Juristas que participaram da elaboração da proposta de reforma do Código Civil (PL 4/2025) defenderam que o novo marco contratual previsto no projeto moderniza a legislação brasileira e incorpora práticas consolidadas na jurisprudência e inovações inspiradas em modelos internacionais. A atualização do Livro de Contratos do Código Civil foi tema de audiência pública na comissão temporária do Senado que trata do PL nesta quinta-feira (6/11).
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O professor de Direito Civil na Universidade de Brasília (UnB) Carlos Eduardo Elias de Oliveira considera que a maioria das alterações propostas ao Livro de Contratos pelo projeto somente positiva o que já é reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência. O restante, explica, corresponde a inovações pontuais consideradas necessárias para adequar o Código à realidade contemporânea. Carlos Eduardo integrou a comissão de juristas responsável pelo anteprojeto que deu origem ao PL 4/25, o texto do colegiado foi apresentado integralmente pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na proposta.
Entre as referências utilizadas, estão os modelos da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral), os princípios do Unidroit, e as regras da Convenção das Nações Unidas sobre Compra e Venda Internacional de Mercadoria. “O panorama do livro de contratos é a positivação do direito atual expressado na jurisprudência, no que está pairando no ar das jurisprudências, com a necessidade evidente de inovar em alguns pontos”, disse.
Entre as mudanças concretas, o professor citou o ajuste na regra da doação conjuntiva, quando um bem é doado a mais de uma pessoa simultaneamente, para corrigir distorções criadas por, segundo ele, presunções ultrapassadas sobre a estrutura familiar. Pelo texto vigente, se um dos donatários morre, a parte dele é transferida automaticamente ao outro. A nova proposta condiciona essa transferência à manifestação expressa do doador, adequando o Código à multiplicidade de arranjos familiares.
Cláudia Lima Marques, professora na Universidade Federal do Rio Grande (UFRGS), destacou que o novo Código preserva as cláusulas gerais clássicas da parte contratual, como função social, boa-fé objetiva e tipicidade, mas amplia seu alcance para compreender a digitalização das relações econômicas. Segundo ela, o texto diferencia com mais clareza contratos civis, empresariais e de consumo, respeitando as leis específicas de cada setor, e introduz um capítulo inteiramente novo sobre prestação de serviços e acesso a conteúdos digitais, aplicável a plataformas, softwares e intermediadores online. A jurista Angélica Lúcia Carlini, especialista em Direito de Seguro e Responsabilidade Civil, enfatizou a inclusão de regras para os chamados contratos conexos ou coligados, que refletem a dinâmica das cadeias produtivas e das plataformas digitais. Ambas também fizeram parte da comissão responsável pela elaboração do texto do projeto de lei.
O professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Erolths Cortiano Júnior, especialista em Direito Civil, defendeu a possibilidade de consignação extrajudicial por meio de cartórios prevista no projeto de reforma do Código. Para ele, permitir que o devedor deposite valores em cartório para quitar uma dívida é um avanço que “será um excelente instrumento de gerenciamento dos negócios”.
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Outro ponto enfatizado foi a reintrodução do fideicomisso, figura jurídica que permite ao titular do patrimônio designar um administrador temporário antes da transmissão definitiva dos bens. O professor explicou que o novo formato amplia o uso desse instrumento, permitindo sua aplicação também em vida e oferecendo alternativas de proteção patrimonial, especialmente em casos de pessoas com deficiência ou dependentes.
Alerta para sobreposição de leis
O senador Carlos Portinho (PL-RJ), membro da comissão temporária, chamou atenção para o tratamento dos contratos de seguros, especialmente após a aprovação da Lei 15.040/2024, que entrará em vigor em dezembro. Segundo o parlamentar, é preciso avaliar se há consenso sobre a necessidade de manter o tema no Código Civil ou se a nova lei já seria suficiente para disciplinar a matéria.
“Talvez um caderno próprio, uma lei própria, seja mais recomendado do que a gente reiniciar uma discussão de um assunto que já vem sendo discutido. Com uma lei própria, inclusive, é até mais fácil uma atualização pontual”, afirmou. Portinho disse que vai solicitar uma audiência pública exclusiva sobre o setor de seguros, para aprofundar o debate e colher contribuições do mercado.
Os senadores continuarão realizando audiências públicas temáticas sobre a reforma do Código Civil até o fim do ano, antes de começar a análise do texto do projeto.