O Brasil está disposto a defender a recomendação do fim do filtro para cigarros e a criação de mecanismos que permitam a responsabilização da indústria do tabaco pelos danos causados ao meio ambiente.
A perspectiva é de que os temas sejam discutidos durante a 11ª Conferência das Partes da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (COP11), que será realizada entre 17 e 22 de novembro, em Genebra, na Suíça.
“O país vai analisar seriamente as duas propostas, sem dúvida”, afirmou ao JOTA, a secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq), Vera Luiza da Costa e Silva. O primeiro passo, completou, é verificar como se dará o encaminhamento dos dois temas durante a reunião.
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O Brasil pretende propor também a discussão de um protocolo de descarte, com uma análise e proposta sobre o destino que deve ser dado a produtos de tabaco, sejam baterias, líquidos ou dispositivo eletrônico propriamente dito.
A ideia é que um grupo de trabalho seja formado para fazer a análise e, uma vez concluída, o tema seja discutido na COP12, programada para 2026.
O olhar sobre o impacto do tabagismo no meio ambiente começou ano passado, na COP10, por iniciativa do Brasil. A ideia era justamente criar caminhos para integrar a agenda de questões climáticas e trazer luz para problemas como a produção de lixo de cigarros eletrônicos, além da poluição provocada pelas bitucas.
Documento das Nações Unidas indica que pontas de cigarro são responsáveis por mais de 766 milhões de quilos de lixo tóxico por ano.
A convergência de agendas deve ser reforçada na edição deste ano, que ocorre justamente uma semana depois do início da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), na cidade de Belém.
A COP da Convenção Quadro do Tabaco é um evento em que países que assinaram o acordo internacional e observadores discutem questões prioritárias na prevenção e combate ao tabagismo e estratégias para que as metas sejam atingidas.
Vera, que há décadas acompanha a discussão de políticas públicas para prevenção e combate ao tabagismo, defende a proibição dos filtros, que, assegura, não têm nenhum efeito protetor para o fumante.
A secretária-executiva da Conicq também não economiza críticas às empresas que, em sua avaliação, fazem greenwashing ao organizar programas de reciclagem ou iniciativas de coleta de bitucas. “Na verdade, eles responsabilizam o consumidor.”
A seguir, os principais trechos da entrevista:
A discussão sobre o impacto do tabagismo no meio ambiente começou na COP10. O que avançou desde então?
O secretariado da COP fez um relatório, lançado no ano passado, que traz o estado da arte do impacto provocado pela indústria do tabaco no meio ambiente. O documento categoriza o lixo como pré-consumo, consumo e pós-consumo e descreve as diferentes influências. Um dos pontos do trabalho é o filtro usado nos cigarros. Ele tem de acabar.
A COP pode pedir a proibição?
Pode haver uma recomendação para que países considerem este aspecto. A Conicq, por sua vez, está preocupada com o assunto. Este pode ser um tema da nossa pauta interna, algo que tenhamos de discutir no Brasil.
Mas o que sustentamos é que, dando sequência à última proposta, este é um encaminhamento que deve continuar. A COP deve continuar discutindo o tema para, eventualmente, propor uma decisão nessa área.
É possível acabar com filtros?
Os cigarros começaram sem filtro. Eles não servem para nada, não têm efeito protetor. Foram criados para atrair mulheres, de forma a evitar que pedaços no fumo ficassem na boca. Depois, os orifícios foram colocados, com ideia de cigarros de baixo teor. Mas eles não reduzem danos. Pelo contrário. O indivíduo comprime aqueles orifícios com os lábios, o ar não entra. Ou seja, o indivíduo fuma os teores que ele fumaria sem aquele filtro. Então o filtro não resolve, os orifícios não resolvem. E, dispositivos eletrônicos também não resolvem. Eles não reduzem danos. A indústria quer vender, entendeu? É simples assim.
Dispositivos eletrônicos de fumar voltam para pauta da COP?
Toda COP o assunto volta, porque a indústria, através de alguns governos, pressiona para que a COP assuma ou aceite o conceito de redução de danos. A COP não aceita. E o que acontece é que a discussão fica mais ou menos paralisada sobre o conteúdo e produtos de tabaco. É preciso lembrar que há mais de 40 países que proíbem dispositivos eletrônicos de fumar.
O Brasil, aliás, não aceitaria uma recomendação destas, de redução de danos. A Anvisa já fez uma análise profunda desse tema e deliberou por unanimidade que o país não deve vender estes dispositivos.
Pesquisas mais recentes mostram que não tivemos uma expansão expressiva do mercado, principalmente se comparada com a hipótese de uma eventual liberação. Porque a liberação normalmente é acompanhada de estratégia de marketing, de uma estratégia de promoção do produto.
O cenário que a gente tem hoje é de que estamos acertando. A Anvisa está certíssima. E estamos certíssimos em apoiar a política atualmente adotada no país.
Qual o papel dos dispositivos eletrônicos?
Além de não reduzirem danos, eles podem ter papel inverso. Uma pessoa começa a usar dispositivo eletrônico para fumar e passa para o cigarro, porque ele é mais barato. O dispositivo cria dependência. E a pessoa busca nicotina mais barata. A pessoa se torna um usuário dual, com cigarro tradicional e o eletrônico, aumentando os riscos. Além da alta concentração de nicotina, há a inalação de outras substâncias presentes no dispositivo.
Há um movimento em curso para responsabilizar a indústria por danos à saúde. Como identificar os danos ao meio ambiente?
É preciso olhar para experiências de países que começam a caminhar neste sentido.
A Finlândia, por exemplo, tem uma taxação para reparar danos ambientais. O Estado da Califórnia tem uma taxa de coleta. É preciso responsabilizar a indústria pelo lixo provocado. Seja pelas guimbas, seja pelos dispositivos eletrônicos apreendidos ou descartados. O que vemos hoje, no entanto, é justamente o contrário: a responsabilização do consumidor.
O que a senhora quer dizer?
Essas empresas organizam programas para coleta de guimbas por voluntários. Isso é terceirizar a responsabilidade pelo destino do lixo por elas provocado. Isso não é responsabilidade com o meio ambiente. Há também projetos para reciclagem. A questão é: como reciclar algo cancerígeno?
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O que a gente pode dizer hoje é que a indústria faz greenwashing. Ela tenta responsabilizar o fumante, ela tenta responsabilizar as comunidades para fazer coletas coletivas. Notas técnicas já foram feitas mostrando que guimbas não servem para reciclagem. Porque elas poluem o meio ambiente. É preciso avançar.
O que seria possível?
Criar um protocolo de descarte do lixo. Para o filtro, a criação de uma taxa para o lixo gerado seria uma alternativa. Ter protocolos para destruição dos materiais apreendidos. É possível destruir? Reciclar? Para onde encaminhar? Existe uma economia circular para isso ou não? É preciso discutir, ter um encaminhamento, uma recomendação para os países que são parte do tratado.
O Brasil vai defender este protocolo de descarte? Como isso se daria?
O Brasil está querendo levar um pedido para que o tema seja discutido na COP12.
Seria criado um GT para o estudo?
Uma vez acordado o encaminhamento, um grupo de especialistas, com pessoas da área de meio ambiente, de descarte, de resíduos sólidos, se reuniria para identificar as melhores práticas. Com isso, um documento poderia ser feito e discutido posteriormente, na COP 12.