O pacote legislativo da reforma administrativa foi apresentado nesta quinta-feira (2/10) na Câmara dos Deputados. A reforma está dividida em três proposições. Via emenda à Constituição, prevê limitar o número de cargos comissionados a 5%, o fim da aposentadoria compulsória e vedar a administração de honorários de sucumbência por entidades privadas. Mirando os supersalários, traz restrições às verbas indenizatórias, que passam a ser limitadas a despesas efetivas e eventuais, com a fixação de um limite aos que ganham acima do teto constitucional.
A proposta também traz, em lei ordinária, normas para os cargos comissionados, para o teletrabalho e para a contratação de temporários. Ainda altera a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Código Tributário para instituir a Lei de Responsabilidade por Resultados na Administração Pública, com regras para bônus por resultado. Leia o material detalhado.
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O relatório com as propostas foi apresentado três meses depois do fim das atividades do grupo de trabalho instalado em maio na Câmara para discutir o tema. O colegiado foi liderado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que passou as últimas semanas em um périplo por bancadas partidárias e em reunião com representantes de setores para alinhar pontos dos textos. No governo, os diálogos sobre o tema ocorreram com o Ministério da Gestão e Inovação (MGI), que, apesar de publicamente indicar alinhamento com as proposições, não tem uma posição pacificada sobre a reforma e vê com preocupação alguns pontos.
A discussão sobre a reforma administrativa ganhou força na Câmara em 2020 com a PEC 32, proposta pelo governo federal, à época chefiado por Jair Bolsonaro. A proposta foi aprovada em uma comissão especial ainda na gestão de Bolsonaro, mas perdeu tração e apoio. Era bastante criticada por servidores e movimentos sociais por riscos com relação à estabilidade do agente público.
No ano passado, o tema voltou à pauta liderado pelo deputado Zé Trovão (PL-RS). Ele adotou bandeira da reforma administrativa e pedia a criação do GT. O pedido foi atendido neste ano pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que tem patrocinado a iniciativa e indicado que ela será uma prioridade da Casa.
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A reforma está dividida em três proposições. A PEC trata, principalmente, de quatro aspectos: governança e gestão pública, transformação digital, profissionalização e extinção de privilégios no serviço público.
No projeto de lei complementar (PLP), que cria a Lei de Responsabilidade por Resultados, o foco é a responsabilidade fiscal. Já o Marco Legal da Administração Pública Federal estabelece, por lei ordinária, normas gerais para planejamento de concursos, estruturação de carreiras, gestão de desempenho, estágio probatório, cargos de liderança, ambiente de trabalho e contratações temporárias.
A PEC é de autoria do deputado Zé Trovão. São signatários Marcel van Hattem (Novo/RS), Júlio Lopes (PP/RJ), Fausto Santos Jr. (UniãoO/AM), Neto Carletto (Avante/ BA) e Dr. Frederico (PRD-MG). Os deputados já iniciaram a coleta das 171 assinaturas necessárias para a proposição. O PL e PLP são de autoria de Pedro Paulo.
Férias só até 30 dias e vedações remuneratórias
A proposta de emenda constitucional limita o período de férias a até 30 dias por ano, com exceção de professores e profissionais de saúde em condições de risco. O adicional de férias fica restrito a um terço do salário, e as férias só poderão ser parceladas em até três períodos, sendo proibida a acumulação por mais de dois períodos consecutivos.
Também deixam de existir a licença-prêmio e os benefícios vinculados apenas ao tempo de serviço, como progressões automáticas ou adicionais temporais.
Licenças e folgas concedidas para compensar acúmulo de processos ou funções extraordinárias ficam proibidas. É admitido apenas o regime de banco de horas, quando houver controle de jornada.
Outra mudança é que adicionais de insalubridade e periculosidade só poderão ser pagos mediante laudo pericial que comprove a exposição permanente ao risco. A conversão em dinheiro de férias, licenças ou folgas não gozadas também passa a ser vedada.
