A primeira ministra negra no STF: representatividade, reparação e justiça

A discussão sobre a nomeação de uma jurista negra para o Supremo Tribunal Federal ultrapassa o campo da representatividade simbólica: não se trata de um debate identitário, mas de uma questão constitucional e ética, que toca diretamente os princípios fundamentais da República, especialmente o da igualdade e o da dignidade da pessoa humana.

O Brasil, país de maioria negra, ainda não viu refletida em sua mais alta Corte a pluralidade racial e de gênero que compõem sua própria sociedade. Quantas vezes olhamos para as fotografias históricas do STF e vemos a repetição de um mesmo perfil? Essa ausência não é acidental: é o retrato de um sistema jurídico que, ao longo de sua história, foi marcado por estruturas de exclusão.

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A presença de uma jurista negra no Supremo não deve ser compreendida como concessão, mas como reconhecimento da competência que sempre existiu, embora sistematicamente invisibilizada. O poder Judiciário demanda profissionais capazes de articular técnica jurídica refinada e sensibilidade social, uma combinação que se fortalece quando ancorada em epistemologias decoloniais, ou seja, em formas de pensar e interpretar o Direito que rompem com o olhar eurocêntrico e reconhecem os saberes produzidos a partir da experiência e resistência negra.

A ausência de diversidade racial e de gênero no STF é uma chaga que precisa ser enfrentada como pauta de democratização do próprio sistema de justiça. Não é possível falar em imparcialidade e universalidade da jurisdição constitucional sem considerar os contextos históricos de desigualdade que moldaram as instituições brasileiras. A presença de uma mulher negra na Corte significaria mais do que representatividade: significaria a abertura de novas lentes interpretativas, capazes de ampliar o alcance dos direitos fundamentais e de conferir legitimidade social às decisões da Suprema Corte.

Portanto, nomear uma jurista negra para o STF é um gesto de reparação histórica e de fortalecimento do Estado Democrático de Direito. É reconhecer que o Direito não é neutro, mas atravessado por perspectivas, vivências e leituras de mundo. É afirmar que justiça também se faz com diversidade, com escuta e com coragem institucional. O Brasil precisa, merece, ver no espelho do Supremo Tribunal Federal o reflexo de sua própria história, de seu povo e de sua pluralidade.

A ausência de representatividade reforça a ausência de diversidade de gênero e raça. As decisões tendem a uma imparcialidade que não existe. O Judiciário necessita de diversidade racial e de gênero a fim de que as decisões tomadas possam ser mais justas.

É inegável que a imparcialidade do juiz é uma ficção, sendo certo que há diversos trabalhos sobre a emoção e os valores pessoais do julgador em suas decisões. Lídia Reis de Almeida Prado, em seu livro “O juiz e a emoção”, defende o seguinte: a sentença judicial, embora baseada no conhecimento jurídico, constitui uma decisão como outra qualquer. Por isso, como ocorre em outras áreas do saber, lentamente começa a se notar no Direito a valorização da emoção no ato de decidir, sem ser desconsiderada a racionalidade. Ilustrei essa tendência com exemplos de juízes que avaliam com sensibilidade as possíveis consequências de suas decisões, e de associações de magistrados empenhadas na defesa dos valores democráticos e dos direitos humanos, através da prestação jurisdicional. (Prado 2003, 137)

Uma ministra negra no STF tem a chance de trazer o olhar de quem mesmo sendo jurista certamente vivenciou situações reais de racismo e sexismo na sociedade brasileira. Além disso, a ausência de representatividade no STF já mostra que as ações discriminatórias continuadas são mantidas a fim de defesa de privilégios iniciados desde a escravização da população negra. Lorena Narcizo afirma que “a raça ainda é utilizada como marcador social, de forma que o modo como a discriminação em função da cor da pele se manifesta vai se tornando mais sutil, porém sempre presente” (Narcizo 2023, 26).

Quando o governo federal anuncia que a escolha do novo ministro ou ministra será pautada estritamente pelo “conhecimento” e não por questões de gênero, ele, na verdade, mobiliza a falácia da meritocracia. Esse argumento serve, mais uma vez, para justificar e perpetuar o racismo estrutural que assola o nosso país.

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Ao negligenciar a garantia da diversidade, o governo transmite diversas mensagens prejudiciais: comunica a irrelevância da pauta de representatividade; evidencia a falta de articulação e força política para promover a equidade; e, no limite, demonstra o profundo enraizamento do racismo institucional e estrutural na esfera decisória.

É exatamente contra essa postura que nosso argumento se insurge. Defendemos a urgência da escolha, neste momento, de uma ministra negra. Tal nomeação é crucial para que as complexas demandas de gênero e raça levadas ao Poder Judiciário sejam enfrentadas com a perspectiva e a experiência necessárias.

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A voz da população negra (pretos e pardos), que representa 55,5% do país segundo o Censo de 2022, clama por representação efetiva. A nomeação desta mulher negra para o Supremo Tribunal Federal não é uma mera escolha simbólica, mas um ato imperativo e necessário para que os nossos direitos humanos de existência sejam reconhecidos e assegurados da forma mais plena possível.

É a demonstração concreta do real compromisso do Estado brasileiro no combate ao racismo estrutural. Adicionalmente, essa decisão estrutural comprova que o ato de subir a rampa presidencial ladeado pela diversidade do povo brasileiro no dia da posse não foi apenas uma figuração, mas sim um compromisso político transformador com a reconstrução de um país verdadeiramente inclusivo.

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