Proposta da ANP para o gás de cozinha é temerosa, alerta Sindigás

Presente em todos os municípios brasileiros e em 91% dos lares, o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), popularmente conhecido como gás de cozinha, é um dos insumos energéticos que garantem abastecimento até mesmo em áreas remotas, sem acesso à energia elétrica ou saneamento. Apesar dessa importância, o setor vive um momento de atenção com a Análise de Impacto Regulatório (AIR), conduzida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A agência propõe mudanças nas regras de compra e venda dos botijões e levanta preocupações sobre segurança e riscos de acidentes. O texto indica que qualquer distribuidora poderá comercializar botijões de outras marcas mediante um sistema de rastreamento que ainda não foi testado.

Além disso, a nova regra proposta permitiria que o enchimento fosse realizado em pequenas instalações, inclusive em áreas urbanas, com enchimento fracionado. Na visão do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), as consequências podem ser desastrosas, já que a população estaria exposta a fraudes, insegurança e acidentes.

O Sindigás defende a atual regulação brasileira, afirmando que ela é reconhecida internacionalmente como referência ao estabelecer incentivos regulatórios e econômicos para manutenção, requalificação e assistência técnica das distribuidoras sobre o parque de botijões. A agência, no entanto, propõe mudanças que podem comprometer uma cadeia produtiva que emprega 330 mil pessoas e garante, com segurança e pontualidade, a entrega de 13 botijões de gás de 13 quilos por segundo em todo o país.

Hoje, cada botijão tem a marca da distribuidora gravada em alto-relevo, o que identifica a empresa responsável. O enchimento ocorre em grandes plantas industriais, com rigor técnico, segurança e ganhos de escala. As distribuidoras só podem comercializar GLP em botijões da sua própria marca, o que assegura rastreabilidade, responsabilidade legal e fiscalização efetiva.

Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás, reforça que o sistema atual é sólido, seguro e eficiente, cobrindo todo o território nacional e promovendo bem-estar.

“Respeitamos e apoiamos o papel do agente regulador de propor novas regras e olhar o mercado, sugerindo melhorias. Porém, a proposta de mudança regulatória do GLP não calcula os impactos econômicos e sociais da medida. Não quantifica, por exemplo, os custos adicionais que haveria com este sistema de rastreamento, nem com a necessidade de maior equipe e infraestrutura de fiscalização”, diz.

Pesquisa aponta que nove em cada dez brasileiros veem a marca no botijão como garantia de segurança

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, feita com 1.500 brasileiros em todas as regiões do país entre 5 e 9 de junho de 2025, confirma que a população rejeita as mudanças propostas e teme pela segurança. Os resultados são claros:

93% da população (cerca de 158 milhões de brasileiros maiores de 18 anos) temem comprar gás sem a garantia da marca conhecida;
97% acreditam que a marca no botijão é fundamental para garantir a qualidade do gás;
94% consideram importante ter o nome da empresa que encheu o botijão gravado em alto-relevo, assegurando rastreabilidade;
83% defendem a regra atual de que só a empresa com marca gravada pode encher o botijão, para que seja fiscalizada e responsabilizada em caso de acidentes.

“A população sabe que um botijão mal conservado pode colocar vidas em risco. Além disso, há a percepção de que, sem a marca gravada no botijão, fica difícil saber a procedência e quem se responsabiliza por ele. Isso sem contar que a chance de adulteração ou de receber menos gás do que comprou é muito grande. A pesquisa mostrou que o brasileiro valoriza políticas públicas que ampliem o acesso ao gás, sim, mas sem abrir mão da segurança”, explica Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.

O setor de GLP exige altos investimentos, rigor em segurança e logística complexa. É dever regulatório assegurar agentes com qualificação técnica e capacidade sustentável para responder a elevados parâmetros de qualidade. O sistema atual protege o consumidor e dá confiança ao mercado. Afinal, trata-se de um produto inflamável e volátil. Hoje, o enchimento dos botijões é feito em grandes bases industriais, com estrutura e equipes de emergência. Improvisar seria inseguro e, no fim, até mais caro.

Outro ponto que gera dúvidas entre especialistas é como garantir que o consumidor receba exatamente o que pagou. Sem o peso padrão de até 13 quilos, pré-medido e lacrado, não há garantia de medida precisa. O risco é trazer para o mercado de GLP problemas que já existem em outros setores, como adulteração e precarização, dificultando a fiscalização, que, para o tamanho do país, é uma tarefa complexa e custosa.

“Afrouxar as regras abre espaço para o crime e para a negligência com a segurança. Esse alerta vem da própria população, que teme que o gás vire moeda de troca em regiões onde o Estado é ausente e falta capacidade de fiscalização”, explica Bandeira de Mello. Ele cita o Paraguai como exemplo, onde se estima que 80% do parque de botijões está com prazo de requalificação vencido, e o México, onde há registros de roubos de produto e botijões enchidos com desvio de quantidade.

Para o Sindigás, o debate sobre a regulação é sempre válido e há um entendimento, por parte da ANP, de que falta competitividade no mercado de GLP. Mas, em todo o mundo, trata-se de um setor que exige altos investimentos para garantir combustível seguro em 100% dos municípios. O mesmo ocorre em países vizinhos como Chile, Colômbia e Uruguai.

“Corremos o risco de mudar uma regra que funciona e dá segurança a todo o abastecimento de GLP no país e não obter benefícios reais em troca para o consumidor”, diz Bandeira de Mello, que se preocupa com a possibilidade de empresas sérias abandonarem o mercado, levando a uma desorganização do setor.

As novas regras da ANP e o programa Gás do Povo

Se o objetivo da ANP e do governo é ampliar o acesso ao produto, a melhor saída, na visão do Sindigás, não é alterar as regras atuais, mas direcionar esforços para entregar o GLP a quem mais precisa. Por isso, o sindicato apoia o programa Gás do Povo, cuja Medida Provisória 1.313/2025 foi anunciada em 4 de setembro, em Minas Gerais. Hoje, cerca de 23% das famílias brasileiras ainda utilizam lenha ou carvão para cozinhar, o que gera impactos sérios na saúde e no meio ambiente.

O Sindigás vê no programa uma oportunidade histórica de levar o GLP às camadas mais vulneráveis da população e reduzir a pobreza energética. Estudos mostram que a queima de lenha emite 150 vezes mais CO₂ do que o GLP, além de causar doenças respiratórias em mulheres e crianças, principais grupos expostos à fumaça dentro de casa.

A expectativa do Gás do Povo, segundo o governo federal, é atender cerca de 15 milhões de famílias de baixa renda cadastradas no CadÚnico, promovendo uma transição mais segura e sustentável.

As empresas associadas ao Sindigás e as 59 mil revendas espalhadas pelo país têm a experiência e a capilaridade necessárias para garantir que o programa seja eficaz. As empresas vão investir cerca de R$ 2,5 bilhões na compra de novos botijões necessários para atender à demanda do programa Gás do Povo. Porém, Bandeira de Mello questiona: “Como vamos investir tanto se, a qualquer momento, a regra das marcas no botijão pode ser mudada? Quem vai cuidar de todo esse parque de botijões? O Brasil está começando um novo programa muito eficiente e, ao mesmo tempo, discute uma regra que vai na direção contrária. É preciso fazer uma escolha.”

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