“Não sabemos o que é justo, mas sabemos que a ineficiência é sempre injusta”,1 assim se manifesta Ivo Gico Jr ao explicar metodologia da análise econômica do direito. Essa frase explica bem o caminho trilhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ação declaratória de inconstitucionalidade nº 7.265.
Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor
O Tribunal reconheceu a legalidade da obrigação de fornecimento de tratamentos ou procedimentos fora do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mas determinou algumas condições, como a prescrição por médico ou odontólogo, ausência de alternativa terapêutica adequada, comprovação de eficácia e segurança do tratamento e registro na agência nacional de vigilância sanitária (Anvisa).
Por último, o Tribunal impôs como condição a inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise em proposta de atualização do rol. Este derradeiro requisito talvez seja o elemento inovador no tema. Algumas publicações destacaram o favorecimento aos planos de saúde e residualmente para os beneficiários; a maior colaboração do STF, contudo, foi para o estímulo a uma discussão mais técnica e rápida.
A ANS é a autarquia responsável pela defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. Em sua visão de futuro, o planejamento estratégico da autarquia prevê a nobre meta de ser “referência pela excelência técnica e qualidade da produção de saúde”.
É intuitivo que a autarquia desenhada especialmente para atuação na saúde suplementar seja reconhecida como a instituição com maior capacidade técnica para avaliar a pertinência da incorporação de tratamentos ou procedimentos dentro do rol de cobertura obrigatória. Entre continuar com o nível atual de judicialização sobre o tema ou buscar uma saída mais rápida e mais assertiva, o STF viu na ANS a autarquia capaz de liderar esta segunda opção.
O sucesso da decisão do STF depende da própria ANS. É a oportunidade da Agência de mostrar a todos que aceita a deferência a ela outorgada pelo Tribunal mais elevado no nosso país e a oportunidade para ser reconhecida como a autarquia referência em saúde para a população brasileira.
“É imprescindível que a Administração Pública estabeleça um contínuo processo de aprimoramento de normas de organização e procedimento”, expressou o Ministro Gilmar Mendes no voto condutor do julgamento do recurso extraordinário nº 566.471/RN, quando o STF reconheceu que o fornecimento de medicamento pelo sistema único de saúde deve passar pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) antes da determinação de inclusão pelo Poder Judiciário.
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O desafio agora também está com a ANS. E ele não é pequeno. Do lado dos beneficiários, interessa ao final que a decisão seja emitida no menor tempo possível, pouco importa se da ANS ou do Poder Judiciário. O tempo médio do primeiro julgamento na Justiça Estadual é de 251 dias, menor taxa histórica desde 20202. O prazo é superior ao previsto pela Lei nº 14.307/2022 para a Agência proferir alguma decisão a respeito da incorporação de tratamentos ou procedimentos: 180 dias.
Do lado das operadoras, interessa que a ANS incorpore tratamentos e procedimentos de menor custo possível. E é correto que a avaliação não omita o impacto econômico no mercado afinal um dos objetivos da Agência é proteger o equilíbrio econômico-financeiro do mercado de saúde suplementar. A apreciação da Agência deve passar pela avaliação dos benefícios e custos e o impacto financeiro de determinada decisão para as operadoras.
Esta observação requer muito cuidado na sua leitura para evitar a captura da agência pela visão exclusivamente privada ou forjar uma crise onde se requer apenas ponto de atenção. Dados da ANS indicam que as provisões das operadoras nos últimos 12 meses para despesas judiciais com eventos não cobertos foram de R$ 2,18 bilhões, inferior a 1% a eventos indenizáveis das operadoras.3
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Tampouco se pode reproduzir de modo automático o critério de limiar de custo-efetividade adotado recentemente pela Conitec como critério para incorporação de tecnologias no SUS. Os recursos são escassos tanto no SUS quando no mercado de saúde suplementar; a fonte de recursos do sistema público e a cobertura obrigatória a eventos indiscriminados a qualquer pessoa, mesmo que a estrangeiro, impõem restrições mais agudas do que no mercado privado. O critério de limiar de custo-efetividade é um ponto de partida, uma fonte de inspiração, apenas.
Ótimo de Pareto é uma expressão usualmente encontrada na literatura especializada da análise econômica do direito para indicar que determinada situação encontrou uma situação de equilíbrio. Talvez a judicialização da saúde tenha encontrado um quadro em que não exista nenhuma outra alocação de recursos mais eficiente.
O uso do talvez não ocorre apenas por estilo. Espera-se com esta decisão que a deferência do Supremo Tribunal Federal à autarquia seja justificada e ela exerça a função de regente na saúde suplementar. Tal como na comédia que leva o nome deste artigo, e da delegação entregue a Ângelo pelo Duque, os próximos meses serão de observação de como se conduzirá a ANS.
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1 GICO JR, Ivo T. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. In: Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, 2010.
2 Conselho Nacional de Justiça. Painel Saúde. Disponível em https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-saude/. Acesso em 7 de outubro de 2025.
3 Agência Nacional de Saúde. Atlas Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar. Rio de Janerio: ANS, 2025. Disponível em https://www.gov.br/ans/pt-br/acesso-a-informacao/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor.