Do marco legal à competitividade: o gás que o Brasil precisa para a reindustrialização

O Brasil produz volumes expressivos de gás natural, mas grande parte ainda não chega ao mercado. Em julho de 2025, cerca de 51,4% da produção total, equivalente a 97 milhões de m³/dia — foi reinjetada nos poços, de acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

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E o motivo principal para que esse potencial não seja devidamente aproveitado é a insuficiência de infraestrutura de escoamento, processamento e transporte.  O resultado é um “mercado bloqueado”: o gás existe, mas não chega às indústrias que dele dependem para crescer e gerar empregos.

A lacuna não está na falta de marco legal – a Lei nº 14.134, de 8 de abril de 2021 (chamada Nova Lei do Gás por suceder a Lei nº 11.909/2009) foi um passo importante. Sancionada após ampla discussão no Congresso Nacional, a legislação trouxe para o setor princípios de concorrência, transparência e livre acesso às infraestruturas. Contudo, quase cinco anos após sua aprovação, o mercado de gás natural ainda não atingiu o nível de competitividade esperado.

O que acontece é que a intenção da lei é boa, mas falta avançar na sua implementação. O país ainda sente falta de instrumentos que assegurem acesso competitivo às infraestruturas e uma regulação mais ágil, integrada e previsível.

Uma das questões cruciais está na malha de transporte, que é menor do que na Argentina, com cerca de 9,5 mil quilômetros no Brasil contra mais de 16 mil quilômetros na nação vizinha. Essa malha segue concentrada em poucas regiões e carece de uma revisão da base regulatória de ativos (BRA) que assegure tarifas coerentes com os investimentos já amortizados.

A revisão tarifária em andamento será o verdadeiro teste de coerência da regulação do transporte de gás natural. Segundo análise do Ministério de Minas e Energia (MME), com base em estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a aplicação correta da depreciação dos ativos e da remuneração do capital investido indicaria uma redução de pelo menos 50% nas tarifas atuais.

Caso o resultado da revisão não reflita essa queda, caberá à ANP explicar de forma transparente as razões, à luz das condições jurídicas e regulatórias que orientam o processo de revisão tarifária. O objetivo deve ser assegurar um sistema tarifário transparente, competitivo e alinhado às diretrizes do MME, promovendo um mercado de gás mais integrado e acessível a toda a economia.

O MME recolocou o tema em pauta ao priorizar o aumento da oferta e a redução do preço do gás natural. Essa meta é estratégica não apenas para o setor energético, mas para toda a economia – energia mais competitiva significa uma indústria mais forte, empregos de qualidade e maior arrecadação para União, Estados e municípios.

Outra questão a ser resolvida, essa de ordem operacional, é a falta um operador independente do sistema que garanta o uso neutro e isonômico da malha de transporte, nos moldes do que já ocorre no setor elétrico. Uma alternativa possível seria vincular essa função a uma diretoria específica a ser criada no Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), entidade pública responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica em todo o País.  Com a devida adaptação institucional, o ONS poderia exercer também a função de operador do sistema de transporte de gás, assegurando neutralidade, eficiência e integração entre as infraestruturas energéticas.

Para atingir esses objetivos, é preciso enfrentar causas estruturais, e não apenas sintomas. São pelo menos quatro as medidas fundamentais:

Revisar metodologias tarifárias (como o LRCap e a BRA), auditando ativos amortizados e eliminando distorções que travam a competição;
Criar um operador independente do sistema de transporte, assegurando transparência e neutralidade no acesso;
Avaliar a possibilidade de integrar a operação do sistema de gás ao ONS, com regras específicas e separação funcional, garantindo imparcialidade e eficiência;
Integrar o planejamento energético, conectando o gás aos setores elétrico, de fertilizantes e de transporte pesado.

O Brasil tem recursos, legislação e mercado potencial. O que falta é conectar esses elementos com coerência, segurança jurídica e visão estratégica.

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O avanço do mercado de gás depende menos de novas leis e mais de execução coordenada e pragmática. O sucesso será medido não pelo número de resoluções, mas pela redução efetiva do preço do gás e pelo fortalecimento da competitividade industrial.

É hora de transformar o marco legal em resultados concretos para o país, com a expansão da infraestrutura e uma oferta de gás natural capaz de sustentar a reindustrialização e o crescimento econômico do Brasil.

Se bem implementada, a chamada Nova Lei do Gás pode se tornar uma alavanca para o desenvolvimento, a transição energética e a reindustrialização, garantindo o gás que o Brasil precisa para competir e crescer.

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