Por fim, ficam proibidas as verbas criadas sem aprovação legislativa, a extensão automática de direitos entre carreiras distintas, e a incorporação de benefícios ou gratificações a aposentados e pensionistas quando vinculados a desempenho ou indenizações.
Verbas indenizatórias limitadas e sem retroativos
Com exceção dos auxílios de alimentação, saúde e transporte, que devem custear despesas necessárias ao exercício das funções, as verbas indenizatórias deverão ter caráter reparatório, cobrir gastos efetivamente feitos pelo agente público e ser episódicas. Ou seja, não podem ser pagas de forma rotineira ou para toda uma categoria.
Para servidores que recebem remuneração igual ou superior a 90% do teto constitucional (atualmente em R$ 46.366,19), o valor somado dos auxílios de alimentação, saúde e transporte não poderá ultrapassar 10% do salário ou subsídio mensal.
A proposta também determina que o orçamento para verbas indenizatórias não poderá crescer acima da inflação medida pelo IPCA. Também proíbe o pagamento de retroativos, que só poderão ocorrer mediante decisão judicial definitiva, em ações coletivas ou individuais fundamentadas em precedentes dos tribunais superiores, e dentro das regras de precatórios previstas na Constituição.
Honorários de sucumbência devem ser geridos pela administração pública
O texto determina que os honorários de sucumbência de ações judiciais em que os entes federativos forem parte passem a ser tratados como receita pública da União, estados, Distrito Federal e municípios. O mesmo valerá para os encargos incidentes sobre débitos inscritos em dívida ativa, incluindo valores obtidos em sua cobrança administrativa ou judicial.
Os honorários de sucumbência e parte dos encargos legais cobrados após o início de uma execução fiscal (limitados a 50% do valor previsto em lei) devem ser usados, prioritariamente, para custear a atuação judicial e extrajudicial das carreiras jurídicas do ente federativo. Esses recursos podem servir para pagar uma parcela variável da remuneração desses servidores, desde que haja critérios objetivos de mérito e produtividade, respeitados os limites constitucionais de salário. É proibido usar esse dinheiro para pagar verbas indenizatórias.
A gestão desses recursos ficará a cargo exclusivo da administração pública, sendo proibida a criação ou manutenção de fundos ou entidades privadas para essa finalidade, como é o caso, atualmente, do Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA). A proposta ainda determina que todas as receitas e despesas ligadas a esses honorários sejam divulgadas de forma detalhada, pelo menos uma vez por mês, nos portais da transparência, sob supervisão dos órgãos de controle interno e externo.
Fim da aposentadoria compulsória
Passa a ser proibida a concessão de aposentadoria compulsória como forma de punição disciplinar a magistrados. Pela nova regra, em casos de faltas graves, a sanção aplicada deverá ser a perda do cargo ou a demissão, ou medida equivalente, de acordo com a legislação específica que disciplina a carreira.
Novo modelo de gestão do desempenho
A avaliação de desempenho será realizada todos os anos e terá como finalidades medir a contribuição dos servidores para as metas institucionais e reconhecer o bom desempenho por meio de progressão na carreira, promoções e pagamento de bônus de resultado.
Serão avaliados fatores como: cumprimento de metas e assiduidade; iniciativa e proatividade; qualidade e cumprimento de prazos; produtividade; e competências transversais e de liderança. Para ser considerado satisfatório, o servidor deverá alcançar ao menos 70% da nota total. A avaliação será documentada em formato escrito ou digital, com direito a recurso e ampla defesa.
A proposta prevê que circunstâncias pessoais que impactem o desempenho sejam consideradas. Seriam casos de problemas de saúde mental comprovados, situação de violência doméstica, falta de infraestrutura adequada ou ausência de capacitação oferecida pelo órgão.
O desenvolvimento na carreira passa a estar diretamente vinculado à avaliação de desempenho. A progressão de carreira dentro de uma mesma classe está condicionada a bom resultado anual e a pelo menos 12 meses de interstício. Já a promoção, a passagem para classe superior, é vinculada a pontos acumulados por critérios como desempenho individual e institucional, participação em cursos de aperfeiçoamento, titulação acadêmica, ocupação de funções de liderança e produção técnica.
