O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para condenar os sete réus do chamado núcleo da desinformação na tentativa de golpe de Estado que visou manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder mesmo depois de perder as eleições em 2022. O magistrado também votou para reabrir a investigação contra o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, por conta do relatório sobre supostas falhas nas urnas eletrônicas no 2º turno das eleições de 2022.
Na avaliação do ministro, o grupo atuou como “verdadeiras milícias digitais” para consolidar a trama golpista. Moraes é o relator da ação penal 2694, cujo julgamento foi retomado nesta terça-feira (21/10) na 1ª Turma do STF.
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Em seu voto, Moraes condenou integralmente seis réus, conforme a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). No entanto, afasta por falta de provas três crimes atribuídos pela acusação a Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal. Contudo, como Moretzsohn foi condenado, o ministro entende que é preciso reabrir a investigação e análise dos crimes de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito contra o presidente do PL – afinal, ele contratou o serviço e divulgou.
O ministro condena integralmente Ailton Gonçalves Moraes Barros e Ângelo Martins Denicoli, majores da reserva do Exército; Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército; Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército; Marcelo Araújo Bormevet, agente da Polícia Federal; e Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército.
A eles foram atribuídos os crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.
O ministro concentrou o voto na materialidade dos crimes dos réus, visto que, em sua visão, as preliminares já foram enfrentadas durante o julgamento do núcleo 1 – como, por exemplo, a competência do STF e da 1ª Turma para o julgamento e o impedimento de ministros para participar do julgamento. Assim como o STF já julgou que existiu uma tentativa de golpe no país.
Desinformação como instrumento do golpe
Moraes lembrou que a desinformação foi utilizada pela organização golpista “para abalar a confiança das regras do jogo democrático” e pontuou que foram usadas técnicas militares. Segundo o relator, uma das finalidades era deslegitimar as urnas eletrônicas e a Justiça eleitoral, de modo a fragilizar as eleições. Inclusive, com o uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). “Durante as sustentações orais, disseram que a Abin era uma bagunça, mas uma bagunça usada para criar uma massiva desinformação contra a Justiça Eleitoral”, disse o ministro durante o voto.
Para condenar o militar Ailton Gonçalves, Moraes argumentou que a autoria dos crimes está “amplamente” comprovada. Moraes recordou que o general Braga Netto orientou a fazer ataques ao comandante da Aeronáutica Baptista Jr – que se negou a participar da ruptura democrática – e a elogiar o almirante Almir Garnier – que colocou as tropas à disposição. “O modus operandi das milícias digitais é a covardia. Atacam os inimigos e os familiares, independentemente da idade”, disse Moraes. Ângelo Martins Denicoli
Moraes também afirmou que o próprio Gonçalves destacou sua proximidade com Bolsonaro, condenado como líder da organização criminosa na tentativa de golpe. O militar dizia que tinha acesso ao ex-presidente sem intermediários.
No caso do major Ângelo Martins Denicoli, Moraes destacou que ele teve papel relevante na live de 4 de novembro de 2022 contra as urnas feita pelo influencer de direita argentino Fernando Cerimedo, ex-marqueteiro de Javier Milei, presidente da Argentina. O militar forneceu informações falsas sobre o sistema eletrônico de votação.
“A organização criminosa marchava em várias frentes para a quebra do Estado Democrático de Direito”, disse Moraes.
Moraes também reforçou que coube a Carlos Cesar Moretzsohn Rocha a produção de desinformação contra as urnas eletrônicas. A pedido do PL, partido de Bolsonaro, Moretzsohn, presidente do Instituto Voto Legal, elaborou, em 2022, um relatório sobre supostas falhas nas urnas eletrônicas. Com base no documento, o partido defendeu que os apontamentos justificariam a anulação de parte dos votos computados no 2º turno das eleições.
Ao citar o relatório, Moraes destacou que o documento foi “uma das coisas mais bizarras que a Justiça eleitoral recebeu desde a sua criação”. Uma vez que a fraude só teria existido no 2º turno – que Bolsonaro perdeu – mas não no 1º turno, quando o PL elegeu deputados e senadores.
No caso dos réus o militar Giancarlo Gomes Rodrigues e o agente da PF Marcelo Araújo Bormevet, Moraes destacou que os dois usaram a Abin na gestão de Alexandre Ramagem, já condenado pela tentativa de golpe. Rodrigues e Bormevet teriam usado ferramentas da Abin, como o First Mile, para disseminar informações falsas. “Foram realizadas mais de 30 mil pesquisas só no First Mile durante a gestão de Alexandre Ramagem. A Abin paralela era uma célula clandestina”, disse Moraes.
O ministro também condenou o militar Guilherme Marques de Almeida. Em áudio divulgado pela Polícia Federal, o militar sugere que Bolsonaro e aliados deveriam “sair das quatro linhas (da Constituição)” para viabilizar a suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
“Em seu interrogatório judicial, o réu Guilherme confirma a intenção golpista que ‘as Forças Armadas tinham que agir por iniciativa, conforme o artigo 142’. A velha ladainha de que o artigo 142 existe para consagrar as Forças Armadas como poder moderador e para justificativa de golpe de Estado”, disse o ministro. “O STF afastou, por unanimidade, confirmando uma cautelar do ministro Luiz Fux, afastando totalmente essa interpretação que, na verdade, nunca existiu de gente séria. Só de gente golpista, que inventou que o artigo 142 dava poder ao poder moderador, imperador, que nunca existiu na República, às Forças Armadas”, acrescentou.
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Quanto ao coronel Reginaldo Vieira de Abreu, Moraes corroborou a acusação de que o militar participou da tentativa de manipulação do conteúdo do Relatório das Forças Armadas contra as urnas eletrônicas. De acordo com as investigações, Abreu chegou a sugerir que Bolsonaro “fizesse uma reunião apenas com o grupo disposto a atuar à margem da legalidade e da moralidade, os que denominou de ‘rataria’”.
“É a primeira vez na história do Palácio do Planalto, a primeira vez na história democrática, que se imprime, dentro do Palácio do Planalto, um gabinete de crise a ser instituído após a derrubada de um governo legitimamente eleito. E aqui ele confirma que houve essa minuta e ainda declara: ‘A determinação foi minha ao meu chefe de gabinete, o Reginaldo Vieira de Abreu, para que emitisse seis cópias’”, afirmou.