A transação tributária aplicada às pessoas físicas responsáveis por atos de ilicitude fiscal – Dolo ou fraude

Apesar de a boa-fé ser presunção básica das relações jurídicas, não são raras as hipóteses em que o encerramento de pessoas jurídicas ocorre mediante práticas fraudulentas ou dolosas, comprometendo a higidez das relações empresariais e a efetividade da tutela jurisdicional.

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No texto publicado nessa mesma pauta fiscal do Jota, intitulado “A transação para sócios de empresas inativas por encerramento não fraudulento” tratamos da possibilidade de viabilizar uma transação tributária mais vantajosa para aquelas situações de dissolução irregular sem fraude, decorrente de mera inviabilidade econômica, permitindo aos seus sócios de boa-fé liquidarem suas dívidas tributárias com descontos e prazos mais flexíveis. No presente artigo, pretendemos tratar daquelas hipóteses em que há comprovada ocorrência de dolo ou fraude, quando os sócios agem com abuso de poder ou com desvio de finalidade, nos termos previstos do art. 135 do Código Tributário Nacional e/ou do art. 50 do Código Civil.

Nessa esteira, considerando que a transação tem como objetivo precípuo proporcionar uma via excepcional de resolução consensual de litígios tributários, permitindo ao contribuinte em situação de dificuldade econômica regularizar sua situação fiscal, e, ao mesmo tempo, viabilizar ao Estado a recuperação de créditos de difícil exigibilidade, temos que ter cautela para que a finalidade desse instituto não seja desvirtuada.

A aplicação da transação tributária não deve servir como instrumento de incentivo ou convalidação de condutas ilícitas, especialmente nos casos em que há comprovação de dolo, fraude, confusão patrimonial ou desvio de finalidade.

É importante lembrar que, conforme previsto no art. 69 da Portaria PGFN nº 6.757/2022, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional prevê que é hipótese de rescisão da transação quando há a constatação de ocorrência de dolo, fraude, simulação, ou a presença de indícios de esvaziamento patrimonial, dentre outras condutas que denotem má-fé por parte do devedor ou corresponsável.

Portanto, a existência de decisão administrativa ou judicial que reconheça a responsabilidade tributária com base em atos ilícitos ou confusão patrimonial, deve funcionar como barreira de obtenção de qualquer benesse tributária, pois, admitir o contrário seria premiar o mau contribuinte, criando um ambiente de insegurança jurídica, em que os bons pagadores ou aqueles que se socorrem da transação em situações legítimas de crise econômica acabem por sofrer concorrência desleal com quem intencionalmente burlou o sistema.

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Mas, tentando tirar o máximo proveito do instituto da transação, associado ao PARR – Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade –, disciplinado pela Portaria PGFN nº 948/2017, o qual permite à PGFN apurar de forma motivada e respeitando o contraditório e a ampla defesa, a responsabilidade de sócios, administradores ou integrantes de grupo econômico, independentemente da instauração de incidente judicial de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), acreditamos que poderia haver uma modalidade específica transação, mais rígida, para estes casos.

Tal transação diferenciada não deveria conferir qualquer benefício financeiro à pessoa física cuja responsabilização tenha sido reconhecida no âmbito do PARR, sendo vedada a concessão de reduções relativas a juros, multa de mora ou encargos legais. Contudo, considerando a capacidade de pagamento (CAPAG) dos corresponsáveis – conforme critérios já previstos na Portaria PGFN nº 6.757/2022 –, admitir-se-ia, de forma excepcional, o parcelamento da dívida como forma de viabilizar o adimplemento progressivo da obrigação tributária, sem prejuízo à efetividade da cobrança.

Trata-se de buscar uma solução intermediária, que preserve a finalidade arrecadatória do Estado e, ao mesmo tempo, reforce a reprovação às condutas ilícitas praticadas. Na ausência de adesão a essa transação de natureza restritiva, o devedor passaria a sujeitar-se à incidência de penalidades mais severas, como a multa qualificada prevista no art. 44, §1º, da Lei nº 9.430/1996 – que pode alcançar até 150% do tributo devido – bem como à responsabilização penal pelos crimes contra a ordem tributária, conforme delineado pela Lei nº 8.137/1990, nos casos em que restarem caracterizadas condutas dolosas, fraudulentas ou de omissão intencional.

Sob o prisma do direito penal, dispõe a Lei nº 9.249/1995, em seu art. 34, que extingue-se a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

De outro lado, defendemos que essa espécie de transação não deverá ser aplicada àqueles contribuintes declarados como devedor contumaz, que é aquele que age de forma reiterada para não pagar tributos, utilizando-se de condutas fraudulentas, estruturadas ou simuladas, com o intuito de frustrar o Fisco de maneira dolosa, sistemática e habitual. Essa figura ainda não possui uma definição legal única e consolidada no ordenamento brasileiro, mas tem sido objeto de propostas legislativas (PL 164/2022), entendimentos doutrinários e iniciativas do Fisco para diferenciá-lo do contribuinte inadimplente comum.

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Tal proposta visa equilibrar, de forma pragmática, a função repressiva do sistema tributário com sua finalidade arrecadatória, afastando o risco de impunidade, mas reconhecendo que a eficácia da cobrança depende, em última instância, da viabilidade econômica do devedor em regularizar sua situação. Trata-se de um modelo de transação coercitiva, sem benefícios, mas com condições mínimas de cumprimento, capaz de manter a recuperabilidade do crédito tributário e preservar a segurança jurídica.

Nessa esteira, propõe-se a inclusão, em regulamentação infralegal – seja na Portaria PGFN nº 6.757/2022, seja na Portaria nº 948/2017 –, de previsão expressa para uma modalidade de transação específica, aplicável aos casos em que o PARR conclua pela responsabilização pessoal de sócios e administradores com base em dolo, fraude, confusão patrimonial ou abuso da personalidade jurídica, nos termos do art. 135, III, do CTN e/ou do art. 50 do Código Civil. Essa modalidade teria como objeto exclusivo a liquidação integral do débito por meio de parcelamento, a ser fixado conforme a CAPAG dos responsáveis, com possibilidade de afastamento da multa punitiva qualificada, e previsão de que a recusa ou o inadimplemento ensejarão o prosseguimento imediato da execução fiscal, com a incidência das sanções previstas na legislação, inclusive penais.

Acreditamos que essa proposta concilia o interesse público na recuperação eficiente de créditos tributários com a necessária reprovação de condutas ilícitas, preservando a integridade do sistema jurídico e os princípios da boa-fé, moralidade administrativa e justiça fiscal, e, ainda, consegue trazer uma solução mais eficiente para o PARR no âmbito administrativo, reduzindo, assim possíveis litígios.

A transação tributária, como instrumento moderno de resolução de litígios, deve ser aplicada com critério e responsabilidade, distinguindo com precisão os contribuintes de boa-fé dos que se valeram de mecanismos ilegítimos para fraudar o Fisco. Apenas assim será possível consolidar o papel da transação como ferramenta legítima de conformidade fiscal, e não como subterfúgio para a impunidade.

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