Quando falamos em “poder”, é comum pensarmos em força, influência ou até dominação. No entanto, no campo político e institucional, o termo assume um significado mais específico: trata-se da capacidade legal e legítima de tomar decisões que afetam a coletividade. Diferente do uso cotidiano, o conceito de poder no Estado está relacionado ao exercício da autoridade dentro de limites jurídicos e constitucionais.
Na democracia, a separação dos Poderes é essencial para evitar abusos e garantir que diferentes instâncias governamentais se fiscalizem mutuamente. Esse princípio, formulado ainda no século XVIII, está na base da organização política de diversos países, incluindo o Brasil.
Aqui, o Estado é estruturado a partir de Três Poderes, independentes e harmônicos entre si: Executivo, Legislativo e Judiciário. Essa divisão, estabelecida pela Constituição Federal de 1988, assegura o equilíbrio democrático e o funcionamento das instituições. Ao longo deste artigo, vamos percorrer os conceitos teóricos e práticos que sustentam essa estrutura e compreender os desafios de seu funcionamento no Brasil contemporâneo.
O que é poder: conceito político e jurídico
No senso comum, poder pode significar influência sobre outras pessoas, autoridade ou até mesmo controle econômico. Já no contexto jurídico e político, o termo tem uma definição mais técnica. Para a Ciência Política e o Direito Constitucional, poder é a capacidade institucional de criar normas, aplicá-las e garantir seu cumprimento dentro de um Estado.
Montesquieu, filósofo iluminista francês, foi um dos grandes pensadores que fundamentaram a noção de separação dos poderes. Em sua obra O Espírito das Leis (1748), ele defendeu que a liberdade política só seria preservada se os poderes do Estado fossem divididos, de modo que nenhum deles pudesse concentrar autoridade absoluta.
No Brasil, o constitucionalista Sahid Maluf, em sua clássica obra Teoria Geral do Estado, destaca que o poder político é o elemento que dá unidade e soberania ao Estado, diferenciando-se de outras formas de poder por estar juridicamente organizado e limitado pela Constituição.
O jurista Darcy Azambuja, na mesma linha, ressalta que o poder estatal se distingue justamente por ser “institucionalizado e duradouro”, superando vontades individuais para se afirmar como expressão permanente da soberania.
Já o desembargador e também constitucionalista Reis Friede reforça que, no Estado democrático moderno, o poder deve ser compreendido não apenas como “autoridade formal”, mas como função constitucionalmente delimitada que só se legitima quando exercida em consonância com o princípio democrático.
Assim, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são expressões organizadas desse poder político que garante a existência do Estado.
A divisão dos três poderes no Brasil, segundo a Constituição
Compreendido o conceito de poder, é possível avançar para sua materialização no Estado brasileiro. A Constituição Federal estabelece, já em seu artigo 2º, que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Maluf enfatiza que essa separação não significa isolamento, mas sim cooperação equilibrada, em que cada poder exerce suas funções específicas sem comprometer a unidade estatal.
Azambuja acrescenta que a separação de poderes é também uma “garantia da liberdade individual”, pois impede a concentração arbitrária de autoridade em uma só instância. Friede complementa que, na prática brasileira, a harmonia prevista pela Constituição é constantemente tensionada, exigindo mecanismos de controle recíproco cada vez mais eficientes.
Cada um desses poderes desempenha funções centrais para o funcionamento do país. O Executivo governa e administra, o Legislativo cria leis e fiscaliza, e o Judiciário julga e garante a Constituição.
Poder Executivo: funções, composição e exemplos atuais
O Poder Executivo é responsável por implementar políticas públicas, administrar recursos e executar as leis aprovadas pelo Legislativo. É chefiado pelo Presidente da República em âmbito federal, governadores nos estados e prefeitos nos municípios.
Sua estrutura conta ainda com ministérios, secretarias e autarquias, que tornam possível a gestão das diferentes áreas da sociedade, como saúde, educação e infraestrutura. O Executivo também desempenha papel central em momentos de crise, seja coordenando ações contra desastres naturais, seja implementando medidas econômicas emergenciais.
Como observa Maluf, o Executivo é o poder que “atua de forma contínua e permanente, assegurando o movimento do Estado”, ao passo que o Legislativo e o Judiciário atuam em momentos específicos, mas de igual importância. Friede observa que, no Brasil, o Executivo adquiriu protagonismo político significativo, sobretudo pelo uso das medidas provisórias, o que suscita debates sobre equilíbrio entre os poderes.
Poder Legislativo: estrutura, funções e papel na democracia
O Poder Legislativo é o poder que representa a população na elaboração de leis e no controle dos demais poderes. No âmbito federal, possui estrutura bicameral, formada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Nos estados, a função legislativa é exercida pelas Assembleias Legislativas, e nos municípios, pelas Câmaras Municipais.
Além de criar e aprovar leis, o Legislativo também fiscaliza a atuação do Executivo, seja por meio de comissões permanentes, seja através de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Essa função de controle é essencial para a transparência e para a manutenção da democracia.
