O Brasil vive um paradoxo: enquanto celebra a manutenção da renovabilidade da sua matriz elétrica com expansão das fontes renováveis, cresce o número de usinas que precisam ser desligadas por excesso de energia no sistema. Esse fenômeno, conhecido como curtailment, é hoje um dos maiores desafios da transição energética e ameaça a competitividade da indústria nacional.
Nos últimos 15 anos, o avanço dos parques eólicos, solares e da mini e microgeração distribuída, impulsionado pela queda dos custos e por subsídios generosos, gerou uma oferta de energia muito superior à demanda em diversos momentos do dia. O resultado tem sido o aumento de cortes forçados de geração.
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Segundo estimativas da associação Abrace Energia, até setembro de 2025 o impacto financeiro acumulado desses cortes ultrapassa R$ 4,4 bilhões. Somente neste ano, a geração solar sofreu cortes médios de 25%, e a eólica, de 15%. O problema, que afeta diretamente os geradores, mas também indústrias com projetos de autoprodução, tende a se agravar pelo menos até 2029.
No calor das crises do setor elétrico, o padrão das propostas para “solução” se repete: correr para o Congresso Nacional defendendo que riscos e custos sejam repassados aos consumidores de energia. Proposta absurda que fere a lógica econômica e regulatória do setor elétrico. Investimentos privados envolvem riscos próprios e não devem ser socializados, sob pena de criar novos subsídios e distorções de preço.
A maior parte dos cortes decorre simplesmente pela falta de consumo nos horários de maior geração, e outra parte, de restrições na rede de transmissão ou por falta de adequações técnicas nos equipamentos dos próprios geradores. Neste último caso, é possível avançar em aprimoramentos onde parte dos riscos possam ser compartilhados entre todos os agentes, mas jamais transferidos apenas aos consumidores. Assim como indústrias que enfrentam limitações para se conectar à rede não são indenizadas, não é razoável que prejuízos de geradores sejam pagos por toda a sociedade.
Para reduzir distorções e dar previsibilidade ao mercado, é urgente que a Aneel conclua uma consulta pública que vem debatendo o tema desde 2019, onde propõe regras mais transparentes e equitativas para os cortes de geração. Entretanto, o debate atual no regulador é um pedaço da solução que não envolve o segmento da micro e minigeração distribuída, hoje com uma capacidade instalada magnífica, superior a 20% de todo potencial instalado no Brasil.
Assim como as grandes fontes de geração renovável foram pesadamente subsidiadas, a geração distribuída continua sendo, e por isso cresceu exponencialmente beneficiando milhões de famílias e pequenos e grandes negócios. Entretanto essas pequenas fontes de geração por serem dispersas não estão expostas a nenhum tipo de controle central, ampliando cada vez mais o risco sistêmico para ocorrência de novos blecautes.
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Por este motivo, tanto a legislação como a regulação do setor elétrico precisam avançar para garantir que todos os agentes do setor participem da solução na proporção que cada um da causa. E ir além! É necessário modernizar os sinais econômicos — garantindo que o preço da energia reflita os custos reais do sistema — e ajustar as tarifas para incentivar respostas eficientes de consumo e geração. Sendo que uma grande oportunidade para avançar no tema com equilíbrio, sem novos aumentos no custo da energia elétrica para os consumidores, está na mão do senador Eduardo Braga, relator da Medida Provisória nº 1.304/25, que justamente tem como objetivo conter a explosão das tarifas de energia.
O Brasil pode e deve continuar ampliando sua matriz limpa sem comprometer a segurança elétrica ou penalizar o setor produtivo. Para isso, é fundamental que a transição energética seja guiada por critérios técnicos e econômicos, e não por soluções que transferem riscos empresariais a conta de luz. Esse custo voltará dobrado para o conjunto da sociedade por meio de aumentos nos produtos e serviços consumidos no dia a dia.