Qual o potencial de receitas não tarifárias dos aeroportos nacionais?

O Ministério de Portos e Aeroportos lançou, em setembro deste ano, o programa Investe+Aeroportos, que busca ampliar a capacidade dos aeroportos brasileiros obterem receitas que vão além daquelas diretamente vinculadas aos serviços aeroportuários. O objetivo é conferir maior segurança jurídica à exploração das chamadas receitas não tarifárias e investimentos de longo prazo, viabilizando a atração de empreendimentos diversos, tais como shoppings e hotéis.

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Receitas não-tarifárias são aquelas derivadas de projetos associados ao projeto principal, como, por exemplo, a exploração de empreendimentos comerciais localizados nas faixas de domínio das rodovias, ou a publicidade presente em estações de metrô e pontos de ônibus. Tais receitas estão associadas à atividade principal, mas consistem mecanismos não tarifários de exploração comercial do ativo concedido.

As receitas não-tarifárias podem, inclusive, representar um percentual maior do que as receitas tarifárias no faturamento das concessionáriaras. Nesta perspectiva, talvez um dos setores mais emblemáticos para explorar o potencial das receitas não-tarifárias seja o aeroportuário, com seus duty-free shops, restaurantes, lojas, salas VIP e quiosques.

Apenas a título de comparação, em 2024 o aeroporto de Frankfurt teve 72,1% de sua receita oriunda de receitas não-tarifárias, em atividades como o desenvolvimento imobiliário ao redor do aeroporto, aluguel de lojas, manejo de bagagens e prestação de serviços de consultoria[1]. Já no caso do Aeroporto de Guarulhos, o maior do país, as receitas tarifárias compõem aproximadamente 45,9% das receitas totais[2].

Os resultados do aeroporto de GRU são expressivos quando contrastado com o restante da região: de acordo com a Airports Council International, apenas 26% da receita aeroportuária na América-Latina e Caribe advém de fontes não-tarifárias, ante a média global de 36,7%, se não considerarmos receitas financeiras e não operacionais, ou 46,4% se considerarmos se considerarmos todo o tipo de receitas.

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É evidente que uma ampla gama de fatores impacta a viabilidade e lucratividade comercial de um aeroporto, como a quantidade de passageiros que utilizam o espaço, se o aeroporto em questão é um hub de conexões para aeroportos regionais, a renda média da população usuária, a capacidade de expansão física do empreendimento, dentre outros. No entanto, a boa regulação muito pode fazer para destravar o potencial de exploração de receitas não tarifárias, inclusive contribuir para a universalização do acesso ao serviço.

Analisar as demonstrações financeiras e estatísticas de grandes aeroportos latino-americanos, europeus e asiáticos[3], assim como seu arranjo regulatório, nos proporciona lições sobre a importância das receitas não-tarifárias e da regulação adequada para a viabilização das concessões aeroportuárias.

Um ponto que merece especial atenção é a relevância da própria segmentação contratual – ou regulatória – entre as receitas tarifárias e as não-tarifárias, aliadas à permissão contratual de exploração irrestrita das receitas não-tarifárias. Grandes aeroportos globais permitem a plena exploração de receitas não-tarifárias, autorizando, inclusive, que elas sejam vertidas integralmente para o prestador do serviço, fora do regime de equilíbrio econômico-financeiro, enquanto regulam mais pesadamente as receitas tarifárias, mediante procedimentos de reajuste mais complexos e longos do que os reajustes inflacionários anuais que experimentamos no Brasil.

Percentual de Receitas Não-Tarifárias

Fonte: Demonstrativos de resultados das Concessionárias.

Os aeroportos de Frankfurt (Alemanha), Charles de Gaulle (França) e Changi (Singapura), referências no setor, por exemplo, possuem reajustes tarifários mais fortemente regulados por suas respectivas autoridades, que consideram o modelo de negócios da operadora, manifestações das companhias aéreas, a apreciação de autoridades concorrenciais e consumeristas, e fatores econômicos. Ao mesmo tempo, estes operadores têm o direito pleno às receitas não-tarifárias.

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Por outro lado, tomando como exemplo o caso do Aeroporto Internacional Arturo Merino Benítez, em Santiago, não há distinção entre as receitas comerciais (não-tarifárias) e tarifárias. O modelo da concessão chilena impôs que 22,44% das receitas ficariam com a concessionária, enquanto 77,56% seriam vertidas ao Ministério das Obras Públicas.

No Brasil, o modelo atualmente estabelecido pelo art. 11 da Lei Federal nº 8.987/1995, a Lei de Concessões, se aproxima do caso chileno, uma vez que, apesar de permitir a existência de receitas não-tarifárias, determina que elas são “obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato”, ou seja, sua fruição é limitada pela equação econômico-financeira do contrato.

