A quem interessa a falsa narrativa e a distorção dos números sobre as fontes térmicas?

Estamos vendo na mídia algumas críticas contra a geração térmica a carvão mineral no Brasil. Um dos argumentos é que o carvão é subsidiado via a conta CDE.  Na verdade, a manutenção da cadeia produtiva do carvão mineral nacional (mina, usina, transporte e cimento) é feita por um mecanismo financeiro que está no artigo 13 da Lei 10438/02. Analisando a política pública contida na Lei, os 1.090 MW instalados no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, de 2006 a 2023, representaram uma economia, via CDE, R$ 15 bilhões nas contas de luz. Na simulação dos contratos das usinas térmicas previstos de 2025 a 2050, a economia ao setor elétrico e ao consumidor seria de R$ 23 bilhões ou 0,32 R$/MWh (fonte: Thymos Energia). Importante também ressaltar que esses novos contratos não terão mais o mecanismo da CDE. Além disso, em caso de descontratação das térmicas a carvão, a região Sul, importadora de energia, terá que reforçar a transmissão, aumentando o CAPEX cobrado na conta do consumidor, onerando sua tarifa.

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Outro argumento refere-se à emissão de gases efeito estufa. A verdade é que as térmicas a carvão nacional têm impacto irrelevante nas emissões nacionais. Suas emissões de CO2 representam apenas 0,3 % do total das emissões brasileiras. No caso do Rio Grande do Sul, as térmicas em operação representam somente 5 % das emissões do estado. Aliás, ao contrário da argumentação desonesta que tenta relacionar o carvão com as enchentes que assolaram os gaúchos no ano passado, as térmicas garantiram o fornecimento de energia nos momentos mais críticos da tragédia.

Também não faz sentido dizer que a manutenção do carvão até 2050 vai contra o Acordo de Paris. Ao contrário, manter as térmicas e a indústria do carvão se alinha ao que foi definido naquele documento: garantir o tempo e os recursos financeiros necessários para transição energética justa. Para garantir a concretização dessa transformação socioeconômica regional será preciso um novo modelo energético de baixo carbono, que se processe de forma serena, planejada e inclusiva nas regiões carboníferas do Brasil. Essa é a melhor tradução para transição energética justa. É manter a indústria carbonífera, os empregos e a renda, com baixas emissões de carbono, sendo neutro em gases de efeito estufa em 2050. E isso é estar alinhado com a Política de Mudanças Climáticas do Brasil (Lei 12.187/2009) e o com o documento assinado pelo Brasil no Acordo de Paris.

Mais do que isso, até 2050, a manutenção das térmicas a carvão prevista nos contratos significará uma receita de impostos de R$ 40 bilhões e uma movimentação de R$ 27,5 bilhões de salário e renda. O valor adicionado na economia brasileira será de R$ 107,5 bilhões em 40 Municípios do sul do país. Serão mantidos na cadeia produtiva (mineração, transporte, usina e cimento) 36,2 mil pessoas direta e indiretamente (Fonte Dieese). A continuidade da indústria do carvão também evitará o aumento do custo do cimento, que usa a cinza das termelétricas e ajuda a reduzir a pegada de carbono deste setor.

Haverá também um investimento de cerca de R$ 3,5 bilhões em CAPEX na operação das usinas até 2050, movimentando a economia nacional da indústria metal-mecânica. A garantia de contratos de energia de longo prazo permite ainda que novas indústrias, como a produção de fertilizantes nitrogenados, possam ser acopladas nas usinas térmicas, reduzindo as emissões de SO2 e de CO2. Ou seja, esses contratos de venda de energia elétrica podem viabilizar a neutralidade de gases de efeito estufa antes mesmo de 2050.

Todas essas considerações são ignoradas pelos críticos das térmicas no Brasil, mas estão na pauta das grandes discussões internacionais sobre transição energética. Durante uma reunião sobre o tema, em Paris, na semana passada, foi possível perceber a preocupação geral com o crescente aumento na demanda por energia e a necessidade de se utilizar, cada vez mais, todas as fontes disponíveis. A questão da transição já está sendo superada pela urgência da adição energética. Não se fala mais em extinguir, mas em buscar todas as fontes possíveis para atender a explosão de três fenômenos mundiais: o crescimento da inteligência artificial, o ingresso de milhões de asiáticos no mercado de ar-condicionado e o vertiginoso aumento na circulação de carros elétricos.

