A publicidade sempre se valeu de recursos de linguagem para despertar no consumidor emoções e expectativas positivas em relação a produtos e serviços. Nesse contexto, é comum encontrarmos propagandas de produtos ou serviços com slogans como “o melhor do mundo”, “número 1 em vendas”, “o mais gostoso” etc.
A dúvida que surge é: até que ponto essas expressões configuram apenas exagero publicitário, prática aceita e até esperada no mercado, e em que momento passam a caracterizar propaganda enganosa, vedada pelo ordenamento jurídico? Esse é o campo do chamado puffing, conceito que a jurisprudência brasileira vem tratando em decisões judiciais, mas que ainda apresenta nuances e tensões relevantes.
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O puffing é entendido como a prática de autopromoção exagerada, em que o anunciante utiliza expressões superlativas ou subjetivas para valorizar seu produto ou serviço, sem que tais afirmações possam ser objetivamente verificadas.
Trata-se, por exemplo, de dizer que determinado estabelecimento é “imbatível” ou que certo produto é “o mais gostoso”. O ponto central é que o consumidor médio não toma essas expressões de forma literal, mas as entende como meros recursos retóricos. Por isso, o ordenamento jurídico brasileiro admite o puffing como prática legítima, desde que não envolva falsidade objetiva que induza o consumidor a erro.
Os tribunais brasileiros já enfrentaram casos em que se discutiu se uma estratégia publicitária seria mero puffing, ou se efetivamente teria o condão de enganar consumidores quando às características e qualidade de um produto ou serviço, e tais precedentes serão explorados adiante.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já enfrentou diretamente o tema em mais de uma ocasião. No caso Unilever vs. Heinz (REsp 1.759.745/SP), a 4ª Turma considerou lícitas as expressões “Heinz, o ketchup mais consumido do mundo” e “Heinz, melhor em tudo que faz”. O STJ destacou que o primeiro argumento estava amparado em dados de mercado, enquanto o segundo se tratava de autoelogio subjetivo, caracterizando puffing.
O relator, Ministro Marco Buzzi, observou que não é razoável infantilizar o consumidor médio brasileiro, presumindo que ele tomaria ao pé da letra expressões evidentemente promocionais.
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Em outro precedente, o caso Whirlpool vs. Springer (REsp 1.370.677/SP), discutia-se a propaganda de ar-condicionado alegadamente “silencioso”. Ainda que perícia tivesse constatado que o aparelho não era totalmente silencioso, o STJ entendeu que a expressão deveria ser relativizada como recurso de puffing, afastando inclusive a condenação por danos morais coletivos.
Em linha semelhante, no litígio entre Burger King e Madero (REsp 1.866.232/SP), por mais que não se tenha falado expressamente em puffing, a Corte afastou a obrigação do Madero de comprovar que produzia “o melhor hambúrguer do mundo”, reconhecendo essa afirmação como exagero publicitário aceitável.
Apesar da tendência mais permissiva do STJ, uma decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo trouxe um contraponto relevante. No julgamento da Apelação nº 1083308-68.2024.8.26.0100, discutia-se o slogan “o melhor restaurante do Brasil”. Nesse caso, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP entendeu que não se tratava de mero puffing, mas de uma afirmação de superioridade objetiva e aferível, cuja legitimidade exigia comprovação robusta.
Para o Tribunal, ao contrário de adjetivos como “imbatível” ou “insubstituível”, a expressão “o melhor restaurante do Brasil” sugere liderança concreta em relação a todos os demais estabelecimentos do País, e, portanto, não poderia ser usada sem respaldo em dados verificáveis.
Esse julgado é relevante porque delineia com clareza a diferença entre puffing e propaganda enganosa, mas ao mesmo tempo introduz certa tensão em relação à orientação do STJ. Afinal, pode-se argumentar que slogans como “o melhor restaurante do Brasil” também poderiam ser enquadrados como hipérboles típicas da linguagem publicitária, incapazes de convencer objetivamente o consumidor médio.
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O resultado é que, embora a jurisprudência do STJ sinalize maior flexibilidade, essa decisão do TJSP indica uma postura mais rigorosa, sobretudo quando a alegação sugere liderança mensurável.
Da análise do conjunto de precedentes, surgem alguns critérios úteis para diferenciar puffing de propaganda enganosa.
Quando a expressão é nitidamente subjetiva e fantasiosa, como “o mais saboroso” ou “imbatível”, tende a ser reconhecida a prática de puffing, lícita. Por outro lado, quando se afirma uma posição de liderança absoluta em determinado mercado ou território, como em “o melhor restaurante do Brasil” ou “o mais vendido do País”, a mensagem pode deixar de ser mera hipérbole e passaria a exigir comprovação.
O contexto também importa; se a publicidade menciona rankings ou premiações, é maior a expectativa de que a superioridade proclamada tenha respaldo verificável e, consequentemente, a exigência de comprovação se intensifica.
O puffing é, em essência, uma licença criativa do marketing, e a jurisprudência do STJ tem mostrado compreensão quanto a isso. Entretanto, a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) envolvendo a expressão “melhor restaurante do Brasil” lembra que a linha divisória entre exagero tolerado e publicidade enganosa não é fixa: ela se desloca conforme o tipo de argumentação, o contexto e a forma como o consumidor médio pode interpretar a mensagem.
A lição que fica é: slogans baseados em autoelogios subjetivos permanecem em zona segura, enquanto afirmações que soam como comprovação de liderança objetiva devem ser usadas com maior cautela, de preferência acompanhadas de dados sólidos e objetivos. Do contrário, o que parecia apenas uma jogada de marketing pode se transformar em disputa judicial.