mercantil e não remuneratório para o IRPF, por que raios haveria fato gerador de contribuição previdenciária patronal? A corte suspendeu processos país afora para evitar a colcha de retalhos decisória típica de temas quentes. É aquele momento em que o sistema escolhe respirar antes de decidir — e, quem sabe, decidir bem.

No campo trabalhista, o TST já vinha lembrando o que a natureza do bicho indica: planos verdadeiramente mercantis, com adesão voluntária, preço de exercício e risco efetivo, não compõem salário. O empregado não recebe “dinheiro fácil”; ele escolhe investir, pagar para ver e pode perder.

Some-se a isso o movimento legislativo do PL 2724/2022, o chamado Marco Legal das Stock Options, saído do Senado com a afirmação explícita da natureza mercantil. A lei ainda não está no diário oficial, mas o recado político-normativo é claro: o país precisa de instrumentos de retenção de longo prazo que não sejam tratados como vilões fiscais. De vez em quando, o legislador acerta o passo do mundo real.

É aqui que a reflexão fica mais saborosa. Se um plano exige desembolso do beneficiário, impõe carência, vincula o ganho ao humor do mercado e pode resultar em zero (ou prejuízo), chamá-lo de “remuneração” é esticar conceitos até o limite da ficção. A ironia é que, na ânsia de “proteger” a base de cálculo, criamos incerteza que desprotege o investimento, encarece o talento e empurra as boas práticas para a fronteira do improviso, tendo como resultado menos alinhamento de interesses, menos cultura de dono, mais bônus de curto prazo (esses, sim, nitidamente salariais), e um país que insiste em tributar o que o mercado ainda nem entregou.

“Mas toda stock option é igual?” Claro que não. A fronteira entre o mercantil e o remuneratório não se fecha por decreto — fecha-se no desenho. Se o plano é 100% gratuito, sem preço de exercício, sem risco efetivo e desvinculado do mercado, a própria arquitetura começa a gritar “remuneração”. Quem quer segurança jurídica não pede ao Judiciário para salvar o que o próprio regulamento interno sabotou. A jurisprudência protegeu modelos bem estruturados, enquanto os mal desenhados continuarão a dar manchetes e autuações.

Do ponto de vista prático, o que muda? Para IRPF, a bússola já está praticamente calibrada: o mero exercício da opção não é tributável; eventual ganho de capital somente na venda. No previdenciário, a expectativa é de coerência: sem contribuição previdenciária e com efeito vinculante, quando o Tema 1.379 for julgado. No trabalhista, o cenário permanece: não há salário onde há investimento com risco.

No fim do capítulo, sobra uma moral simples: o Brasil precisou de STJ, STF e um “Marco Legal” para admitir que uma opção de compra de ações é uma opção de compra de ações.

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Enquanto aguardamos o carimbo final do STF sobre a inexistência de questão constitucional e o julgamento previdenciário no STJ, as empresas já pode, e devem, ajustar seus planos e narrativas internas. O incentivo em ações é ferramenta de longo prazo para construir valor, não uma gambiarra salarial de curto prazo.

Em suma: menos fetiche com “tudo é salário”; mais respeito à lógica do instituto. O caminho da segurança jurídica está pavimentado e, desta vez, a pavimentação não precisa de malabarismo, só de coerência.

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