A Justiça brasileira encontrou, por meio dos chamados alimentos compensatórios, uma maneira de remunerar um dos cônjuges quando há perda do padrão de vida após o divórcio.
Inspirado na doutrina estrangeira, o mecanismo tem sido aplicado sobretudo a mulheres, a fim de compensar o trabalho doméstico não pago exercido durante o casamento. O instrumento consta na proposta de reforma do Código Civil, mas, hoje, carece de previsão legal — o que tem gerado um debate sobre segurança jurídica.
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O Projeto de Lei 4/2025, que dispõe sobre a atualização do Código Civil, prevê dois tipos de alimentos compensatórios: aqueles aplicados quando a dissolução do casamento ou união estável produz desequilíbrio econômico a um dos indivíduos; e aqueles cujo pagamento visa garantir a remuneração de um dos cônjuges por bens que geram renda mas que estão sob administração do outro parceiro. Nesse caso, a previsão é de que os valores sejam pagos até a efetiva partilha do bem comum.
O jurista Rolf Madaleno, autor da tese sobre alimentos compensatórios no Brasil, disse em entrevista ao JOTA que a redação do novo Código Civil, elaborada por comissão da qual Madaleno fez parte, busca elucidar uma confusão criada pelos tribunais.
Segundo ele, algumas cortes passaram a negar o pagamento do mecanismo quando o casal não tinha bens rentáveis, ainda que se constatasse uma queda no padrão de vida. “Tratava-se de questões diferentes, mas acabaram sendo misturadas, e o pagamento era negado já que, na maior parte das vezes, o casal não possuía bens”, afirmou.
O jurista foi citado pelo ministro Antonio Carlos Ferreira no relatório do primeiro caso sobre o assunto que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou. O recurso foi interposto pela ex-esposa do político Fernando Collor de Mello em 2011 e, em 2013, a Quarta Turma do STJ acolheu parcialmente o pleito.
O colegiado entendeu que os alimentos compensatórios “não têm por finalidade suprir as necessidades de subsistência do credor” e que sua função é “corrigir ou atenuar grave desequilíbrio econômico-financeiro ou abrupta alteração do padrão de vida do cônjuge desprovido de bens e de meação”.
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Desde então, outras decisões nas mais diversas instâncias do Judiciário e no próprio STJ têm consolidado o pagamento deste tipo de compensação. Para Rafael Stuppiello, sócio da área de Private Wealth do Machado Meyer, esse reconhecimento faz com que se trate de “figura jurídica com algum reconhecimento na jurisprudência”, o que gera, na sua visão, certa segurança jurídica.
Pedro Boueri Affonso de Almeida, sócio do Fux Advogados, porém, avalia que “a insegurança é total, tanto que não existem critérios” relacionados aos percentuais aplicáveis ou ao período de pagamento dos alimentos compensatórios.
Madaleno também expressa preocupação com a falta de critérios. Ele diz que houve uma tentativa de detalhá-los no texto do projeto que quer reformar o Código Civil, porém isso acabou não sendo aprovado pela comissão de juristas responsável pela redação final. O projeto foi proposto pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG).
“Tem que ter algum critério. Alimentos compensatórios humanitários são para evitar queda brusca do padrão de vida, mas queda brusca do padrão de vida de quem? De quem se dedicou à casa? De quem tem filhos menores? De quem está casado há muito tempo? De quem está casado há menos tempo?”, questiona.
De acordo com Madaleno, a falta de definição faz com que os juízes muitas vezes tenham dificuldade de fixar os alimentos compensatórios e, por isso, deixem de determinar seu pagamento.