Uma discussão sobre concorrência está no centro do desenho do leilão do Tecon Santos 10, o novo, crucial e principal terminal de contêineres do Porto de Santos e da América Latina. O debate é se o Poder Público deveria ou não restringir a participação de empresas incumbentes que já detenham terminais no Porto, ou que sejam integradas com linhas de navegação.
Tais restrições deixariam de fora da disputa alguns dos principais operadores portuários do mundo. Os que pleiteiam a restrição argumentam que deixar incumbentes verticalizados ganharem mais um terminal no Porto de Santos seria anticompetitivo. Faz sentido, ou o argumento é um caso de competition washing?
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O propósito central de um leilão é a competição pela vitória da melhor proposta. É intuitivo presumir que medidas que restrinjam essa competição são anticompetitivas. Pleitos no sentido de limitar a concorrência no leilão, com vistas a garantir uma concorrência pós leilão são possíveis. Mas é evidente que devem se amparar em fortes evidências, e no caso do TECON, os argumentos em favor das restrições parecem amparados em algumas falácias:
Pedidos para limitar os participantes no leilão tendem a não ser altruísmo, mas sim uma ferramenta para tirar competidores relevantes da disputa.
Não é verdade que garantir mais concorrência no leilão seja só sobre obter um maior valor de outorga. É sobre isso também. Mas é essa competição que impulsiona as chances de o ganhador ser o agente com maior capacidade para operar e investir no ativo.
Permitir a participação de incumbentes do leilão não gerará uma concentração no Porto. Todos os modelos cogitados pelo Poder Público até agora exigem que, caso um incumbente vença o leilão, ele venda o seu terminal atual para um terceiro. Esse remédio evitará que uma mesma empresa detenha dois terminais em Santos.
É falacioso o argumento de que o remédio do desinvestimento é pior que o cenário de um novo entrante arrematando o leilão. Nos dois cenários haverá quatro terminais de contêineres no Porto competindo entre si. O nível de concentração no mercado (HHI) em ambos os cenários é equivalente.
Alguns mencionam que um processo de desinvestimento do terminal incumbente não seria trivial. Não é para tanto. Esse ônus será da empresa, devidamente premida por compromissos. Considerando que o TECON não tem previsão de entrar em plena operação nos primeiros anos, um desenho razoável daria à empresa um prazo mais que suficiente para executar o desinvestimento. Uma eventual necessidade de aprovação prévia do Cade faria da transação uma entre as centenas que a autoridade processa todos os anos, em um prazo médio de 22 dias, demandando restrições em menos de 1% dos casos. Nestas ocasiões, o remédio é cumprido com usualidade.
Uma falácia central é a de que permitir a participação de uma linha de navegação na disputa, viabilizando uma integração vertical com o terminal portuário, seria ruim. Integrações verticais são estratégias usuais para gerar eficiências, continuidade de demanda e incentivar investimentos. Esta é a norma em terminais de grãos, minérios e combustíveis, e a integração com armadores tem também sido a receita para os melhores terminais de contêineres do mundo. Segundo o Container Port Performance Index do Banco Mundial, dos 20 portos mais eficientes do mundo, 13 têm a atuação de terminais verticalmente integrados. Não faz sentido o Brasil vetar, justamente para o seu maior terminal, uma tendência mundial de eficiência.
É falso, também, que permitir a verticalização comporte riscos concorrenciais relevantes. A refutação desse argumento foi ponto de consenso entre todas as autoridades que analisaram o caso. Essas análises mostram que não há capacidade ou incentivos para condutas de fechamento de mercado. Em específico, este ano o Cade, analisando dois casos no Porto de Santos, aprovou sem restrições uma integração vertical entre armador e terminal, e concluiu não haver efeitos anticompetitivos derivados de integrações no Porto, após uma investigação aprofundada.
Têm sido equivocadas, aliás, algumas interpretações de terceiros sobre os pareceres das autoridades concorrenciais acerca do tema. Essas interpretações falham ao ignorar o padrão usual de uma análise antitruste, explicada no parecer do próprio Cade: “o fato de identificar um potencial risco derivado de uma concentração econômica não é uma condição suficiente para confirmar que esse risco, de fato, se concretizaria”. Conclui o parecer, em linha com a contribuição do Cade em audiência do TCU, que restrições que vedem a participação de incumbentes no leilão são desproporcionais. O parecer da SEAE/MF – autoridade investida pela Lei Antitruste com a função de advocacy concorrencial – recomendou a ampla possibilidade de participação de incumbentes no leilão, mediante compromisso de desinvestimento do terminal atual.
Linhas argumentativas particularmente perigosas defenderam restrições com base em “política pública”, “geopolítica” ou “soberania” – genericamente. A fórmula de compensar a ausência de fundamentos técnicos com princípios vagos ou ufanistas não é nova. Ocorre que o Poder Concedente é premido pelos limites da lei (ou ausência de lei), e pelo dever constitucional de efetiva motivação.
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Está em jogo a operação do principal ativo portuário do Brasil. A concorrência deve se prestar ao seu real propósito: incentivar que vença o melhor.