Os instrumentos econômicos de proteção ambiental ganham relevância, especialmente com a Lei 14.119/2021, criadora da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA). Promete-se a parcial superação da lógica de comando e controle – baseada em sanções punitivas – e aposta em incentivos positivos para estimular práticas de conservação e restauração ambiental.[1]
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Ao lado, a reforma tributária da EC 132/2023, regulada pela LC 214/2025, redesenhou o sistema tributário. Ela incluiu expressamente o princípio tributário da defesa do meio ambiente, aumentando a força normativa dos incentivos ao Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
No contexto, surgem duas ameaças ao PSA no Brasil:
A falta de regulamentação do Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (CNPSA), que impede a plena aplicação dos benefícios fiscais previstos em lei.
O esvaziamento progressivo dos incentivos tributários com a substituição de PIS/Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) por omissão legislativa ou deliberada substituição de formas de benefícios fiscais.
Histórico do PSA e do princípio tributário de defesa do meio ambiente
A discussão de instrumentos econômicos para redução das externalidades não é nova. Desde a segunda metade do século passado, Pigou defendia a tributação de atividades poluidoras como forma de internalizar custos sociais, inclusive pela ideia de tributos ambientais.[2] Já Coase acreditava na apropriação e negociação de direitos sobre bens ambientais, reconhecendo a sua natureza econômica, como alternativa mais eficiente.[3]
No Brasil, a Constituição de 1988 foi o marco ao prever o direito ao meio ambiente equilibrado (art.225) e ao inserir a defesa ambiental como princípio da ordem econômica (art.170, VI). Inicialmente, predominou o modelo comando-controle: licenciamento, fiscalização e sanções administrativas, civis e penais.[4]
Nos anos 1990, surgiram instrumentos de incentivo, como o ICMS Ecológico no Paraná e programas locais de PSA (por exemplo, o pioneiro Projeto Extrema-MG)[5]. Mas só em 2021 publicou-se a Lei 14.119, com normas nacionais do PSA: os requisitos mínimos de contratação e a isenção tributária para os provedores/prestadores de serviços ambientais (agentes que têm a atividade de preservação e recuperação de serviços ecossistêmicos, estes oriundos da própria natureza).
Basicamente, são dois macro modelos de programas de PSA na lógica do “provedor-recebedor” (o provedor de serviços ambientais deve ser remunerado): (1) o usuário de serviços ecossistêmicos paga diretamente ao provedor de serviços ambientais; (2) o Estado (ou financiador) paga ao provedor de serviços ambientais em favor do usuário dos serviços ecossistêmicos.
O primeiro modelo seria o mais adequado para a maioria das situações, por serem mais tendentes à eficiência, pois os usuários dos serviços não apenas financiam, mas também informam diretamente sobre os valores dos serviços e prestação. No segundo, eficiência dos programas de PSA custados pelo Estado é prejudicada, por cobrirem áreas muito maiores, sem informações diretas sobre o valor do serviço e sua prestação.[6]
A EC 132/2023 avançou no art. 145,§3º, da CF/1988, com o princípio de que o sistema tributário deve observar a defesa do meio ambiente. Embora já fosse possível extrair a sua cogência (art. 170, VI), a positivação expressa fortalece a função extrafiscal da tributação, abrindo espaço para maior controle de constitucionalidade de normas que enfraqueçam políticas ambientais. Desse sentido, no RE 607.109 (Tema 304), o STF declarou inconstitucional vedação à apropriação de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis. A restrição seria um risco ao setor de reciclagem, contrário ao dever de proteção ambiental.
Logo, o PSA e seus benefícios fiscais encontram respaldo inequívoco na Constituição, reforçado na EC 132/2023. O problema está na omissão normativa.
Omissão regulamentar: incentivo só com o Estado
O art. 17 da Lei 14.119/2021 estabeleceu que as receitas de PSA estariam isentas de IR, CSLL, PIS e Cofins, tanto nos contratos com o Poder Público quanto naqueles entre privados desde que registrados no CNPSA. A ideia foi estimular arranjos contratuais voluntários e dar segurança jurídica ao provedor de serviços ambientais.