Os resultados das avaliações também poderão ser usados como critério para concursos de remoção e para concessão de bolsas em cursos de longa duração. O sistema pretende premiar servidores que se destacam pelo mérito e aproximar a lógica da gestão pública de práticas de gestão de desempenho já aplicadas na iniciativa privada.
O desenvolvimento de carreira terá até 20 níveis para o alcance do nível final, com interstício mínimo de um ano. A remuneração inicial não pode ser superior a 50% do valor do último nível da carreira, com exceção de carreiras de baixo subsídio.
Concursos públicos
A reforma exige o dimensionamento prévio da força de trabalho como condição para novos concursos e prioriza a criação de carreiras transversais. Permite concurso para cargo efetivo com prazo mínimo de 10 anos, limitado a até 5% do total de servidores.
A fase preparatória do concurso deve incluir um estudo técnico preliminar detalhado, analisando a evolução do quadro, soluções de otimização (tecnologia, realocação) e impacto orçamentário/financeiro.
O candidato aprovado dentro do número de vagas tem direito líquido e certo à nomeação. O órgão não pode nomear ou contratar aprovados em novo concurso se houver candidatos aprovados em cadastro reserva do concurso anterior vigente.
Teletrabalho
O teletrabalho será regulamentado, mas com limite: ao menos 80% da jornada semanal deverá ser cumprida presencialmente, exceto em atividades específicas. Deve ser de responsabilidade do servidor providenciar e custear a estrutura necessária para o trabalho neste regime.
A modalidade presencial será obrigatória para os cargos em comissão e funções de confiança estratégicos e para os cargos em comissão e funções de confiança a partir de nível hierárquico definido em regulamento.
A proporção de agentes em regime de teletrabalho não pode superar 20% da força de trabalho em atividade na unidade administrativa em questão. Terão preferência as gestantes, as lactantes, as pessoas que sejam as únicas responsáveis pela guarda de crianças de até 5 anos de idade, as pessoas responsáveis pela guarda de crianças e adolescentes com deficiência e mulheres vítimas de violência doméstica ou de violência no ambiente de trabalho.
Cargos comissionados e de confiança
A PEC mantém o limite máximo de 5% dos cargos para funções em comissão (10% em municípios de pequeno porte), exigindo que ao menos 50% sejam ocupados por servidores efetivos. Os cargos e funções serão classificados em estratégicos, táticos e operacionais. Para os estratégicos, que não poderão ultrapassar 5% do total, será obrigatório processo seletivo, com no mínimo 60% das vagas destinadas a servidores de carreira.
A reforma estabelece que esse tipo de cargo se destina apenas a direção, chefia e assessoramento. Os comissionados devem ser preferencialmente selecionados por processo seletivo com limite máximo de 5% do total de cargos providos, podendo ser 10% em municípios pequenos. Deve haver no mínimo 50% dos cargos de comissão ocupados por servidores efetivos.
Temporários
A contratação de temporários deverá ocorrer, salvo em emergências, por meio de processo seletivo simplificado. Fica proibida se houver candidatos aprovados em concurso vigente para o mesmo cargo ou função, exceto em casos de afastamento temporário de servidor efetivo.
Os temporários terão direitos assegurados, como férias, 13º salário e aviso prévio, mas não terão estabilidade ou outras vantagens exclusivas dos servidores efetivos. Será criado o Banco Nacional de Contratações Temporárias (BNCT), reunindo informações sobre processos seletivos e permitindo adesão a seleções unificadas.
Ambiente de Trabalho e Ética
A reforma trata assédio moral, assédio sexual, racismo, homofobia e transfobia como infrações graves. O assédio sexual passa a configurar ato de improbidade administrativa, com medidas imediatas de acolhimento às vítimas, incluindo sigilo e possibilidade de afastamento do acusado.