Convenções Processuais no Direito das Famílias: em busca da personalização do processo

O processo judicial contemporâneo foi reconduzido a um modelo cooperativo, no qual a atuação das partes deixa de ser puramente adversarial para assumir contornos de corresponsabilidade. Esse movimento se manifesta, entre outros aspectos, na ampliação dos espaços de autonomia privada processual.

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Uma das expressões mais relevantes dessa autonomia foi consagrada pelo Código de Processo Civil de 2015, que, por meio do artigo 190, dispôs que, nos processos que versem sobre direitos passíveis de autocomposição, as partes podem dispor sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o curso do processo. Trata-se das convenções processuais atípicas, expressão da moderna tendência de flexibilização procedimental e de valorização da autorregulação no processo[1].

Aplicação e pertinência das convenções processuais no Direito das Famílias

No Direito das Famílias, as convenções processuais assumem papel de destaque ao permitir a adequação do procedimento às particularidades das relações afetivas e patrimoniais de cada família, especialmente considerando que os litígios familiares, marcados por alta carga emocional, nem sempre se ajustam às fórmulas processuais padronizadas, exigindo flexibilidade.

Embora o Direito das Famílias frequentemente envolva direitos de natureza indisponível, o fato de muitos desses direitos admitirem autocomposição confere pleno espaço para a autonomia procedimental, legitimando a celebração de convenções processuais nesse âmbito[2].

A admissibilidade dessas convenções é reforçada por diversos fóruns de interpretação jurídica. O Enunciado 24 do IBDFAM, o Enunciado 492 do FPPC e o Enunciado 18 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF reconhecem a possibilidade de celebração de negócios processuais em pactos antenupciais[3] e contratos de convivência.

Esses entendimentos consolidam a ideia de que a autonomia processual não se limita ao campo patrimonial, mas pode ser instrumento de personalização do processo de família, tornando-o mais eficiente, colaborativo e adequado à realidade de cada contexto familiar.

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Exemplos de convenções processuais no Direito das Famílias

Mesmo diante da existência de litígio, as convenções processuais no Direito das Famílias podem ser instrumentos valiosos para adaptar o procedimento às peculiaridades de cada caso. Dentre as inúmeras hipóteses possíveis, destacam-se:

Calendarização e convenções sobre prazos processuais

As partes podem estabelecer um calendário processual (art. 191, CPC/15), definindo prazos e etapas do processo de forma compatível com a dinâmica familiar e com as particularidades da causa. Essa prática permite maior previsibilidade e celeridade na realização de atos processuais, fixando um cronograma para apresentação de documentos, estabelecendo prazos para manifestações e datas de realização de perícias e audiências, por exemplo.

Por meio de convenções processuais também é possível ajustar a forma de comunicação entre as partes, estabelecendo o uso de e-mails ou aplicativos de mensagem ou, ainda, definir que a contagem prazos se dará em dias corridos.

Cláusulas escalonadas

Outra convenção possível é a chamada cláusula escalonada, pela qual as partes criam um escalonamento de técnicas de resolução de conflitos, podendo prever, por exemplo, a obrigação de realização de mediação antes de recorrer ao Judiciário[4]. Mesmo no curso do processo judicial, as partes podem prever momentos específicos para a realização de tentativas de autocomposição. Essas práticas reforçam a lógica do art. 3º, §§2º e 3º, do CPC, que privilegia a autocomposição e estimula a cultura do diálogo.

Convenções sobre prova

No campo probatório encontra-se um dos ambientes mais férteis à realização de convenções processuais. As partes podem, por exemplo, ajustar a ordem, o custeio e o método de produção das provas, inclusive fixando critérios para avaliação de bens ou escolhendo consensualmente o perito (art. 471, CPC). A última prática citada é especialmente relevante em perícias psicológicas ou socioambientais, por ter o potencial de reduzir impugnações e evitar a exposição desnecessária de crianças a múltiplas avaliações.

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Não havendo direitos indisponíveis em debate, também é possível pactuar a distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 373, §3º, CPC/15), considerando quem detém melhores condições de produzi-la — como nos casos em que apenas um dos cônjuges administra o patrimônio comum. A prática concretiza o princípio da cooperação e evita dinâmicas probatórias que gerem desigualdade entre as partes.

Além disso, as partes podem estabelecer limites qualitativos à prova, comprometendo-se a evitar meios vexatórios ou de caráter íntimo, com a fixação de penalidades[5], e até mesmo optar pela produção desjudicializada de provas, de modo a favorecer acordos antes da judicialização do conflito.

Escolha de árbitro

Especialmente em relação aos direitos patrimoniais, nada impede que as partes definam que eventuais divergências sejam decididas por árbitro, que se incumbirá, por exemplo, de avaliar e partilhar os bens do casal.

Conclusão

Mais do que uma tendência, o uso das convenções processuais no Direito das Famílias representa um exercício de maturidade das partes e de seus advogados, que passam a atuar como protagonistas da condução processual em um ambiente orientado pela cooperação e corresponsabilidade. Mesmo diante do litígio em relação ao direito material, a flexibilização do procedimento por meio dessas convenções permite um processo mais ágil, previsível e adequado, favorecendo a construção de soluções compatíveis com as realidades afetivas e econômicas das partes e transformando o processo em um espaço mais dialógico e efetivo.

[1] Sobre o tema das convenções, cf. CABRAL, Antonio do Passo. Convenções Processuais: teoria geral dos negócios jurídicos processuais. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:  JusPodivm, 2025.

[2] MENEZES, Lucas. Negócios jurídicos processuais no Direito de Família: “Os lírios não nascem das leis” Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/431914/negocios-juridicos-processuais-no-direito-de-familia. Acesso em 10/10/2025.

[3] Sobre o tema, cf. MACIEL; Laíza Bezerra Primeiro. A aplicação dos negócios jurídicos processuais em pactos antenupciais e nas ações de família. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.695-721, 2024.

[4] Sobre o tema, cf. MAFFESSONI, Behlua. Aspectos práticos da cláusula de solução negocial escalonada. Revista de Processo. vol. 358/2024, p. 503-522, dez. 2024.

[5] Hipótese trabalhada por Fredie Didier Jr. e Rodrigo Mazzei em live disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NYi_6Pnl2H8. Acesso em 10/10/2025.

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