A exigência de IDPJ no projeto da nova Lei de Execução Fiscal: retrocesso à vista?

O PL nº 2.488/22, que trata da cobrança judicial e extrajudicial do crédito tributário e pretende revogar a Lei de Execução Fiscal, tem como norte tornar mais célere e eficaz a cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa. Esse objetivo se coaduna com os princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo, inclusive com os introduzidos no sistema pela Reforma Tributária materializada pela EC nº 132/23, notadamente os da simplicidade e da justiça tributária.

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Contudo, um dispositivo do referido projeto parece não se adequar aos citados princípios, bem como ao regramento do CTN e do CPC. Trata-se do §5º do art. 45, segundo o qual se aplica o IDPJ “para a inclusão, no polo passivo, de coobrigados no curso do feito”. Isto é, da forma como está escrito, permite interpretação no sentido de que, em qualquer hipótese de responsabilização de terceiros, exige-se a instauração do incidente, inclusive em aparente contradição com o disposto no §3º do mesmo artigo, como será detalhado adiante.

Antes, porém, é importante fazer uma breve contextualização sobre o tema. Após o início da vigência do CPC de 2015, com a instituição do IDPJ, iniciou-se o debate sobre a necessidade ou não da sua aplicação no âmbito da execução fiscal e, passados quase dez anos, a controvérsia parece, ainda, estar distante de se encerrar.

Sobre o assunto, existem decisões de juízos de primeira instância e de tribunais apontando para várias direções: as que entendem ser o IDPJ necessário apenas para os casos que não envolvem a imputação de responsabilidade tributária, isto é, que não tem como fundamento dispositivo do CTN; outras que entendem que o IDPJ é imprescindível para quaisquer hipóteses de redirecionamento; e aquelas que concluem que o referido incidente é incompatível com o rito da execução fiscal, não podendo ser determinado em nenhuma situação de responsabilização.

Nesse cenário, acrescenta-se o julgamento do IRDR nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP pelo TRF da 3ª Região, que deixou sequelas até então incuráveis diante da falta de critério para a definição da tese, causando insegurança jurídica tanto para as Fazendas Públicas quanto para os contribuintes. A título de ilustração: o Tribunal entendeu que a responsabilização de pessoas jurídicas pelo art. 133 do CTN (sucessão empresarial) pode ser realizada nos próprios autos da execução fiscal, mas consignou que se exige o IDPJ nas hipóteses de responsabilização com base no art. 135 do CTN.

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A questão chegou ao STJ (tema repetitivo nº 1.209) e pende de definição. Enquanto isso, a decisão definitiva do TRF da 3ª Região se encontra suspensa e a matéria é decidida de acordo com o entendimento pessoal de cada julgador.

Dessa forma, não raro, na prática forense, a Fazenda Pública segue a posição do juízo de primeiro grau, que, por exemplo, pode determinar a formulação dos pedidos de redirecionamento em petição incidental nos próprios autos da execução fiscal, ocasionando o bloqueio cautelar de bens e valores dos corresponsáveis. Mas quando a questão é devolvida ao tribunal em agravo de instrumento, a depender da convicção do relator, pode haver a decisão de instauração de incidente com a consequente liberação dos ativos constritos, o que causa o esfacelamento da operação fazendária.

Não bastasse o contexto exposto, de elevada contenda doutrinária e jurisprudencial, surge o teor do atual art. 45 do PL nº 2.488/22, que em nada ajuda no debate, mas, ao revés, piora sobremaneira a situação. Pela sua importância, vejamos, primeiramente, o previsto no correspondente art. 39 do texto inicial do projeto:

Art. 39. A Fazenda Pública exequente poderá requerer o redirecionamento da execução aos responsáveis não incluídos na certidão de dívida ativa, para o reconhecimento da responsabilidade de terceiros, inclusive em decorrência do abuso de personalidade jurídica.

(…)

§ 3º. O juiz poderá determinar, liminarmente, o arresto de ativos mantidos em instituição financeira, cooperativa de crédito, fundos de investimento ou equiparada e de bens e direitos eventualmente existentes em nome dos responsáveis, bem como procederá à sua citação e inclusão no polo passivo da execução.

