Redata e a MP 1.318/2025: incentivos fiscais, soberania e análise econômica do direito

A Medida Provisória nº 1.318, de 17 de setembro de 2025, representa um marco estratégico para a política de inovação e infraestrutura digital no Brasil. Seu eixo central é a criação do Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter (Redata), inserido na Lei nº 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem, ao lado de regimes já existentes como o Repes e o Recap. O objetivo do novo regime é estimular a instalação, ampliação e modernização de datacenters no território nacional, com vistas a fortalecer a soberania digital do país, reduzir a dependência de serviços estrangeiros e criar condições fiscais competitivas para atrair investimentos privados no setor.

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O Redata tem abrangência ampla e atualizada, reconhecendo como serviços de datacenter aqueles dedicados ao armazenamento, processamento e gestão de dados e aplicações digitais, incluindo computação em nuvem, processamento de alto desempenho, inteligência artificial e serviços correlatos. A medida prevê tanto a habilitação de empresas que instalem ou ampliem datacenters, quanto a coabilitação de pessoas jurídicas que forneçam bens de tecnologia da informação e comunicação destinados ao ativo imobilizado desses centros. A coabilitação, entretanto, depende de vínculo contratual com a empresa habilitada e cessa automaticamente quando esse vínculo se desfaz.

Acerca da adesão ao regime, pontua-se que este exige regularidade fiscal e a inexistência de registro no Cadin, sendo vedada às empresas optantes do Simples Nacional – fato que pode afastar a atuação no setor de startups ou de pequeno produtores inovadores. Ou seja, a medida, de certa forma, dificulta neste ponto a entrada de atores ou de agentes econômicos de menor porte.

Mais do que um privilégio fiscal, a habilitação pressupõe compromissos robustos e cumulativos por parte das beneficiárias. Entre eles, a disponibilização mínima de 10% da capacidade instalada ao mercado interno, vedada a exportação ou o uso próprio em caso de existência de demanda doméstica; o cumprimento de critérios de sustentabilidade a serem definidos em regulamento; a exigência de que toda a demanda de energia seja suprida por fontes limpas ou renováveis; a apresentação anual de um índice de eficiência hídrica (WUE) igual ou inferior a 0,05 L/kWh; e o investimento mínimo de 2% do valor dos equipamentos adquiridos com benefício do regime em pesquisa, desenvolvimento e inovação, em parceria com instituições científicas e tecnológicas, universidades, empresas públicas de base tecnológica ou entidades qualificadas.

Há ainda a possibilidade de substituir a obrigação de disponibilizar capacidade ao mercado por um aporte adicional de 10% em pesquisa e inovação. Para datacenters localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, essas exigências são flexibilizadas em 20%, reforçando a função regionalizadora da política.

Em contrapartida, o regime suspende a cobrança de PIS/Cofins, PIS-Importação, Cofins-Importação, IPI e Imposto de Importação sobre bens de tecnologia da informação e comunicação adquiridos ou importados para o ativo imobilizado dos datacenters. Essa suspensão se converte em alíquota zero quando os compromissos de sustentabilidade e investimento são cumpridos e os bens incorporados definitivamente ao ativo imobilizado. No caso das coabilitadas, a conversão ocorre após a entrega do produto à empresa habilitada.

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Há, porém, restrições: o IPI não é suspenso para produtos fabricados na Zona Franca de Manaus e o Imposto de Importação só se aplica a componentes sem similar nacional ou também industrializados na ZFM, desde que listados em ato do Executivo. Os bens passíveis de suspensão, uma vez definidos, só poderão ser ampliados, não restringidos, garantindo previsibilidade regulatória.

A MP estabelece ainda mecanismos rigorosos de fiscalização e penalidade. O descumprimento das obrigações de sustentabilidade e investimento gera a obrigação de recolher integralmente os tributos suspensos, acrescidos de juros e multa. O não atendimento à exigência de disponibilização de capacidade ao mercado interno acarreta suspensão imediata dos benefícios para novas aquisições, podendo resultar no cancelamento da habilitação após 180 dias, com vedação de nova adesão pelo prazo de dois anos. Além disso, 40% dos recursos de P&D exigidos devem obrigatoriamente ser destinados a programas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, reforçando a desconcentração geográfica dos investimentos.

Salienta-se que o regime tem vigência de cinco anos, em consonância com o art. 139 da Lei nº 15.080/2024. Os incentivos fiscais relativos a PIS/Cofins e IPI produzirão efeitos até 31 de dezembro de 2026, respeitando os limites estabelecidos pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e pela Lei Complementar nº 214/2025. Aliás, acerca deste prazo de duração anual, é de bom tom ressaltar que essa curta duração traz como consequência lógica a retração ou a limitação de investimentos de longo prazo, somando-se, ainda, ao aumento de insegurança regulatória. A Medida Provisória também promove alteração na Lei nº 15.211/2025, destinando, por cinco anos, os valores arrecadados com multas aplicadas com base na norma ao Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente, garantindo que recursos sancionatórios sejam canalizados para políticas públicas voltadas à proteção infantojuvenil.

Sob a ótica da Análise Econômica do Direito, o Redata revela virtudes e desafios. Do ponto de vista da eficiência alocativa, busca corrigir falhas de mercado ao reduzir a carga tributária de um setor no qual o Brasil possui desvantagem competitiva, dado que a operação doméstica é mais custosa que no exterior. Trata-se de um instrumento para internalizar serviços hoje externalizados, com potencial de fortalecer a soberania digital e reequilibrar a balança de pagamentos. No entanto, as contrapartidas exigidas — especialmente a obrigação de disponibilizar capacidade ao mercado interno e de cumprir padrões elevados de sustentabilidade — podem gerar custos de transação elevados e restringir a adesão ao regime, beneficiando apenas grandes players capazes de absorver esses encargos. Nesse sentido, há um trade-off entre eficiência estática (redução imediata de custos e atração de investimento) e eficiência dinâmica (promoção de inovação e sustentabilidade em longo prazo).

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A estrutura de penalidades também merece análise. O recolhimento integral de tributos suspensos, com juros e multa, em caso de descumprimento, cria um forte incentivo à conformidade. Contudo, a AED alerta para o risco de efeitos adversos: empresas podem preferir abandonar projetos ou judicializar disputas em busca de renegociações, aumentando a litigiosidade e os custos de transação. Além disso, a vedação de nova adesão por dois anos, após cancelamento, funciona como barreira de reentrada que pode comprometer a flexibilidade do regime.

Em síntese, a MP 1.318 tenta equilibrar incentivos fiscais relevantes com exigências ambientais e tecnológicas rigorosas, configurando um instrumento estruturante para o desenvolvimento da economia digital no Brasil. Pela lente da Análise Econômica do Direito, é possível enxergar ganhos potenciais em termos de eficiência e inovação, mas também riscos de concentração de mercado, de baixa efetividade redistributiva e de judicialização. O resultado líquido em bem-estar social dependerá menos do texto legal e mais da execução regulatória, da transparência no monitoramento e da capacidade estatal de corrigir distorções ao longo do tempo. O Redata se insere, assim, não apenas como um regime tributário, mas como um experimento de política pública em que eficiência econômica, sustentabilidade e soberania digital buscarão caminhar lado a lado.

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