Empresas brasileiras têm recorrido à Justiça americana para reorganizar dívidas. Contudo, os efeitos do Chapter 11 sobre fornecedores no Brasil são incertos — e exigem cautela, em especial quando há o recebimento de comunicações enviadas diretamente pelas autoridades dos Estados Unidos.
A Azul Linhas Aéreas foi uma que entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos, com base no Chapter 11 do Bankruptcy Code. A iniciativa tem como objetivo reestruturar mais de US$ 2 bilhões em dívidas e, segundo a empresa, conta com o apoio de credores relevantes e viabilizará acesso a recursos. A expectativa é a de que o processo seja concluído já em 2026.
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Segundo nota oficial, a escolha pela jurisdição americana estaria relacionada à suposta eficiência do sistema de insolvência dos Estados Unidos, bem como ao perfil majoritariamente estrangeiro de seus investidores. As operações, incluindo compromissos com fornecedores e consumidores, devem ser mantidas.
O Ministério dos Portos e Aeroportos também se manifestou. Em comunicado publicado no mesmo dia do anúncio do processo recuperacional, a pasta afirmou acompanhar o processo “com confiança”, prevendo uma recuperação semelhante à de outras companhias aéreas que passaram por reestruturações recentes, como a Latam e a Gol.
Apesar de afirmações em sentido contrário, procurando transmitir um viés positivo dessas iniciativas, credores brasileiros, isto é, os prestadores de serviços locais, enfrentam incertezas, atrasos e dificuldades para receber valores devidos.
É importante deixar claro que o simples fato de a empresa ter se submetido ao Chapter 11 nos Estados Unidos não impede automaticamente medidas de cobrança no Brasil, pois as decisões judiciais estrangeiras só produzem efeitos vinculantes por aqui se forem homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme previsto no artigo 961, do Código de Processo Civil.
De seu turno, a legislação brasileira sobre insolvência transnacional, incorporada à Lei 11.101/2005, também estabelece que o processo de recuperação estrangeiro precisa ser reconhecido judicialmente no Brasil. Sem esse reconhecimento, não há qualquer obrigação legal de suspensão de ações judiciais ou execuções em curso contra a empresa devedora no território nacional.
Pelo menos em teoria, portanto, credores brasileiros seguem livres para adotar medidas de cobrança, como protesto de títulos, ajuizamento de ações judiciais, incluindo medidas cautelares, como arresto de bens, embora seja recomendável cautela, especialmente se a empresa devedora também operar nos Estados Unidos.
Sem prejuízo, o próprio Chapter 11 autoriza solicitações diretamente ao juízo americano para que fornecedores estratégicos sejam classificados como critical vendors, o que eliminaria a necessidade de adoção de medidas de cobrança, pois, nessa hipótese, o fornecedor continuaria a prestar serviços e a receber os valores devidos. Essa condição não tem efeitos imediatos no Brasil, porém, como antecipado, presta-se a diminuir o elevado grau de insegurança que existe na situação.
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Há medidas contratuais que as empresas podem adotar com a finalidade de minimizar riscos, incluindo redobrar a atenção na hora de negociar cláusulas de foro, em especial após a recente alteração no §1º, do artigo 63, do Código de Processo Civil, e procurar – sempre que possível – incluir cláusulas de arbitragem, que oferecem maior previsibilidade em disputas transnacionais.
Fato é que a crescente internacionalização das recuperações judiciais impõe aos credores brasileiros uma atuação estratégica e preventiva. Embora os efeitos de uma recuperação judicial estrangeira no Brasil não se operem automaticamente, isso não significa que os fornecedores nacionais não devam monitorar os desdobramentos desse processo, revisar cláusulas contratuais de foro e arbitragem, e, de modo a diminuir incertezas, cogitar habilitar-se como critical vendor, em especial se o credor tiver atuação também no país em que tramita a recuperação judicial.