(…)

§ 5º. Não se aplica à execução fiscal o incidente previsto nos arts. 133 a 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Ou seja, o teor do dispositivo era claro ao apontar a inaplicabilidade do incidente ao rito da execução fiscal, mesmo nas hipóteses decorrentes de responsabilização com base exclusivamente na lei civil.

Nessa linha, o §3º permite ao juízo decidir sobre o bloqueio cautelar de bens e valores nos próprios autos da execução fiscal e incluir os responsáveis no polo passivo, citando-os. O §5º, por sua vez, retirava qualquer dúvida a respeito, ao afastar expressamente a exigência de IDPJ, complementando, pois, o teor do §3º.

No entanto, durante a tramitação do projeto na comissão temporária criada no Senado Federal, o texto foi alterado e se adotou o caminho diametralmente oposto, passando a ser disposto no §5º do art. 45 o seguinte:

§ 5º Aplica-se à execução fiscal o incidente previsto nos arts. 133 a 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) para a inclusão, no polo passivo, de coobrigados no curso do feito, admitido, porém, o bloqueio cautelar de bens do corresponsável quando houver probabilidade do direito.

Com isso, passa-se a necessitar, na redação atual do §5º, da instauração do IDPJ de forma genérica no âmbito da execução fiscal, para todas as situações de responsabilização, portanto. Ocorre que o teor do dispositivo legal, no todo considerado, foi pensado e escrito tendo em conta que o redirecionamento seria feito nos próprios autos do executivo (é o que fala o §3º, cujo texto foi integralmente mantido) e que não seria aplicável o IDPJ (conforme texto original do §5º).

Em outras palavras, atualmente, a situação é a seguinte: o §3º dispõe que o juízo pode determinar o bloqueio cautelar de bens e direitos dos responsáveis, nos autos da execução, incluindo-os posteriormente no polo passivo, mas, em contradição, o §5º prevê, de maneira ampla, a instauração de IDPJ para inclusão de corresponsáveis.

Desse modo, o que se observa é o tratamento inadequado da matéria, sem o cuidado necessário com um tema tão espinhoso, resultando numa incongruência normativa e piorando a situação em que nos encontramos.

Entendemos que, principalmente nos casos de responsabilização tributária de terceiros, que não se confundem com as situações de desconsideração da personalidade jurídica, não há que se falar em instauração de IDPJ, devendo o pedido ser feito de forma incidental nos autos da execução fiscal.

Por outro lado, caso o legislador entenda que se deve utilizar o IDPJ nas situações de responsabilização patrimonial com base na lei civil, assim o deveria prever expressamente, sem deixar qualquer margem de dúvida e diferenciando as hipóteses.

Nessa linha, em casos complexos, situados na zona cinzenta entre a responsabilização tributária e a civil, como na circunstância de haver discussão sobre a aplicação do art. 124, I, do CTN ou do art. 50 do CC envolvendo grupo econômico de fato, não se prescindiria do ajuizamento do incidente.

Não é, porém, o que prevê o texto, já que acrescenta complexidade em situações simples, a exemplo do redirecionamento ao sócio administrador por dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, o que tem sido realizado em âmbito administrativo pela PGFN através do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR), que, inclusive, é previsto no art. 17 do próprio PL nº 2.488/22, tratando-se, pois, de mais um contrassenso.

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Ao fim e ao cabo, o cerne da questão passa pelo respeito ao contraditório, com ou sem a instauração do incidente, o que é plenamente compatível com o ambiente da execução fiscal e com o direito posto. Afinal, desde a edição da Lei nº 6.830/80 é assegurado meio para que a parte executada possa exercer seu direito à ampla defesa, em especial através dos embargos à execução.

Nesse sentido, a correção no texto do PL é medida urgente, pois, caso contrário, até mesmo eventual definição da matéria no âmbito do STJ pode ser afetada por essa inovação, o que demandará novo pronunciamento da Corte, aumentando sensivelmente o caos já instalado.

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