O que os casos Europeu e Asiático nos mostram é que a segmentação regulatória ou contratual entre receitas tarifárias e não tarifárias, com liberdade para a exploração destas últimas, cria um sistema de incentivos que conduz as operadoras do serviço à exploração plena de tais atividades, enquanto a sua não diferenciação faz com que o incentivo à exploração comercial seja dirimido.

Este entendimento é referendado pelo Banco Mundial, que ao avaliar o aeroporto Kempegowda International Airport Bengalurude, em Bangalore, observou dinâmica similar à chilena, com fixação de margem de lucro da concessão em 15% para as receitas tarifárias e não tarifárias. A alteração a Taxa Interna de Retorno das receitas não tarifárias para 30% fez com que a participação das receitas não tarifárias fosse de 15% para 40% da concessão, com crescimento do lucro líquido do aeroporto na ordem de 33%.

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Em linha com a experiência internacional, a Câmara dos Deputados aprovou a Subemenda Substitutiva ao Projeto de Lei nº 2.892/2011, referente à modernização do marco legal das concessões públicas, com foco em alterações na Lei de Concessões. O projeto aborda uma ampla gama de temas imprescindíveis às concessionárias de serviços públicos, dentre eles, a possível alteração no art. 11 da Lei, permitindo aos editais de licitação estipularem se as receitas não-tarifárias serão consideradas na aferição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, ou ainda, determinar se estas receitas podem ser destinadas à modicidade tarifária, admitindo também a possibilidade de alocação parcial[4].

Em outras palavras, o Projeto de Lei permite que os editais adotem soluções próximas às europeias e asiáticas para que as receitas não-tarifárias sejam melhor exploradas pelas concessionárias, mas sem sacrificar a regulação tarifária, algo que a análise comparada entre aeroportos globais parece demonstrar ser uma receita de sucesso. Caso aprovado definitivamente, o texto pode ser um relevante propulsor para o sucesso do programa Investe +Aeroportos.

Para enfrentar os desafios na exploração comercial aeroportuária, os futuros editais de licitação deverão permitir a plena exploração das receitas não-tarifárias. Se a estratégia for bem executada e os novos editais forem bem desenhados, a exploração de receitas não-tarifárias poderá conduzir a um aumento de investimentos aeroportuários, com spillover positivo de investimentos, maior modicidade tarifária e maior competição entre potenciais concessionárias em novas rodadas de leilões aeroportuários. Adicionalmente, ao distinguir serviços comerciais daqueles inerentes à prestação dos serviços aeroportuários, as políticas públicas e regulações desenhadas para estimular a concorrência e a modicidade tarifária serão mais eficazes por estarem focalizados no aspecto tarifário da concessão.

Dessa forma, para além da estruturação de programas específicos, como é o caso do bem-vindo Investe+ Aeroportos, a ampliação dos investimentos no setor aeroportuário pela via das receitas não tarifárias dependerá diretamente de inovações regulatórias e potenciais alterações na disciplina legal deste tipo de receita, permitindo-se, de forma estruturada, um ambiente jurídico adequado para a exploração comercial das concessões aeroportuárias no país.

[1] Fraport. Annual Report 2024. 2025

[2] Forvis Mazars. Demonstrações financeiras – Concessionária do Aeroporto Internacional de Guarulhos S.A, em 31 de dezembro de 2024 e Relatório dos Auditores Independentes. 2025

[3] Foram escolhidos os aeroportos Frankfurt, Charles de Gaulle (Paris); Haneda (Tóquio); JFK, La Guardia, Newark, Teterboro e Stewart (Nova Iorque); Fort Worth (Dallas, EUA); Changi (Singapura), Aeropuerto Internacional de la Ciudad de México (Cidade do México); Nuevo Pudahuel (Santiago, Chile); e alguns aeroportos nacionais, como Guarulhos; Galeão; Brasília; e os dois blocos da AENA, sendo que o primeiro opera os aeroportos de Congonhas, Campo Grande, Uberlândia, Ponta Porã, Corumbá, Uberaba, Montes Claros, Marabá, Carajás, Santarém e Altamira. O segundo bloco é referente aos aeroportos de Recife, Maceió, João Pessoa, Aracaju, Campina Grande e Juazeiro do Norte.

[4] “Art. 11. O edital de licitação ou o contrato de concessão poderão prever, em favor da concessionária, a realização de projetos associados ou a exploração de atividades que gerem receitas alternativas, complementares observadas as seguintes condições: ou acessórias, I – o edital ou o contrato deverão especificar: (…) b) se as receitas serão consideradas na aferição do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato; c) se as receitas serão destinadas à modicidade tarifária, ainda que parcialmente”;

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