A criação das agências reguladoras brasileiras, a partir de 1996, marca, junto com o Plano Real e as primeiras reformas da Constituição de 1988, o início da modernização do Estado e de um esforço para “destravar” o crescimento econômico do Brasil. Elas surgiram como parte do programa do governo FHC, mas adquiriram uma importância que transcende governos, fato demonstrado pela sua ampliação – em número e em escopo de atuação – ao longo dos governos Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro.
As agências atuam como instâncias técnicas e autônomas, responsáveis pela regulação de setores econômicos com amplo impacto para a sociedade, da energia às telecomunicações, do saneamento básico aos alimentos e medicamentos. Essa atuação busca equilibrar interesses públicos e privados, e proteger os direitos e garantias da população previstos na Constituição.
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Mais do que mediadoras, as agências são guardiãs do interesse público e pilares de um ambiente regulatório estável, transparente e previsível — elementos indispensáveis para a segurança jurídica, o crescimento econômico e a atração de investimentos.
Qualquer tentativa de enfraquecimento das agências reguladoras — por cortes orçamentários, esvaziamento de quadros ou pressões político-institucionais — representa um risco direto à qualidade da regulação, ao crescimento econômico e à credibilidade do Estado brasileiro perante a sociedade e os agentes econômicos.
Um argumento comum para enfraquecer as agências é o que declara haver um déficit democrático, isto é, que seus decisores não são eleitos. Esse argumento é falacioso porque a diretoria das agências é nomeada pelo presidente da República e confirmada pelo Senado – dois Poderes eleitos por votação majoritária e, portanto, com capacidade de escolhas legítimas. Além disso, a divisão de poderes entre Executivo e Legislativo assegura mais uma camada de legitimidade ao processo.
Para que as agências reguladoras mantenham atuação eficiente, eficaz e alinhada às melhores práticas internacionais, é imprescindível — e cada vez mais urgente — a adoção de ações de curto, médio e longo prazo para fortalecer sua autonomia e capacidades técnica e institucional.
No curto prazo, o governo federal precisa recompor o orçamento das agências, que enfrentaram uma redução acumulada de 65% em seus recursos nos últimos dez anos. Essa recomposição deve ser viabilizada por meio da racionalização e redução das despesas do próprio governo, sobretudo em áreas onde há desperdício (inclusive com privilégios) e programas e políticas sem resultado adequado.
Além disso, é fundamental valorizar e promover a capacitação contínua de seus quadros técnicos, bem como assegurar que as lideranças das agências reguladoras sejam escolhidas com base em critérios técnicos e com pleno compromisso com a neutralidade institucional, livres de vínculos político-partidários. A preservação da autonomia dessas organizações passa por nomeações que priorizem a qualificação e a experiência regulatória, e não interesses político-eleitorais – condição fundamental para prevenir a captura de agendas por grupos de interesse específicos.
No médio prazo, é necessário avançar em mudanças legislativas que assegurem, de forma mais robusta, a autonomia das agências reguladoras e promovam uma revisão e consolidação do atual cenário institucional brasileiro, marcado por uma proliferação de órgãos com funções regulatórias.
Hoje, o país conta, apenas no âmbito nacional, com mais de 200 órgãos que exercem, em alguma medida, atribuições de regulação, embora a Lei das Agências Reguladoras de 2019 liste apenas 11 nessa categoria. Essa fragmentação gera sobreposição de competências, insegurança jurídica e heterogeneidade de procedimentos que comprometem a qualidade da regulação e dificultam a coordenação entre os entes públicos.
Em paralelo, é preciso discutir a criação de novas agências reguladoras (ou ampliação do escopo das já existentes) para lidar com setores emergentes e de alta complexidade, na indústria (como robótica e veículos não tripulados), economia digital (como inteligência artificial, cibersegurança e data centers) e economia do clima (incluindo o mercado de carbono), entre outros.
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No longo prazo, o Brasil precisa ascender à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e incorporar, de forma contínua, os princípios e boas práticas regulatórias internacionais, dentre eles a integração da Análise de Impacto Regulatório (AIR) em todos os estágios do processo de formulação de novas regulações, a revisão abrangente do estoque regulatório e a incorporação de mais mecanismos para viabilização da participação pública no processo regulatório.
Se o objetivo é tirar o país da armadilha da renda média e transformá-lo em uma economia pujante e desenvolvida, capaz de gerar o máximo de prosperidade por meio da livre iniciativa e prover serviços públicos com qualidade e eficácia, é imprescindível que as agências reguladoras sejam fortalecidas e tenham a autonomia necessária para desempenhar suas responsabilidades. O Brasil do futuro requer agências reguladoras fortes e autônomas.