Olhando esse cenário internacional e analisando as informações da Agência Internacional de Energia (IEA), podemos perceber a crescente importância da geopolítica nas questões energéticas. Em muitos casos, segurança energética é uma questão de segurança nacional. Nesse processo estão incluídos a cibersegurança, os minerais críticos e a manutenção da cadeia de suprimentos. No mercado de petróleo temos a demanda em desaceleração e um aumento maciço na oferta, com o ‘quinteto americano’ (EUA, Canadá, Brasil, Argentina e Guiana) como fonte de nova produção de petróleo. Vemos, também uma enorme onda de GNL está chegando, transformando-o em um mercado de compradores.

Temos ainda o aumento massivo das energias renováveis, com 80% desse crescimento vindo da energia solar. Fica claro o enorme desafio das energias renováveis, incluindo integração na rede e concentração da cadeia de suprimentos. A consequência dessa dependência é o explícito experimento renovável intermitente, que se traduz em insegurança elétrica. O experimento traz a chamada ‘idade da eletricidade’, com um crescimento espetacular, já citado acima, dos três principais motores desta demanda: ar-condicionado, inteligência artificial e carros elétricos.  Os problemas que estamos lidando não são apenas conceitos abstratos eles estão no centro do desenvolvimento a humanidade.

O mundo está entrando na era da eletricidade, marcada por um crescimento espetacular desta demanda, inclusive em economias avançadas (EUA, Europa, Japão) onde o consumo esteve estagnado por até 15 anos. O potencial de crescimento nas vendas de aparelhos de ar-condicionado, por exemplo, pode ser medido pelos números desse setor nos países em desenvolvimento. Países como a Nigéria, Indonésia e índia – onde a eletricidade começa a chegar para uma população que cresce exponencialmente e o consumo desses aparelhos ainda fica entre 5% a 20% – mostram o tamanho desse mercado em expansão, enquanto nos países desenvolvidos como Japão e EUA já está em 90 %.

Outro fator explosivo para o consumo de energia, a inteligência artificial requer data centers que consomem enormes quantidades de eletricidade 24 horas por dia. Um data center de médio porte consome o equivalente a uma cidade com cem mil pessoas. Seu crescimento pode ser tão exponencial que não existe nenhuma previsão confiável sobre esse número. Da mesma forma, a procura por carros elétricos aumenta cada vez mais. Há quatro anos, esses veículos representavam 4% das vendas mundiais; este ano, são 25%, puxadas pela China, que domina a cadeia de produção. Ao impulsionar de forma imprevisível a demanda mundial por eletricidade, o crescimento contínuo desses três equipamentos torna a segurança elétrica um fator crítico, visto o exemplo do apagão da península ibérica, em maio deste ano.

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Os minerais críticos são outro tópico de crescente importância para a segurança energética e a indústria. Minerais (lítio, cobre, terras raras, etc.) são vitais para a energia, fabricação de carros e drones e toda a indústria de defesa. Atualmente, há uma alta concentração na mineração, processamento e refino desses materiais na China e Indonésia. Se um desses países decidir interromper o fornecimento, haverá sérias implicações para a indústria de defesa e energia. É crucial aumentar o número de players no mercado de minerais críticos para evitar a repetição de dependências, como a que a Europa teve em relação ao gás da Rússia. A principal regra para a segurança energética é a diversificação. Por tudo isso, devemos ter uma visão pragmática do cenário mundial e brasileiro para poder definir as políticas públicas, deixando de lado as narrativas e ações neocolonialistas defendidas por grupos de interesse que se sobrepõe à soberania e ao desenvolvimento do Brasil. Afinal, a quem interessa mesmo essa narrativa contra nosso patrimônio mineral e as fontes térmicas?

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