Porém, o CNPSA não está regulamentado. Resultado: só contratos com o Estado são beneficiados, o que desestimula a modalidade mais eficiente de PSA – a privada.
Isso é, a omissão do Executivo por tempo superior a quatro anos é verdadeiro bloqueio normativo. Sem registro, não há isenção. Sem isenção, muitos contratos privados tornam-se economicamente inviáveis, o que não ocorre nos contratos com o Poder Público. Uma clara omissão inconstitucional, pois o Executivo recusa-se a implementar norma densificadora de direito fundamental.
Isso representa fragilidade institucional: a ausência de regulamentação do CNPSA mina a credibilidade do PSA como política pública.
Reforma tributária: esvaziamento
Outro ponto é a reforma tributária. A EC 132/2023 fundiu PIS/Cofins em uma nova contribuição: a CBS. Na publicação da LC 214/2025, defesa ambiental foi direcionada ao Imposto Seletivo, no modelo comando-controle, não se adaptando a isenção do art. 17 da Lei 14.119/2021. Significa que os benefícios fiscais do PSA estão sendo progressivamente revogados, à medida que PIS/Cofins perdem vigência entre 2026 e 2027.
Assim, cria-se um descompasso entre discurso e prática: a Constituição clama pela defesa ambiental via tributação, mas a legislação infraconstitucional reduz benefícios existentes antes sequer de regulamentados, ou seja, experimentá-los. Ou seja, há contradição normativa: a EC 132/2023 reforça a defesa ambiental, mas a LC 214/2025 caminha na direção oposta.
Conclusão
O PSA é um promissor instrumento de política ambiental. Ao remunerar quem conserva, cria-se estímulo positivo, eficiente e sustentável. Porém, dois obstáculos prejudicam o seu futuro:
A não regulamentação do CNPSA impede a plena aplicação dos benefícios fiscais.
A LC 214/2025 enfraquece a isenção do art. 17 da Lei 14.119/2021 ao não replicar para CBS.
É urgente a regulamentação do CNPSA e o ajuste da LC 214/2025, sob risco de transformar em letra morta o incentivo tributário, contrariando a inexorabilidade do princípio tributário da defesa ambiental chancelado pela EC 132/2025. A reforma verde corre o risco de tornar-se cinza.
[1] VULCANIS, Andrea. Pagamento por serviços ambientais: transição necessária para sustentabilidade sistêmica. Conjur, [S.l.], 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-ago-24/pagamento-por-servicos-ambientais-uma-transicao-necessaria-para-a-sustentabilidade-sistemica/.
[2] PIGOU apud JODAS, Natan; DERANI, Cristiane. Pagamento por serviços ambientais (PSA) e racionalidade ambiental: aproximações. Scientia Iuris, [S. l.], v. 19, n. 1, p. 9–27, 2015. DOI: 10.5433/2178-8189.2015v19n1p9.
[3] COASE, Ronald. H.. A firma, o mercado e o direito. Trad.: Heloisa Gonçalves Barbosa. Ed. 2. São Paulo:Gen, 2017.
[4] JODAS e DERANI, op cit.
[5] PEREIRA, Paulo Henrique. Projeto conservador das águas – Extrema. In: PAGIOLA, Stefano; et al. Experiências de pagamento por serviços ambientais no Brasil. São Paulo : Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, 2013, p.29-40.
[6] PAGIOLA, Stefano; GLEHN, Helena Carrascosa Von; TAFFARELLO, Daniele. Pagamento por serviços ambientais. In: PAGIOLA, Stefano (Org.); et al. Experiências de pagamento por serviços ambientais no Brasil. São Paulo : Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, 2013, p.17-27.
[7] TORSANI, Zuleica Aparecida Iovanovich; LISBOA, Julcira Maria de Mello Vianna. Reforma tributária e a efetivação do meio ambiente como direito fundamental. Observatório de la economía latinoamericana, [S. l.], v. 23, n. 1, p. e8685, 2025.Disponível em: https://ojs.observatoriolatinoamericano.com/ojs/index.php/olel/ article/view/8685.