Três propostas para a revisão da estratégia regulatória do CNJ – parte 3

Este ensaio, dividido em três partes, apresenta três eixos de propostas para o aprimoramento da atividade regulatória do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

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A primeira parte do ensaio foi dedicada a abordar o tema da competência normativa do Conselho, expor um panorama sobre sua produção normativa e apresentar o primeiro eixo de propostas, sobre a atualização do estoque regulatório e a consolidação dos atos normativos já editados.

A segunda parte foi destinada a apresentar o segundo eixo, a respeito do processo de elaboração de novos atos normativos pelo Conselho Nacional de Justiça.

Esta parte final cuida do terceiro eixo de propostas, referente ao acompanhamento da efetividade e da qualidade das políticas de administração judiciária criadas pelo Conselho Nacional de Justiça, além de apresentar as conclusões do ensaio.

Acompanhamento da efetividade e da qualidade das políticas de administração judiciária

Parece ser estratégico para o aperfeiçoamento da administração judiciária a extensão, também às Resoluções e Recomendações editadas pelo Conselho, da diretriz prevista no art. 1.069 do CPC quanto à avaliação periódica dos resultados promovidos pelo Código.

A medida pode ser concretizada a partir do trabalho já realizado pelo Conselho na obtenção de estatísticas do Judiciário, especialmente para a consolidação do Painel de Monitoramento dos Indicadores de Desempenho da Estratégia Nacional do Poder Judiciário[1], bem como pela atuação desenvolvida pela Rede de Pesquisas Judiciárias, criada pela Resolução n. 462/2022, e por instituições acadêmicas.

O relatório Justiça em Números oferece subsídios para a avaliação das políticas de administração judiciária e dos arranjos institucionais criados pelo Conselho Nacional de Justiça, mas, em muitos casos, os dados coletados ainda são insuficientes para uma adequada análise quanto ao seu sucesso.

Como exemplo, o Justiça em Números 2025 (ano-base 2024) noticia a existência de cerca de 400 Núcleos de Justiça 4.0 no Brasil[2], mas não reúne informações sobre as justificativas para sua criação, a evolução do quantitativo de casos, a ocorrência de eventuais alterações de competência (material e territorial) ou de descontinuidade em sua utilização e os relatórios que devem ser produzidos periodicamente pelos tribunais a respeito do funcionamento dos Núcleos (art. 6º, Resolução n. 385/2021 do CNJ).

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A utilização de mecanismos de acompanhamento (follow up), a exemplo da avaliação de resultado regulatório[3], prevista no Decreto n. 10.441/2020, permite a análise e o monitoramento de políticas de administração judiciária, a identificação de eventuais imperfeições em sua elaboração, a verificação quanto à obtenção ou não dos resultados esperados e à necessidade de realização de reconfigurações ou, mesmo, de sua descontinuidade[4].

O acompanhamento das políticas de administração judiciária deve considerar não apenas índices quantitativos (como número de processos e tempo para sua conclusão), mas também qualitativos, com a análise de satisfação das finalidades projetadas, por exemplo, quando da elaboração de novos arranjos institucionais. Para isso, podem ser adotados como referência os critérios utilizados pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ) nas Guidelines on the evaluation of the quality of work of judges[5], publicadas em 2024.

De acordo com os resultados obtidos, novas abordagens podem ser experimentadas[6] para o aperfeiçoamento da administração judiciária, por meio, por exemplo, da incorporação de sunset clauses em futuros atos normativos. A utilização dessa técnica permite a automática cessação da vigência da nova disciplina normativa após determinado período, exceto se houver, a partir de deliberação fundamentada à luz dos dados sobre os resultados alcançados, prorrogação da sua aplicação[7], medida que também contribui para a atualização contínua do estoque regulatório.

Combinadas, essas iniciativas colaboram para o desenvolvimento de um paradigma de atividade regulatória baseada em evidências[8] no âmbito da administração judiciária.

Conclusões

A expansão da atividade normativa do Conselho é notável: mais da metade das suas Resoluções foi editada nos últimos cinco anos. De maneira geral, o exercício da competência normativa do Conselho Nacional de Justiça tem produzido bons resultados para o sistema de justiça brasileiro, embora também seja possível identificar alguns excessos e inadequações pontuais.

O marco histórico da comemoração dos vinte anos de instalação do Conselho Nacional de Justiça é momento propício para uma reflexão, pela academia e pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, a respeito da preservação da unidade e da coerência entre os múltiplos atos normativos e da eficiência dos institutos criados ou regulados no extenso número de resoluções e recomendações.

Há, ao menos, três perspectivas que merecem consideração:

a) a atualização do estoque regulatório e a consolidação dos atos normativos já editados, a fim de permitir a 1) identificação de atos normativos obsoletos ou cujos efeitos já foram exauridos, a.2) avaliação quanto à conveniência da consolidação, em diploma único, de atos normativos sobre matérias idênticas ou correlatas e a.3) verificação de possíveis redundâncias, contradições ou inconsistências ― entre diferentes atos normativos ou em relação à Estratégia Nacional do Poder Judiciário.
b) o processo de elaboração de novos atos normativos, para a 1) promoção de maior participação, por meio da adoção de audiências ou consultas públicas e b.2) adoção, como regra, da Análise de Impacto Regulatório como procedimento preparatório à edição de determinadas normas tendencialmente capazes de provocar maior repercussão no sistema de justiça e
c) o acompanhamento da efetividade e da qualidade das políticas de administração judiciária, com a adoção de 1) mecanismos de acompanhamento, a exemplo da avaliação de resultado regulatório, c.2) incorporação também de critérios qualitativos para análise das políticas de administração judiciária e c.3) técnicas de regulação experimental, associadas ao exame de efetividade de tais políticas.

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[1] Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/painel-de-monitoramento-da-estrategia/>.

[2] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2025. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2025, p. 595.

[3] O art. 2º, III, do Decreto n. 10.441/2020 define a avaliação de resultado regulatório como a “verificação dos efeitos decorrentes da edição de ato normativo, considerados o alcance dos objetivos originalmente pretendidos e os demais impactos observados sobre o mercado e a sociedade, em decorrência de sua implementação”.

[4] No âmbito do Poder Executivo, o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, regulado pelo Decreto n. 11.558/2023, é responsável por analisar a eficácia, a efetividade e a eficiência das políticas públicas para que obtenham melhores resultados e impactos aos usuários da política e à sociedade.

[5] Disponível em: <https://www.coe.int/en/web/cepej/cepej-work/quality-of-justice>.

[6] Sobre a experimentação no Direito Administrativo brasileiro, confira-se MODESTO, Paulo. Direito Administrativo da experimentação: inovação e pragmatismo na gestão pública. São Paulo: Juspodivm, 2024. Sobre as diferentes modalidades de experimentos jurídicos e a utilidade dos experimentos processuais, vide DIDIER JR., Fredie; FERNANDEZ, Leandro. O Conselho Nacional de Justiça e o Direito Processual: administração judiciária, boas práticas e competência normativa, cit., p. 159-168. Cf, ainda, PASCUAL, Gabriel Doménech. “Los experimentos jurídicos”. Revista de Administración Pública, n. 164, 2004.

[7] RANCHORDÁS, Sofia Hiná Fernandes da Silva. Sunset clauses and experimental legislation: blessing or curse for innovation? Tese (Doutorado). Tilburg: Tilburg University, 2014, p. 69 e 74-75.

[8] O art. 3º, II, do Decreto n. 12.150/2024 estabeleceu a atividade regulatória baseada em evidências como uma das diretrizes da Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória.

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