As empresas de tecnologia financeira estão sendo guindadas a um novo padrão regulatório. Embora restrições normativas possam ter efeito negativo sobre a inovação e seu processo de criação de valor, o exercício desmedido de prerrogativas financeiras pode gerar desbordamento da legalidade, sombreamento suspeito de atividades econômicas, abusos e fraudes envoltas em papel de aparente regularidade jurídica.
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Por oportuno, no relatório de 21 de dezembro de 2023, a Financial Action Task Force (FATF), da qual o Brasil é parte integrante, sinalizou, sem curvas, que o país “precisa fortalecer a cooperação e a coordenação entre certas autoridades e melhorar a repressão à lavagem de dinheiro”. Ainda, segundo dados da FATF e do Fundo Monetário Internacional, apesar de certa dificuldade na mensuração dos dados – inerentes a engrenagens delitivas complexas –, o valor anual das práticas de lavagem de dinheiro fica entre 2% e 5% do PIB global, envolvendo cifras atuais de $2,2 a $5 trilhões de dólares por ano.
Diante desse cenário desafiador, potencializado pela recente exposição de agressivos tentáculos do crime organizado no Brasil, a Receita Federal, através da Instrução Normativa RFB n° 2278, de 28 de agosto de 2025, determinou que as instituições de pagamento e os participantes de arranjos de pagamento ficaram sujeitas às mesmas normas e obrigações acessórias aplicáveis às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamento Brasileiro (SPB) (art. 2°). A abrangência da regra será especificada por atos complementares da Coordenação-Geral de Fiscalização (Cofis), visando garantir efetividade normativa à luz das especificidades das soluções tecnológicas em curso financeiro (art. 3°).
Sem cortinas, o fato é que as fintechs e todo o ecossistema de tecnologia financeira passarão por aumento substancial dos deveres e custos regulatórios. A medida intrinsicamente onerosa, além de gatilho para possível consolidação do setor via fusões e aquisições, poderá redundar em importante depuração do segmento econômico, condenando à bancarrota negócios despidos dos coeficientes mínimos de institucionalidade séria e segura. Todavia, respeitadas as muitas particularidades de cada tecnologia empregada, imperativo bem calibrar o grau das restrições e o custo efetivo dos novos deveres legais impostos às empresas, evitando indevida e inconstitucional supressão da livre iniciativa (art. 170, CF/88) por desproporcionalidade e excesso regulatório. Em outras palavras, no caso, a arquitetura da norma é tão importante quanto sua necessária substância.
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Ilustrativamente, o fiel e integral cumprimento da Circular-Bacen n° 3978/2020, que dispõe sobre procedimentos e controles internos para fins de prevenção a crimes de lavagem ou ocultação de bens e direitos, poderá se revelar impraticável a muitos negócios embrionários, ainda mais se não houver prazo de implementação razoável. Embora o metódico registro das operações, produtos e serviços contratados seja imposição regulatória acertada, o desenvolvimento de políticas e processos avaliação interna de riscos, bem como a devida diligência na identificação, qualificação e classificação da clientela, além de governança corporativa madura, exige tempo de desenvolvimento e investimentos gerenciais não desprezíveis. A própria obrigatoriedade de comunicação de operações ou situações suspeitas de lavagem de dinheiro ao COAF exige implantação de estruturado mecanismos de monitoramento, seleção e análise operacional, de forma a evitar denúncias prematuras ou indevidas, passíveis de responsabilidade civil. Ainda, no emaranhado sancionatório, quando não efetivado o dever informacional ao COAF, poderá restar aberta a porta da conivência criminal ou, se descaracterizado o tipo penal, a falta administrativa grave.
Por tudo, em uma economia de mercado de competição séria em paridade de armas, a tecnologia não pode ser subvertida em instrumento oculto de favorecimento do crime. No entanto, efetivas medidas prudenciais – como o próprio nome já diz – exige prudência e, fundamentalmente, uso inteligente e adequado das alavancas legais pertinentes. Eventual pressa ou populismo regulatório, além de manchetes passageiras, apenas sinalizará numerosos e, quiçá, mais graves problemas jurídicos à frente, em um círculo vicioso de inefetividade normativa, insegurança jurídica e institucionalidade defectiva.