O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) afetou ao rito dos recursos repetitivos o julgamento da controvérsia relacionada ao marco inicial do prazo para impetração de mandado de segurança contra exigência de tributos sujeitos a lançamento por homologação e de natureza periódica. A matéria, de alta relevância e com ampla repercussão nacional, foi formalmente incluída na sistemática dos repetitivos com a afetação dos Recursos Especiais nº 2.103.305/MG e 2.109.221/MG, ambos de relatoria do Ministro Paulo Sérgio Domingues, tendo sido cadastrada como Tema 1.273/STJ[1]. O julgamento, levado a efeito em 10 de setembro de 2025, buscou uniformizar a jurisprudência quanto à aplicação do prazo decadencial de 120 dias, previsto no art. 23 da Lei n.º 12.016/2009, em hipóteses de obrigações tributárias que se renovam periodicamente.
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A definição do marco inicial do prazo para a impetração do mandado de segurança em matéria tributária periódica configura uma das questões mais relevantes do direito tributário contemporâneo, dada a complexidade inerente às relações de trato sucessivo[2] e o elevado volume de judicialização fiscal. Por isso, o STJ, por meio do Tema 1.273, debruçou-se sobre a interpretação do artigo 23 da Lei do Mandado de Segurança, especialmente quanto à sua incidência sobre tributos de exigência recorrente, como o ICMS, o PIS, a COFINS e o IRPJ.
A importância do mandado de segurança como instrumento de controle da legalidade tributária e de tutela de direitos líquidos e certos é incontestável. No entanto, sua efetividade depende também da interpretação dos limites temporais fixados pelo legislador. E a divergência jurisprudencial que grassava a matéria motivou a afetação dos Recursos Especiais mencionados ao rito dos repetitivos, no âmbito do STJ.
De um lado, sustentou-se que o prazo deveria ser contado a partir da edição do ato normativo tido por ilegal, sob o argumento de que o mandado de segurança deve ser impetrado contra o primeiro ato lesivo, sob pena de decadência. De outro, defendeu-se que, tratando-se de tributos de trato sucessivo, cada nova exigência configuraria ato lesivo autônomo, reabrindo o prazo de 120 dias para a impetração do mandado de segurança.
A instabilidade jurisprudencial sobre o tema levou o Ministro Paulo Sérgio Domingues a destacar a existência de “nuances muito sutis” na matéria, que resultam em soluções distintas a depender das peculiaridades de cada caso. De fato, as mais de 2.800 decisões monocráticas e 32 acórdãos identificados pela Comissão Gestora de Precedentes do STJ evidenciavam a necessidade de uniformização, especialmente diante do impacto que a tese firmada tem sobre milhares de contribuintes[3].
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Os que já admitiam a contagem renovada do prazo decadencial a cada novo fato gerador defendiam seu respaldo não apenas na jurisprudência constitucional aplicável sobre relações de trato sucessivo, mas também em fundamentos de política judiciária e de economia processual. Tal linha interpretativa, por exemplo, evitaria que o contribuinte se visse forçado a manejar ação ordinária – procedimento mais moroso e oneroso.
Ainda, os defensores dessa corrente rememoram que o mandado de segurança pode ter natureza preventiva, repressiva ou híbrida, servindo à proteção de direitos ameaçados por normas que projetam efeitos continuados no tempo. Assim, argumentavam que fixar como termo inicial do prazo decadencial a data da publicação do ato normativo impugnado ignoraria a dinâmica própria das obrigações tributárias periódicas, que se renovam mês a mês e produzem efeitos contínuos.
Apontavam, ainda, a existência de precedentes do STJ, como o RMS 68.200/RJ, o AgInt no REsp 2.131.375/PR, o AgInt no REsp 2.097.912/PR e o AgInt no AgInt no REsp 2.097.896/PR, que reconhecem , nas obrigações de trato sucessivo, que a decadência não se opera enquanto houver renovação do fato gerador. Nesses julgados, assentou-se que o justo receio de lesão seria suficiente para legitimar a impetração de mandado de segurança preventivo, sendo irrelevante que a norma impugnada tenha sido publicada há mais de 120 dias.
Nessa mesma linha, no AgInt no REsp 2.097.912/PR, por exemplo, a Primeira Turma do STJ decidiu, de forma unânime, que “o prazo decadencial não se aplica ao mandado de segurança preventivo voltado a afastar a cobrança do diferencial de alíquota de ICMS (DIFAL) em operações interestaduais com consumidores finais não contribuintes”. A Corte reafirmou que, tratando-se de obrigação de trato sucessivo, o marco inicial do prazo não poderia ser a publicação da norma, mas, sim, a renovação do ato lesivo.
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Igual caminho foi adotado quando do julgamento do AgInt no AgInt no REsp 2.097.896/PR, no qual se reiterou que “busca pelo não recolhimento do ICMS configura relação de trato sucessivo, que se renova periodicamente, não havendo se falar em decadência do direito à impetração do mandado de segurança, por se tratar de ação com caráter preventivo”[4].
Esse entendimento reforçaria a função constitucional do mandado de segurança como instrumento de tutela imediata ao direito líquido e certo.
É fato que o STJ tem reiteradamente reconhecido que o justo receio de lesão é suficiente para legitimar a impetração de mandado de segurança preventivo[5], inclusive em matéria tributária. E, em julgados recentes, a Corte reafirma que a decadência não incidiria sobre relações de trato sucessivo enquanto houver renovação da obrigação.
Nesse contexto a Primeira Seção apreciou o Recurso Especial n.º 2.103.305/MG, ocasião em que, por unanimidade, negou provimento ao recurso, acompanhando integralmente o voto do Ministro Relator. Na oportunidade, foi aprovada a seguinte tese repetitiva: “O prazo decadencial do art. 23 da Lei 12.016/2009 não se aplica ao mandado de segurança cuja causa de pedir seja a impugnação de lei ou ato normativo que interfira em obrigações tributárias sucessivas, dado o caráter preventivo da impetração decorrente da ameaça atual, objetiva e permanente de aplicação da norma impugnada.”.
Enfim, a tese firmada no Tema 1.273 representa um marco para o contencioso tributário, ao afastar a incidência do prazo decadencial do art. 23 da Lei n.º 12.016. A decisão fortalece a função preventiva do mandado de segurança, contribuindo para a consolidação de maior estabilidade no sistema jurídico pátrio e imprimindo clareza sobre a adequada aplicabilidade dos mecanismos preventivos e repressivos de eventuais ilegalidades detectadas, na seara tributária.
[1] “Definir o marco inicial do prazo decadencial para impetração do mandado de segurança com o objetivo de impugnar obrigação tributária que se renova periodicamente”.
[2] Aquela em que as obrigações se prolongam, de forma contínua ou periódica, com prestações e contraprestações que se renovam ao longo do tempo.
[3] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/relatorio-contencioso-tributario-final-v10-2.pdf / Conselho Nacional de Justiça; Instituto de Ensino e Pesquisa. – Brasília: CNJ, 2022; 314 p.: il. (Justiça Pesquisa, 5)
[4] AgInt no AgInt no REsp 2.097.896/PR
[5] AgInt no REsp 2.097.912/PR