O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, após sucessivos adiamentos, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.133.118/SP, com repercussão geral reconhecida (Tema nº 1000), que trata da aplicação da Súmula Vinculante nº 13, que veda o nepotismo na administração pública, aos cargos de natureza política – como secretários municipais, estaduais e ministros de Estado. O processo, de relatoria do ministro Luiz Fux, já foi pautado 12 vezes desde o reconhecimento de repercussão geral em 15 de junho de 2018. Sete anos depois, o julgamento, enfim, foi iniciado.
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O caso paradigma teve origem no Município de Tupã (SP), cuja lei autorizava a nomeação de parentes até o terceiro grau para o exercício de cargos políticos na estrutura do Poder Executivo local. O Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a norma inconstitucional, entendendo que a prática violava os princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa. O Município recorreu ao Supremo, sustentando que os cargos políticos possuem natureza distinta das funções administrativas e, portanto, não estariam sujeitos à restrição da Súmula Vinculante nº 13.
Ao longo dos anos, a discussão sobre nepotismo em cargos políticos se consolidou como uma das mais complexas da jurisprudência do STF. Desde a edição da Súmula Vinculante nº 13, em 2008, o Tribunal tem proferido decisões em sentidos diversos, conforme já destacado nesta coluna em artigo publicado em 2023. Em alguns precedentes, o Tribunal entendeu que a vedação não alcançaria secretários e ministros, por representarem agentes políticos cuja escolha envolve discricionariedade e confiança pessoal. Em outros, admitiu a possibilidade de controle judicial quando presentes elementos como (i) falta de qualificação técnica; (ii) inidoneidade moral ou (iii) desvio de finalidade.
Essas divergências levaram a um cenário de incerteza institucional. Enquanto parte dos tribunais locais passou a entender que a súmula não se aplicaria aos cargos políticos, outros ampliaram o alcance da vedação, considerando que o princípio da moralidade deve ser observado em todas as esferas do poder público. Essa fragmentação reforçou a expectativa de que o Tema 1.000 serviria como marco interpretativo capaz de uniformizar o entendimento nacional sobre o alcance da proibição.
No julgamento iniciado em outubro de 2025, o relator, ministro Luiz Fux, reafirmou a distinção entre cargos de natureza administrativa e cargos de natureza política, sustentando que a Súmula Vinculante nº 13 não se aplica a ministros, secretários de Estado e secretários municipais, desde que observados requisitos de idoneidade moral, qualificação técnica e ausência de nepotismo cruzado. Segundo o relator, a escolha de auxiliares diretos é ato de governo essencialmente político e está sujeita à discricionariedade do chefe do Poder Executivo.
O voto de Fux foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. A divergência foi inaugurada pelo ministro Flávio Dino, para quem a súmula não faz distinção entre cargos políticos e administrativos, e, portanto, deveria ser aplicada integralmente. O Ministro Dino ressaltou que a Lei nº 14.230/2021, que reformulou a Lei de Improbidade Administrativa, tipificou o nepotismo sem estabelecer exceção para cargos políticos, o que, a seu ver, justificaria a revisão da jurisprudência do Tribunal.
O processo deve ser concluído com a fixação de uma tese de repercussão geral, que orientará as instâncias inferiores e delimitará o alcance da súmula. A tendência, segundo o atual placar, é de consolidação do entendimento de que a vedação ao nepotismo não se aplica aos cargos políticos do Executivo, desde que não haja fraude, ausência de idoneidade ou favorecimento cruzado. A decisão, no entanto, não deve se estender ao Legislativo, ao Judiciário e aos Tribunais de Contas, esferas em que permanecem válidas, em sua plenitude, as vedações da Súmula nº 13.
Com base no que foi discutido até aqui no julgamento, outros desafios práticos podem ser considerados. Um deles diz respeito à forma de controle das nomeações, sobretudo diante dos critérios fixados pelo relator, notadamente a exigência de qualificação técnica e idoneidade moral. Será necessário definir se a verificação desses requisitos caberá às instâncias judiciais, aos órgãos de controle interno e externo ou se ficará restrita ao juízo político do chefe do Executivo.
Outro desafio será o recorte temporal da tese a ser fixada: o Supremo precisará estabelecer a partir de quando seus efeitos serão aplicáveis, considerando o impacto potencial sobre nomeações já realizadas e o risco de insegurança jurídica para as administrações em curso.
O percurso do julgamento do Tema 1.000 mostra a dificuldade de se alcançar consenso sobre questões que envolvem simultaneamente os princípios da moralidade administrativa e a autonomia política dos governantes. Foram sete anos entre o reconhecimento de repercussão geral e o início efetivo do julgamento, em meio a sucessivas pautas adiadas e mudanças na composição do Tribunal. A complexidade do tema decorre não apenas de seu conteúdo jurídico, mas também de seu potencial de repercussão prática em todos os níveis da administração pública.
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Independentemente do desfecho final, o julgamento do Tema 1.000 representa um passo importante na consolidação de parâmetros sobre a relação entre confiança política e impessoalidade administrativa. A definição do alcance da SV nº 13 em relação aos cargos políticos deverá servir de referência para futuras nomeações e para o controle exercido por órgãos judiciais e de fiscalização. Resta saber se, com a tese a ser fixada, o Supremo conseguirá reduzir o espaço de incerteza que, desde 2008, acompanha o debate sobre o nepotismo na administração pública.