Litigation finance e investigação patrimonial: aliados na recuperação de crédito

O sistema de execução brasileiro sofre com a dificuldade de localizar bens de devedores, em especial os “devedores profissionais”, que ocultam ou blindam patrimônio para frustrar credores. Nesse cenário, a investigação patrimonial surge como instrumento decisivo para rastrear ativos e dar efetividade às decisões judiciais. O financiamento de litígios amplia esse alcance, permitindo que credores sem recursos tenham acesso a serviços sofisticados de recuperação.

A natureza e a finalidade da investigação patrimonial

A investigação patrimonial é o processo de identificar e validar ativos ligados ao devedor para viabilizar execuções e reduzir riscos. Envolve a integração de fontes públicas, fontes fechadas sob ordem judicial, inteligência de fontes abertas e, quando necessário, diligências de campo para confirmação in loco.

Ferramentas e técnicas de investigação patrimonial

O objetivo da Investigação Patrimonial não é apenas identificar bens formalmente vinculados ao devedor, mas mapear estruturas ocultas, padrões de blindagem patrimonial e ativos economicamente relevantes, através das seguintes ferramentas exemplificativas:

Sistemas eletrônicos judiciais: (i) SISBAJUD para bloqueio e rastreamento de valores em contas bancárias, aplicações financeiras, ações e fundos; (ii) RENAJUD para consulta e restrição de veículos; (iii) INFOJUD e E-Financeira para acesso a declarações fiscais e movimentações financeiras;
Bases públicas e registros cartorários: ARISP, CRC e CNIB para rastreamento de imóveis; DOI e DIMOB para identificar transações imobiliárias omitidas;
Créditos de terceiros: busca de recebíveis em maquininhas de cartão, créditos de aluguéis, honorários advocatícios ou valores devidos por contratos;
Fontes abertas (OSINT): análise de redes sociais, notícias e cadastros públicos que revelam indícios de patrimônio oculto; e
Diligências de campo, etapa essencial para validar informações.

Fraudes patrimoniais e estruturas de blindagem

A blindagem patrimonial constitui um dos maiores desafios na recuperação de crédito. Trata-se do conjunto de estratégias utilizadas por devedores para ocultar, transferir ou dificultar o alcance judicial de bens, muitas vezes com aparência de legalidade formal.

A seguir, destacam-se algumas das práticas mais recorrentes e as formas de enfrentamento.

Uso de “laranjas” e transferências para terceiros

Uma das estratégias mais comuns é a transferência de bens para pessoas sem capacidade financeira compatível. Exemplos típicos são veículos ou imóveis em nome de terceiros sem capacidade financeira.

A detecção dessas práticas exige cruzamento de dados: comparação entre renda declarada e patrimônio, análise de vínculos societários e até monitoramento de movimentações imobiliárias. Em casos mais sofisticados, o devedor mantém usufruto econômico dos bens, embora estes estejam formalmente registrados em nome de terceiros.

Doações simuladas e alienações subfaturadas

Outra fraude típica envolve doações em vida ou vendas simuladas de bens a herdeiros e familiares, muitas vezes, realizadas pouco antes do ajuizamento de execuções, configurando fraude contra credores, nos termos dos artigos 158 a 165 do Código Civil, ou mesmo logo após ajuizamentos de execuções, implicando, assim, em fraude à execução, nos termos do art. 792 do CPC.

A investigação documental, especialmente o acesso a matrículas imobiliárias, escrituras públicas e registros de cartórios, são cruciais para revelar a simulação ou subavaliação de transações, possibilitando a reversão judicial desses atos.

Criação de holdings familiares

Holdings patrimoniais, embora legítimas no planejamento sucessório, podem servir de blindagem ao concentrar bens do devedor. Nesses casos, a jurisprudência tem admitido a desconsideração da personalidade jurídica, permitindo atingir o patrimônio dos sócios, de outras empresas das quais o sócio participa, de outras empresas que compõe grupos/conglomerados econômicos ou até mesmo de “laranjas”, para saldar dívidas pessoais do sócio.

Empresas “casca” ou de fachada

Empresas sem atividade operacional real, criadas apenas para movimentar recursos, representam outro desafio. Elas funcionam como camadas de opacidade, dificultando o rastreamento do fluxo financeiro. A investigação contábil, associada a pedidos judiciais de quebra de sigilo bancário, é essencial para revelar tais estruturas.

Busca internacional de ativos

Com a globalização, devedores usam offshores, trusts e contas no exterior para ocultar ativos e dificultar sua localização. Nessas hipóteses, a investigação patrimonial ultrapassa fronteiras e exige mecanismos de cooperação jurídica e financeira internacional.

Os instrumentos incluem cartas rogatórias, registros de beneficiários finais e cooperação internacional entre órgãos financeiros.

Apesar de complexa e custosa, a busca internacional tornou-se indispensável, papel em que o financiamento de litígios é decisivo.

O financiamento de litígios e a aquisição de créditos judiciais

O alto custo da investigação patrimonial e da própria persecução judicial, frequentemente impede que credores individuais ou pequenas empresas tenham acesso a estratégias sofisticadas de recuperação de ativos. É nesse ponto que ganham destaques dois mecanismos de mercado que vem crescendo no Brasil e no exterior: o financiamento de litígios e a aquisição de créditos judiciais.

Com o financiamento de litígios ou com a aquisição de créditos judiciais por parte do financiador, o investidor assume despesas processuais, honorários advocatícios e de investigação, em troca de participação no resultado obtido.

Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: a democratização do acesso a serviços caros e a recuperação de créditos que, de outra forma, seriam abandonados ou perdidos.

Recuperação de créditos tidos como “perdidos”

A experiência prática demonstra que créditos considerados incobráveis podem ser recuperados quando se empregam técnicas adequadas de investigação patrimonial. Esses resultados decorrem da combinação entre inteligência de dados, estratégia processual e, em alguns cenários, do apoio de financiadores especializados.

Exemplos incluem penhora de recebíveis, descoberta de imóveis ocultos e rastreio de ativos no exterior. Esses exemplos evidenciam que a categoria “créditos perdidos” não é absoluta: com investigação aprofundada, ativos ocultos podem ser localizados e constritos, revertendo a expectativa de insucesso. O diferencial estratégico está em não se limitar a consultas padronizadas em sistemas eletrônicos, mas em adotar uma abordagem multidimensional — unindo análise documental, cruzamento de dados e diligências complementares

Conclusão

A investigação patrimonial é, hoje, um dos pilares da efetividade executiva. Sem ela, a execução corre o risco de se tornar um ritual sem resultado. Ao lado do financiamento de litígios e da aquisição de créditos judiciais, essa ferramenta ganha força e acessibilidade, permitindo que até mesmo credores sem recursos possam perseguir seus direitos.

Créditos antes tidos como perdidos podem ser revitalizados; estruturas fraudulentas podem ser desmanteladas; e a confiança no sistema de justiça é fortalecida.

A integração entre inteligência patrimonial e capital especializado não é apenas uma inovação processual, mas uma verdadeira revolução na forma como se compreende a recuperação de crédito no Brasil e no mundo.

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