Audiovisual, criadores e o futuro da economia criativa brasileira

O audiovisual sempre ocupou um lugar central na formação da identidade brasileira. Hoje, esse papel ganha uma nova dimensão, transformando-se também em um motor econômico, um vetor de inovação e um campo estratégico para a comunicação.

O debate sobre o PL do Streaming (conhecido como VOD), em tramitação no Congresso, por exemplo, é uma oportunidade de repensar o papel do Estado e do mercado na promoção da cultura nacional. Mas também é um alerta: qualquer regulação que não compreenda o papel dos criadores digitais e das plataformas abertas corre o risco de enfraquecer um dos setores mais vibrantes da economia contemporânea.

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A transformação digital dos últimos anos expandiu as fronteiras da criação e da distribuição de conteúdo. O que antes dependia de grandes estruturas de produção e difusão passou a caber na palma da mão e essa mudança não é apenas tecnológica, é sociocultural e econômica. O eixo de poder da comunicação passou para os criadores que produzem, financiam e distribuem conteúdo para milhões de pessoas sem intermediação.

Esse novo ecossistema — em que o valor cultural e econômico é criado de baixo para cima — representa um momento central para o audiovisual brasileiro. Por isso, discutir o seu futuro exige ir além das fronteiras tradicionais do cinema e da TV.

O desafio é construir um marco regulatório que reconheça o criador como ativo cultural e econômico, sem sufocar a pluralidade que caracteriza a internet brasileira. A produção independente, os microempreendedores digitais e os canais de comunidades locais são parte da mesma teia que sustenta o audiovisual nacional. Eles ampliam o repertório, diversificam as vozes e democratizam o acesso.

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Um dos pilares dessa economia criativa é o Programa de Parcerias do YouTube (YPP), criado em 2007 a partir de uma ideia simples, mas revolucionária: e se os criadores pudessem receber uma parte real do valor que geram?

Desde então, mais da metade da receita obtida com publicidade e assinaturas é compartilhada diretamente com criadores, artistas e empresas de mídia. Esse modelo derrubou as barreiras tradicionais de entrada no audiovisual e deu a qualquer pessoa a chance de transformar talento em negócio.

O restante da receita, cerca de 45%, é reinvestido continuamente na própria plataforma, garantindo que os criadores tenham acesso às melhores ferramentas de

produção, distribuição e monetização. Duas décadas depois, esse modelo de compartilhamento de valor permanece único no mundo e sustenta milhões de carreiras criativas. O YouTube transformou-se na segunda maior empresa investidora em conteúdo do planeta, segundo estudo da KPMG, com mais de US$32 bilhões pagos a parceiros em 2024.

No Brasil, o Relatório de Impacto 2024 mostra que o número de canais que geram mais de seis dígitos anuais em reais cresceu 30% em um ano. São músicos, comunicadores, professores, jornalistas e empreendedores que vivem de sua audiência e constroem novas indústrias culturais a partir da rede. Esse ecossistema contribuiu com mais de 4,9 bilhões de reais para o PIB brasileiro e gerou mais de 130 mil empregos diretos e indiretos no ano passado.

Como observou recentemente Ronaldo Lemos, em artigo na Folha de S.Paulo, o YouTube está se tornando a nova televisão — não por substituir a TV, mas por transformar o modo como o público consome audiovisual. Pela primeira vez, o conteúdo da internet ocupa o centro da sala de estar.

Esse fenômeno global foi objeto do estudo “Medindo a Economia Digital: Publicidade, Conteúdo, Comércio e Inovação”, do professor John Deighton, da Harvard Business School. “Antes, o que víamos na TV era decidido por executivos e programadores. Agora, vivemos um ecossistema aberto, onde o público escolhe o que quer assistir. Os criadores independentes revolucionaram o consumo de mídia”, disse, em recente entrevista ao site PlatôBR. Nos Estados Unidos, a pesquisa mostrou que a economia de criadores é a que mais cresce dentro do universo digital (7.5 vezes em comparação com 2020), sendo que mais de 1,5 milhões de americanos trabalham hoje como criadores digitais em tempo integral.

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Quando olhamos para o mercado brasileiro, a vitalidade do audiovisual local depende de reconhecer esse ecossistema como parte integrante da política cultural e econômica do país.

Esvaziar o protagonismo dos criadores seria comprometer não apenas um setor econômico pujante, mas também a própria pluralidade e representatividade de nossa cultura. Se o marco regulatório focar nos grandes players de mercado — e ignorar a importância dos criadores, as vozes locais, os canais que refletem realidades diversas — estaremos limitando o potencial de inovação, de emprego e de alcance global que já está em curso.

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