Maluf sublinha que o Legislativo é a expressão mais direta da soberania popular, já que representa a vontade da coletividade através de seus representantes eleitos. Azambuja complementa, lembrando que a função legislativa é também “a mais política de todas”, pois traduz em normas os debates e conflitos próprios da sociedade.
Poder Judiciário: organização e garantias constitucionais
O Poder Judiciário é o responsável por aplicar a lei aos casos concretos e garantir que a Constituição seja respeitada. É composto por diferentes instâncias, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), os Tribunais Regionais Federais (TRFs), os Tribunais de Justiça estaduais e outros órgãos especializados.
O STF, em especial, atua como guardião da Constituição, julgando ações que envolvem a constitucionalidade de leis e atos do poder público.
Segundo Maluf, o Judiciário tem a missão de “velar pela supremacia da ordem jurídica”, assegurando que tanto o Executivo quanto o Legislativo atuem dentro dos limites da Constituição. Azambuja reforça essa visão, destacando que o Judiciário é o “poder moderador” moderno, já que equilibra os conflitos entre os demais poderes e garante que a lei prevaleça sobre interesses momentâneos.
Outro órgão de destaque é o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que atua no controle administrativo e disciplinar do Judiciário, garantindo mais transparência e eficiência ao sistema.
Como funciona o sistema de freios e contrapesos no Brasil
Para que nenhum dos três poderes concentre autoridade absoluta, a Constituição prevê mecanismos de controle recíproco, conhecidos como sistema de freios e contrapesos. Esse arranjo assegura que cada poder possa limitar e fiscalizar a atuação dos demais.
Na prática, isso significa que o Executivo pode vetar leis aprovadas pelo Legislativo, mas esse veto pode ser derrubado pelo Congresso. Da mesma forma, o Legislativo pode aprovar leis que impactam diretamente o Executivo, enquanto o Judiciário pode revisar atos e leis que violem a Constituição.
Maluf reforça que esse sistema é uma garantia contra a tirania, pois “o poder, quando absoluto, tende inevitavelmente ao abuso”. Complementando, Azambuja afirma que o mecanismo não é apenas um controle recíproco, mas também “um estímulo à cooperação”, já que os poderes precisam dialogar para que o Estado funcione em harmonia.
Reis Friede acrescenta que, no Brasil, os freios e contrapesos vivem sob constante teste, especialmente em momentos de polarização política e judicialização de temas sensíveis.
Críticas e desafios à separação dos poderes na prática brasileira
Apesar de sua importância, a separação dos poderes no Brasil enfrenta críticas e desafios constantes. Um dos pontos mais discutidos é o chamado ativismo judicial, quando o Judiciário assume protagonismo em temas que deveriam ser decididos pelo Legislativo. Por outro lado, fala-se também em omissão legislativa, especialmente quando o Congresso demora a deliberar sobre pautas urgentes.
Outro problema recorrente é o uso excessivo de medidas provisórias e decretos pelo Executivo, o que pode reduzir a participação democrática do Legislativo na formulação das leis. Essas tensões revelam os riscos de desequilíbrio entre os poderes e colocam em xeque a autonomia institucional.
Historicamente, o Brasil já enfrentou momentos em que a harmonia entre os poderes foi gravemente abalada. Durante a Era Vargas, especialmente no Estado Novo (1937–1945), o Congresso Nacional foi fechado e as liberdades políticas, suspensas, evidenciando a concentração de poder no Executivo.
Mais tarde, com a ditadura militar instaurada em 1964, novamente houve ruptura da ordem democrática, com o Legislativo e o Judiciário limitados por atos institucionais e perseguições políticas.
Já no período recente, em 8 de janeiro de 2023, o país testemunhou uma tentativa de golpe contra os Três Poderes, episódio que hoje é julgado pelo Supremo Tribunal Federal, reforçando como a democracia exige vigilância permanente para garantir a aplicação efetiva do modelo constitucional.
Maluf lembra que tais tensões não anulam o princípio da separação, mas revelam a necessidade constante de fortalecimento institucional. Para Azambuja, “o maior desafio do Estado moderno é equilibrar autoridade e liberdade”, e que a democracia só se sustenta quando esse equilíbrio é preservado. Friede conclui que o verdadeiro teste da democracia brasileira é justamente administrar os conflitos entre os poderes sem romper a ordem constitucional.
A importância da separação dos poderes para a democracia brasileira
O conceito de poder, no contexto do Estado democrático, vai muito além da ideia de autoridade ou dominação: trata-se da capacidade legítima de governar, legislar e julgar em nome da coletividade. A separação entre Executivo, Legislativo e Judiciário é um dos pilares da democracia brasileira e garante que o poder não se concentre em uma única instância.
Reforçar a importância desse equilíbrio é essencial para preservar a estabilidade institucional e os direitos dos cidadãos. Por isso, compreender o funcionamento dos três poderes é também compreender a base da própria democracia.
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